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Guerra de estrelas. Por Maarcelo Veras

2 - 3 minutos de leituraModo Leitura
Marcelo_Veras

O problema com o fluxo do facebook e da globalização é que ele achata em um mesmo diálogo raso o que é íntimo, próximo, muito distante e estratosfericamente distante. É impossível querer conciliar americanas e francesas e, pior ainda, tentar utilizar a mesma lógica para ler a situação do feminicídio no Brasil ou os estupros e mortes de jovens na Índia.

A geleia geral da globalização presta um desserviço precisamente quando equipara a mulher que é assediada no metro, ou que recebe uma ejaculada no ônibus, com as beldades americanas de negro na entrega do Golden Globe. Dizer que todas são mulheres e que tudo é a mesma coisa, além de ser muito duvidoso, tem efeitos de abolir completamente a solução particular, de cada cultura, de cada casal e de cada cama.

Contudo, além de inútil, é ingênuo negar os efeitos da globalização, sobretudo quando se é uma personalidade global. Assim não creio que o modelo americano, que sempre se serviu em massa da identificação, seja de todo equivocado no momento em que há uma radicalização global da violência extremista no ocidente, e que fracassaram as tentativas de subversão do autoritarismo por vias democráticas, inclusive no Brasil. Que o poder de Hollywwod ajude Bollywood a reverter a monstruosidade dos estupros na Índia.

É curioso, sou a favor de tudo que é dito no manifesto francês. O gozo sexual, verdadeira causa do mal estar na civilização, será sempre errático e não poupará nem a feminista mais militante de uma secreta fantasia masoquista, assim como o maior homofóbico de sonhos homoeróticos. Sou a favor do flerte, e todos sabemos que a paixão leva à transgressão.

Discordo contudo, com o fato das francesas dividirem o momento Holywwodiano trazendo o cinema francês como exemplo. Adoro minha eterna Belle de Jour, mas o que vi foi mais uma vez a superioridade intelectual francesa não sabendo dialogar com o aspecto invariavelmente mais raso da reflexão coletiva americana.

Ao invés de salvarem as mulheres, criaram uma rivalidade desnecessária.

Concordo com o momento Hollywoodiano, apesar de achar que está repleto clichês e um risco real de fomentar o puritanismo e o retrocesso nas liberdades sexuais. É difícil ler a cerimônia do Golden Globe sem pensar que a série vitoriosa foi Handmaids tale, que faz uma profunda crítica ao puritanismo americano.

Em suma, as artistas globalizadas americanas agiram mundialmente. As artistas globalizadas francesas agiram como francesas. Não deixa de haver uma certa dialética entre o um e o múltiplo.

No final das contas, a polêmica virou guerra de estrelas, espero que não joguem fora o principal, é preciso ser feminista, mas o desafio é como ser feminista sem criar A mulher que não existe.

Marcelo Veras é Psicanalista

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