Aldeia Nagô
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Happy end na Paralela por Paulo Ormindo

4 - 5 minutos de leituraModo Leitura

Mais
que analisar a solução apontada para a ligação Acesso Norte – Lauro de
Freitas, quero aqui analisar o processo. A primeira lição do episódio é
que Salvador já não é a mesma de 2007, quando a Câmara de Vereadores
aprovou na calada da noite o PDDU vigente.


Apesar de não ter havido
audiências públicas, foi intensa a mobilização da sociedade em torno da
escolha do sistema de transporte na RMS, através de jornais, blogs,
rádios e reuniões promovidas por instituições como Crea-BA ou convocadas
por vereadores e deputados estaduais. Esta ação cidadã foi decisiva na definição do modal de mobilidade.

Aquilo que parecia impossível, vencer o poderoso consórcio do BRT, acabou acontecendo. Recorde-se
que o projeto do Setps, iniciado em 2003, foi um dos vinte oferecidos
por investidores privados e encapados pela prefeitura no pacote Salvador
capital mundial. O Setps e a construtora consorciada realizaram o
levantamento topográfico da rota e financiaram os estudos preliminares
da TTC – Engenharia de Tráfego e Transportes na certeza de ganhar a
concessão e impor o BRT como paradigma para a RMS. Para isso publicaram
revistas, trouxeram jornalistas, promoveram viagens e investiram em um lobby milionário.

Não
se pode ignorar o papel que tiveram movimentos populares como "Salvador
sobre Trilhos", "Eu quero VLT em Salvador", "A cidade também é nossa", e
"Associação de Ferroviários". Esta foi uma grande vitória desses
movimentos,
já que a elite manteve o tradicional silêncio
obsequioso, mas haverá de gritar quando não puder mais sair da garagem. O
povo não está interessado em eventuais jogos a que não poderá assistir.
Ele quer é passar menos tempo dentro de um ônibus com chassi de
caminhão superlotado, com curral e torniquete kafkiano. Sua paciência já
se esgotou e os protestos, bloqueio de avenida e estações ameaçam
repetir o "quebra bonde" de 1930.

Mas
não se pode deixar de reconhecer o papel desempenhado por Zezéu
Ribeiro. Político hábil, ele tem sabido utilizar estes movimentos para
contrabalançar a pressão de poderosos lobbies,
como já havia demonstrado ao mudar a localização do porto sul que
ameaçava destruir uma das mais sensíveis APAs do Estado. No caso
presente, além de fazer ecoar as manifestações contra o péssimo sistema
de buzus, explorou as contradições do capitalismo ao abrir o PMI a
outros grupos e exibir suas propostas no site da Seplan. Isto destruiria o mito do BRT com única solução possível.

Zezéu
pegou o bonde andando e tenta dar tecnicidade a uma secretaria
desaparelhada. Mas uma andorinha só não faz verão. É preciso se criar um
processo institucional de gestão planejada e participativa. O atropelo
desta escolha demonstra que não havia no governo nenhum pensamento sobre
a RMS e transporte de massa. Não se sabe como descongestionar a
capital, nem como infraestruturar a RMS. Precisamos restaurar a função
do planejamento, reduzido pelos políticos a um instrumento, a posteriori,
de legitimar decisões autoritárias. Este não é o caso em pauta. De que
vale fazer audiências públicas e atualizar pesquisa de origem e destino a
esta altura?

A
decisão adotada foi acertada, distinguindo vias "troncais", de
transporte de massa sobre trilhos, e vias transversais capilares,
operadas por BRT e ônibus comuns. No meu entender, o monotrilho está
descartado. Seu impacto visual e difícil acessibilidade a uma plataforma
de 35m de altura o desqualifica. O metrô de superfície com pequenos
mergulhos nos cruzamentos é perfeitamente viável no prazo estabelecido e
atende à exigência da presidente de conclusão do metrô. Ele elimina
desapropriações e os 27 viadutos da consorciada do BRT. Os carros do
metrô já estão aqui. A grande questão é quem administrará este sistema
misto, mas para isso temos tempo.

Em resumo, o episódio da escolha do modal da ligação Acesso Norte – Lauro de Freitas mostrou a força dos movimentos populares
e que o planejamento da RMS e da Bahia não pode ficar a mercê da
eventual titularidade da Seplan por um técnico competente e íntegro.
Deve ser uma política de Estado com quadros idôneos dispostos a ouvir a
comunidade, que deveria ser o principal objetivo da política.


Artigo publicado originalmente em Jornal A Tarde, 26/06/2011 – Caderno 1, folha 2.

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