Imprensa livre é imprensa privada? por Emir Sader
A ideologia liberal – dominante nestes tempos – costuma caracterizar se
um país é democrático, pelo seu regime político, fazendo suas perguntas
clássicas: se há pluralismo partidário, separação de poderes no Estado,
eleições periódicas e imprensa livre. Não contempla a natureza social
do país, se há universalização de direitos básicos, se se trata de uma
democracia social ou apenas do sistema político.
Um dos
problemas dessa visão redutiva que marca o liberalismo, seccionando a
esfera político-institucional do resto da formação social, é que vai
buscar a resposta no lugar errado. Saber se um país é democrático é
saber se sua sociedade é democrática. O sistema político é uma parte
dela e deveria estar em função não de si mesmo, mas de criar uma
sociedade democrática.
Mas o pior desses critérios é tentar
fazer passar que imprensa privada é critério de democracia. Imprensa
privada (isto é, fundada na propriedade privada, na empresa privada)
como sinônimo de imprensa livre é uma contradição nos termos. Imprensa
centrada na empresa privada significa a subordinação do jornalismo a
critérios de empresa – lucro, custo-benefício, etc. . etc., a ser
financiado por um dos agentes sociais mais importantes – as grandes
empresas. O que faz com que a chamada imprensa "livre" seja, ao
contrário, uma imprensa caudatária dos setores mais ricos da sociedade,
presa a seus interesses, de rabo preso com as elites dominantes.
A chamada imprensa "livre" representa os interesses do mercado, dos
setores que anunciam nos veículos produzidos por essas empresas, que
são mercadorias, que transformam as noticias e as colunas que publicam
em mercadorias, que são compradas e vendidas, como toda mercadoria.
Antes de serem vendidos aos leitores, os jornais – assim como os outros
veículos – são primeiro vendidos às agencias de publicidade, que são os
instrumentos fundamentais de financiamento da imprensa "livre". "Um
anúncio de uma página em Les Echos (publicação econômica
francesa), com tarifa normal, rende mais do que a totalidade de suas
vendas nas bancas" – diz Serge Halimi, em artigo no Le Monde Diplomatique de outubro.
São então "livres" de quê? Do controle social, da transparência do seu
financiamento, da construção democrática da opinião pública.
Prisioneiros do mercado, dos anúncios, das agências de publicidade, das
grandes empresas privadas, do dinheiro.
Uma imprensa livre,
democrática, transparente, não pode ser uma imprensa privada, isto é,
mercantil. Tem que ser uma imprensa pública, de propriedade social e
não privada (e familiar, como é o caso das empresas jornalísticas
brasileiras).
A Conferência Nacional de Comunicacáo, a ser
realizada em novembro, é um momento único para redefinir as leis
brasileiras, promovendo a construçãao e o fortalecimento de uma
imprensa realmente livre, democrática, transparente, pública.
Artigo publicado originalmente no Blog do Emir
http://www.cartamaior.com.br