Jornalista denuncia má fé da Folha e armadilha contra Dilma por Antonio Roberto Espinosa
Jornalista denuncia má fé do jornal Folha de
S.Paulo em matéria que tenta envolver a ministra Dilma Rousseff em um suposto
plano para sequestrar Delfim Neto durante a ditadura militar.
"Chocou-me a
seleção arbitrária e edição de má-fé da entrevista, pois, em alguns dias e sem
recursos sequer para uma entrevista pessoal – apelando para telefonemas e
e-mails, e dependendo das orientações de um jornalista mais experiente, no caso
o próprio jornalista Antonio Roberto Espinosa, professor de
Política Internacional, doutorando em Ciência Política pela Universidade de São
Paulo (USP), autor de "Abraços que sufocam – E outros ensaios sobre a liberdade
e editor da Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe",
encaminhou uma carta à redação da Folha de São Paulo, protestando contra a
edição da entrevista por telefone que concedeu ao jornal. Segundo ele, a Folha
preparou uma "armadilha" para a ministra Dilma Rousseff usando uma entrevista
que concedeu a uma das suas repóteres da sucursal de Brasília. Na carta que
encaminhou à redação, ele denuncia a má fé dos editores do jornal. Segue a
íntegra da correspondência:
Prezados senhores,
Chocado com a
matéria publicada na edição de hoje (domingo, 5), páginas A8 a A10 deste jornal,
a partir da chamada de capa "Grupo de Dilma planejou seqüestro de Delfim Neto",
e da repercussão da mesma nos blogs de vários de seus articulistas e no jornal
Agora, do mesmo grupo, solicito a publicação desta carta na íntegra, sem edições
ou cortes, na edição de amanhã, segunda-feira, 6 de abril, no "Painel do Leitor"
(ou em espaço equivalente e com chamada de capa), para o restabelecimento da
verdade, e sem prejuízo de outras medidas que vier a tomar. Esclareço
preliminarmente que:
1) Não conheço pessoalmente a repórter Fernanda
Odilla, pois fui entrevistado por ela somente por telefone. A propósito,
estranho que um jornal do porte da Folha publique matérias dessa relevância com
base somente em "investigações" telefônicas;
2) Nossa primeira conversa
durou cerca de 3 horas e espero que tenha sido gravada. Desafio o jornal a
publicar a entrevista na íntegra, para que o leitor a compare com o conteúdo da
matéria editada. Esclareço que concedi a entrevista porque defendo a
transparência e a clareza histórica, inclusive com a abertura dos arquivos da
ditadura. Já concedi dezenas de entrevistas semelhantes a historiadores,
jornalistas, estudantes e simples curiosos, e estou sempre disponível a todos os
interessados;
3) Quem informou à Folha que o Superior Tribunal Militar
(STM) guarda um precioso arquivo dos tempos da ditadura fui eu. A repórter,
porém, não conseguiu acessar o arquivo, recorrendo novamente a mim, para que lhe
fornecesse autorização pessoal por escrito, para investigar fatos relativos à
minha participação na luta armada, não da ministra Dilma Rousseff.
Posteriormente, por e-mail, fui novamente procurado pela repórter, que me enviou
o croquis do trajeto para o sítio Gramadão, em Jundiaí, supostamente apreendido
no aparelho em que eu residia, no bairro do Lins de Vasconcelos, Rio de Janeiro.
Ela indagou se eu reconhecia o desenho como parte do levantamento para o
seqüestro do então ministro da Fazenda Delfim Neto. Na oportunidade disse-lhe
que era a primeira vez que via o croquis e, como jornalista que também sou, lhe
sugeri que mostrasse o desenho ao próprio Delfim (co-signatário do Ato
Institucional número 5, principal quadro civil do governo ditatorial e cúmplice
das ilegalidades, assassinatos e torturas).
Afirmo publicamente que os
editores da Folha transformaram um não-fato de 40 anos atrás (o seqüestro que
não houve de Delfim) num factóide do presente (iniciando uma forma sórdida de
anticampanha contra a Ministra). A direção do jornal (ou a sua repórter, pouco
importa) tomou como provas conclusivas somente o suposto croquis e a distorção
grosseria de uma longa entrevista que concedi sobre a história da VAR-Palmares.
Ou seja, praticou o pior tipo de jornalismo sensacionalista, algo que envergonha
a profissão que também exerço há mais de 35 anos, entre os quais por dois meses
na Última Hora, sob a direção de Samuel Wayner (demitido que fui pela
intolerância do falecido Octávio Frias a pessoas com um passado político de
lutas democráticas). A respeito da natureza tendenciosa da edição da referida
matéria faço questão de esclarecer:
1) A VAR-Palmares não era o "grupo da
Dilma", mas uma organização política de resistência à infame ditadura que se
alastrava sobre nosso país, que só era branda para os que se beneficiavam dela.
Em virtude de sua defesa da democracia, da igualdade social e do socialismo,
teve dezenas de seus militantes covardemente assassinados nos porões do regime,
como Chael Charles Shreier, Yara Iavelberg, Carlos Roberto Zanirato, João
Domingues da Silva, Fernando Ruivo e Carlos Alberto Soares de Freitas. O mais
importante, hoje, não é saber se a estratégia e as táticas da organização
estavam corretas ou não, mas que ela integrava a ampla resistência contra um
regime ilegítimo, instaurado pela força bruta de um golpe militar;
2)
Dilma Rousseff era militante da VAR-Palmares, sim, como é de conhecimento
público, mas sempre teve uma militância somente política, ou seja, jamais
participou de ações ou do planejamento de ações militares. O responsável
nacional pelo setor militar da organização naquele período era eu, Antonio
Roberto Espinosa. E assumo a responsabilidade moral e política por nossas
iniciativas, denunciando como sórdidas as insinuações contra Dilma;
3)
Dilma sequer teria como conhecer a idéia da ação, a menos que fosse informada
por mim, o que, se ocorreu, foi para o conjunto do Comando Nacional e em termos
rápidos e vagos. Isto porque a VAR-Palmares era uma organização clandestina e se
preocupava com a segurança de seus quadros e planos, sem contar que "informação
política" é algo completamente distinto de "informação factual". Jamais eu diria
a qualquer pessoa, mesmo do comando nacional, algo tão ingênuo, inútil e
contraproducente como "vamos seqüestrar o Delfim, você concorda?". O que disse à
repórter é que informei politicamente ao nacional, que ficava no Rio de Janeiro,
que o Regional de São Paulo estava fazendo um levantamento de um quadro
importante do governo, talvez para seqüestro e resgate de companheiros então em
precárias condições de saúde e em risco de morte pelas torturados sofridas. A
esse propósito, convém lembrar que o próprio companheiro Carlos Marighela,
comandante nacional da ALN, não ficou sabendo do seqüestro do embaixador
americano Charles Burke Elbrick. Por que, então, a Dilma deveria ser informada
da ação contra o Delfim? É perfeitamente compreensível que ela não tivesse essa
informação e totalmente crível que o próprio Carlos Araújo, seu então
companheiro, diga hoje não se lembrar de nada;
4) A Folha, que errou a
grafia de meu nome e uma de minhas ocupações atuais (não sou "doutorando em
Relações Internacionais", mas em Ciência Política), também informou na capa que
havia um plano detalhado e que "a ação chegou a ter data e local definidos". Se
foi assim, qual era o local definido, o dia e a hora? Desafio que os editores
mostrem a gravação em que eu teria informado isso à repórter;
5) Uma
coisa elementar para quem viveu a época: qualquer plano de ação envolvia
aspectos técnicos (ou seja, mais de caráter militar) e políticos. O levantamento
(que é efetivamente o que estava sendo feito, não nego) seria apenas o começo do
começo. Essa parte poderia ficar pronta em mais duas ou três semanas.
Reiterando: o Comando Regional de São Paulo ainda não sabia com certeza sequer a
freqüência e regularidade das visitas de Delfim a seu amigo no sítio. Depois
disso seria preciso fazer o plano militar, ou seja, como a ação poderia ocorrer
tecnicamente: planejamento logístico, armas, locais de esconderijo etc. Somente
após o plano militar seria elaborado o plano político, a parte mais complicada e
delicada de uma operação dessa natureza, que envolveria a estratégia de
negociações, a definição das exigências para troca, a lista de companheiros a
serem libertados, o manifesto ou declaração pública à nação etc. O comando
nacional só participaria do planejamento , portanto, mais tarde, na sua fase
política. Até pode ser que, no momento oportuno, viesse a delegar essa função a
seus quadros mais experientes, possivelmente eu, o Carlos Araújo ou o Carlos
Alberto, dificilmente a Dilma ou Mariano José da Silva, o Loiola, que haviam
acabado de ser eleitos para a direção; no caso dela, sequer tinha vivência
militar;
6) Chocou-me, portanto, a seleção arbitrária e edição de má-fé
da entrevista, pois, em alguns dias e sem recursos sequer para uma entrevista
pessoal – apelando para telefonemas e e-mails, e dependendo das orientações de
um jornalista mais experiente, no caso o próprio entrevistado -, a repórter
chegou a conclusões mais peremptórias do que a própria polícia da ditadura,
amparada em torturas e num absurdo poder discricionário. Prova disso é que
nenhum de nós foi incriminado por isso na época pelos oficiais militares e
delegados dos famigerados Doi-Codi e Deops e eu não fui denunciado por qualquer
um dos três promotores militares das auditorias onde respondi a processos, a
Primeira e a Segunda auditorias de Guerra, de São Paulo, e a Segunda Auditoria
da Marinha, do Rio de Janeiro.
Osasco, 5 de abril de 2009
Antonio
Roberto Espinosa
Jornalista, professor de Política Internacional,
doutorando em Ciência Política pela USP, autor de Abraços que sufocam – E outros
ensaios sobre a liberdade e editor da Enciclopédia Contemporânea da América
Latina e do Caribe.