Aldeia Nagô
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Juvená, Coração de Salvador por Bete Wagner

3 - 4 minutos de leituraModo Leitura

O
coração de Juvená é hoje o coração de todos nós, o coração de Salvador. A nossa
cidade foi sacudida, mexida nas suas entranhas, deixando em cada um de nós uma
sensação de dor, de perplexidade e desamparo. Uma dor no peito, um nó na
garganta, a nos indicar que algo muito sério aconteceu em nossa cidade.


juvena_foto.jpgO
desfecho violento, provocado pela falta do diálogo efetivo e consequente, foi
fatal neste caso das demolições das barracas de praia. Trata-se, talvez, de uma
visão medíocre, apequenada, de chegar e resolver, de qualquer jeito, assuntos
que pedem grandeza pública e compreensão da cultura e da vida da cidade.

Por
trás das demolições, dos incêndios desesperados que assistimos perplexos em
orlas como a de Ondina, e na Ribeira, das angústias dos que tentaram, mas não
conseguiram o diálogo, emerge uma importante discussão da nossa Salvador.

Afinal,
trata-se da ocupação de um dos territórios mais importantes da cidade. Que orla
desejamos? Uma reedição anacrônica, desterritorializada, aculturada de orlas de
qualquer outro lugar, ou de lugar nenhum, que nos roube a cena da nossa própria
cidade? Será que vamos abrir mão do privilégio que temos de definir a ocupação
urbana da única orla de capital do país, ainda aberta aos nossos desígnios, à
decisão compartilhada sobre o uso comum das nossas praias?

Questões
muito relevantes precisam ser esclarecidas. Será que se pretende uma orla
formada por um paredão de concreto com as praias privadamente apropriadas pelos
condomínios de luxo? Ou é possível, e tenho convicção de que é, incluir os
diversos segmentos da cidade numa discussão que é sua e tem, obrigatoriamente, que
ser pública?

As
questões ambientais e paisagísticas, relativas à ocupação desordenada e sem
rumo, têm como se resolver. Tendo dirigido o IMA (Instituto do Meio Ambiente)
sei que é possível a conciliação Aliás, este é o desafio cotidiano de um órgão
ambiental, promover o diálogo, para equilibrar o desenvolvimento e a proteção
do nosso meio ambiente.  Os graves problemas
de saneamento, especialmente relativos ao lixo e também ao esgoto, oriundo dos
sanitários improvisados, exigem posturas urbanísticas firmes. Garantir a
paisagem da nossa orla, patrimônio da cidade, significa assegurar espaços para
convivência e contemplação, indispensáveis numa cidade humanizada. Também isto
é possível de se conciliar.

O
que não é possível, não é aceitável e devemos recusar com veemência, é o
ultraje da cultura que formou e desenhou a orla da nossa cidade. Comer um
caranguejo, tomar uma cervejinha, encontrar com amigos na praia tem um jeito
que só Salvador soube criar. Ou queremos uma praia asséptica, fria, sem o calor
e o aconchego que só a gente daquele lugar, que faz a sua cultura pode aportar?

Juvená,
meu amigo, espero que a gente tenha sabedoria de cuidar do seu coração, que é o
meu coração, que é o coração da nossa cidade. Você hoje simboliza a cidade, sua
dor é a dor de quem não aceita este desvario que nos violentou. É a dor de cada
barraqueira e barraqueiro que também fazem a cultura, a urbanidade e a vida. É
a nossa dor. Axé meu irmão de cidade, saúde e vida para você e para a nossa
Salvador.

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Bete Wagner, economista, ex-diretora geral do
IMA (Instituto do Meio Ambiente), é candidata a deputada estadual pelo PV

betew@terra.com.br
 

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