Aldeia Nagô
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Kadafi e as potências ocidentais por Frei Betto

5 - 7 minutos de leituraModo Leitura

As potências ocidentais, lideradas pelos EUA, botam a boca no trombone em
defesa dos direitos humanos na Líbia. E as ocupações genocidas do Iraque e do
Afeganistão? Quem dobra os sinos por um milhão de mortos no Iraque?


Quem conduz
à Corte Internacional de Justiça da ONU os assassinos confessos no Afeganistão,
os responsáveis por crimes de lesa-humanidade? Por que o Conselho de Segurança
da ONU não diz uma palavra contra os massacres praticados contra os povos
iraquiano, afegão e palestino?

O interesse dos EUA e da União Europeia não é a defesa dos direitos humanos
na Líbia. É assegurar o controle de um território que produz 1,7 milhão de
barris de petróleo por dia, dos quais depende a energia de países como Itália,
Portugal, Áustria e Irlanda.

O caso do Iraque é exemplar: os EUA inventaram as jamais encontradas
"armas de destruição em massa" de Saddam Hussein para exercer o
controle sobre um país que é o segundo maior produtor mundial de petróleo –
2,11 milhões de barris por dia, só superado pela Arábia Saudita. E possui uma
reserva calculada em 115 bilhões de barris. Soma-se a essa riqueza o fato de
ocupar uma posição geográfica estratégica, já que faz fronteiras com Arábia
Saudita, Irã, Jordânia, Kwait, Síria e Turquia.

No próximo dia 20 de março completam-se oito anos que os EUA e parceiros
invadiram o Iraque sob o pretexto de "estabelecer a democracia". O
governo de Maliki está longe do que possa ser considerado uma democracia. Em
fevereiro último, milhares de iraquianos foram às ruas para reivindicar trabalho,
pão, eletricidade e água potável. O exército os reprimiu brutalmente, com
mortes, detenções arbitrárias e sequestro de ativistas. Nenhuma potência
mundial clamou em favor do direitos humanos nem sugeriu que Maliki responda
perante tribunais internacionais.

A ONU é, hoje, lamentavelmente, uma instituição desacreditada. Os EUA a
utilizam para aprovar resoluções que justifiquem seu papel de polícia global a
serviço de um sistema injusto e excludente. Quando a ONU aprova resoluções que
contrariam a Casa Branca -como a condenação do bloqueio a Cuba e da opressão
dos palestinos- ela simplesmente faz ouvidos moucos.

Kadafi está no poder desde 1969. São 42 anos de ditadura. Por que os EUA e a
União Europeia jamais falaram em derrubá-lo? Porque, apesar de seus atentados
terroristas, era conveniente manter ali um déspota que atraía investimentos
estrangeiros e impedia que chegassem à Europa os imigrantes ilegais da África
subsaariana, ou seja, todos os países ao sul do deserto de Saara.

Agora que o povo líbio clama por liberdade, os EUA ocupam posições
estratégicas no Mediterrâneo. Barcos anfíbios, aviões e helicópteros são
transportados pelos navios de guerra US Ponce e US Kearsarge. A União Europeia,
por sua vez, não está preocupada com a democracia na Líbia, e sim em evitar que
milhares de refugiados desembarquem em seus países combalidos pela crise
financeira.

Temem ainda que a onda libertária que assola os países árabes produtores de
petróleo elevem o preço do produto, onerando ainda mais as potências ocidentais,
que lutam com dificuldade para vencer a crise do sistema capitalista.

Fala-se em estabelecer uma "zona de exclusão aérea" na Líbia. Isso
significa bombardear os aeroportos do país e todas as aeronaves ali
estacionadas. E exige o envio de porta-aviões às costas africanas. Em suma: uma
nova frente de guerra.

O fato é que a Casa Branca foi surpreendida pelo movimento libertário no
mundo árabe e, agora, não sabe como proceder. Era mais cômodo prosseguir
cúmplice dos regimes autoritários em troca de fontes de energia, como gás e
petróleo. Mas como opor-se ao clamor por democracia e evitar o risco de o
governo de tais países cair em mãos de fundamentalistas?

Kadafi chegou ao poder com amplo apoio popular ao derrubar o regime tirânico
do rei Idris, em 1969. Mordido pela mosca azul, com o tempo esqueceu todas a
promessas libertárias que fizera. Em 1974, valendo-se da recessão mundial,
expulsou as empresas ocidentais, expropriou propriedades estrangeiras, e
promoveu uma série de reformas progressistas que fizeram melhorar a qualidade
de vida dos líbios.

Finda a União Soviética, a partir de 1993 Kadafi deu boas-vindas aos
investimentos estrangeiros. Após a queda de Saddam, temendo ser a bola da vez,
assinou acordos para erradicar armas de destruição em massa e indenizou vítimas
de seus atentados terroristas. Tornou-se feroz caçador de Osama Bin Laden.
Pediu ingresso no FMI, criou zonas especiais de livre comércio, abriu o país às
transnacionais do petróleo e eliminou os subsídios aos produtos alimentícios de
primeira necessidade. Iniciou o processo de privatização da economia, o que fez
o desemprego aumentar cerca de 30% e agravar a desigualdade social.

Kadafi mereceu elogios de Tony Blair, Berlusconi, Sarkozy e Zapatero. Como
ao Ocidente, desagradou-lhe a derrubada dos governos tirânicos da Tunísia e do
Egito. Agora, atira contra um povo desarmado que aspira vê-lo fora do poder.

Para as potências ocidentais, Kadafi tornou-se uma carta fora do baralho. O
problema, agora, é como derrubá-lo de fato sem abrir uma nova frente de guerra
e tornar a Líbia um "protetorado" sob controle da Casa Branca. Se
Kadafi resistir, Bin Laden pode ganhar mais um aliado ou, no mínimo, um
concorrente em matéria de ameaças terroristas.

O discurso do Ocidente é a democracia. O interesse, o petróleo. E para o
capitalismo, só isto interessa: privatizar as fontes de riqueza. Enquanto a
lógica do capital predominar sobre a da liberdade, o Ocidente jamais conhecerá
verdadeiras democracias, aquelas nas quais a maioria do povo decide os destinos
da nação.

[Frei Betto é escritor, autor de "Diário
de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira" (Rocco), entre
outros livros.
Copyright 2011 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em
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