Aldeia Nagô
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Liberdade de imprensa na Cochinchina por Leandro Fortes

5 - 6 minutos de leituraModo Leitura

O Conversa Afiada recebeu a seguinte carta de Leandro Fortes,
jornalista da Carta Capital, que publicou reportagem sobre os empreendimentos
empresariais do Supremo Presidente e, por isso, por Ele é
processado.
Carta aberta aos jornalistas do Brasil


No dia 11
de março de 2009, fui convidado pelo jornalista Paulo José Cunha, da TV Câmara,
para participar do programa intitulado "Comitê de Imprensa", um espaço
reconhecidamente plural de discussão da imprensa dentro do Congresso Nacional. A
meu lado estava, também convidado, o jornalista Jailton de Carvalho, da sucursal
de Brasília de O Globo. O tema do programa, naquele dia, era a reportagem da
revista Veja, do fim de semana anterior, com as supostas e "aterradoras"
revelações contidas no notebook apreendido pela Polícia Federal na casa do
delegado Protógenes Queiroz, referentes à Operação Satiagraha. Eu, assim como
Jailton, já havia participado outras vezes do "Comitê de Imprensa", sempre a
convite, para tratar de assuntos os mais diversos relativos ao comportamento e à
rotina da imprensa em Brasília. Vale dizer que Jailton e eu somos repórteres
veteranos na cobertura de assuntos de Polícia Federal, em todo o país. Razão
pela qual, inclusive, o jornalista Paulo José Cunha nos convidou a participar do
programa.
Nesta carta, contudo, falo somente por
mim.

Durante a gravação, aliás, em ambiente muito bem humorado e de
absoluta liberdade de expressão, como cabe a um encontro entre velhos amigos
jornalista, discutimos abertamente questões relativas à Operação Satiagraha, à
CPI das Escutas Telefônicas Ilegais, às ações contra Protógenes Queiroz e, é
claro, ao grampo telefônico – de áudio nunca revelado – envolvendo o presidente
do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes
Torres, do DEM de Goiás. Em particular, discordei da tese de contaminação da
Satiagraha por conta da participação de agentes da Abin e citei o fato de estar
sendo processado por Gilmar Mendes por ter denunciado, nas páginas da revista
CartaCapital, os muitos negócios nebulosos que envolvem o Instituto Brasiliense
de Direito Público (IDP), de propriedade do ministro, farto de contratos sem
licitação firmados com órgãos públicos e construído com recursos do Banco do
Brasil sobre um terreno comprado ao governo do Distrito Federal, à época do
governador Joaquim Roriz, com 80% de desconto.
Terminada a gravação,
o programa foi colocado no ar, dentro de uma grade de programação pré-agendada,
ao mesmo tempo em que foi disponibilizado na internet, na página eletrônica da
TV Câmara. Lá, qualquer cidadão pode acessar e ver os debates, como cabe a um
serviço público e democrático ligado ao Parlamento brasileiro. O debate daquele
dia, realmente, rendeu audiência, tanto que acabou sendo reproduzido em muitos
sites da blogosfera.

Qual foi minha surpresa ao ser informado por
alguns colegas, na quarta-feira passada, dia 18 de março, exatamente quando
completei 43 anos (23 dos quais dedicados ao jornalismo), que o link para o
programa havia sido retirado da internet, sem que me fosse dada nenhuma
explicação. Aliás, nem a mim, nem aos contribuintes e cidadãos brasileiros.
Apurar o evento, contudo, não foi muito difícil: irritado com o teor do
programa, o ministro Gilmar Mendes telefonou ao presidente da Câmara dos
Deputados, Michel Temer, do PMDB de São Paulo, e pediu a retirada do conteúdo da
página da internet e a suspensão da veiculação na grade da TV Câmara. O pedido
de Mendes foi prontamente atendido.

Sem levar em conta o ridículo da
situação (o programa já havia sido veiculado seis vezes pela TV Câmara, além de
visto e baixado por milhares de internautas), esse episódio revela um estado de
coisas que transcende, a meu ver, a discussão pura e simples dos limites de
atuação do ministro Gilmar Mendes. Diante desta submissão inexplicável do
presidente da Câmara dos Deputados e, por extensão, do Poder Legislativo, às
vontades do presidente do STF, cabe a todos nós, jornalistas, refletir sobre os
nossos próprios limites. Na semana passada, diante de um questionamento feito
por um jornalista do Acre sobre a posição contrária do ministro em relação ao
MST, Mendes voltou-se furioso para o repórter e disparou: "Tome cuidado ao fazer
esse tipo de pergunta". Como assim? Que perguntas podem ser feitas ao ministro
Gilmar Mendes? Até onde, nós, jornalistas, vamos deixar essa situação chegar sem
nos pronunciarmos, em termos coletivos, sobre esse crescente cerco às liberdades
individuais e de imprensa patrocinados pelo chefe do Poder Judiciário? Onde
estão a Fenaj, e ABI e os sindicatos?

Apelo, portanto, que as
entidades de classe dos jornalistas, em todo o país, tomem uma posição clara
sobre essa situação e, como primeiro movimento, cobrem da Câmara dos Deputados e
da TV Câmara uma satisfação sobre esse inusitado ato de censura que fere os
direitos de expressão de jornalistas e, tão grave quanto, de acesso a informação
pública, por parte dos cidadãos. As eventuais disputas editoriais, acirradas
aqui e ali, entre os veículos de comunicação brasileiros não pode servir de
obstáculo para a exposição pública de nossa indignação conjunta contra essa
atitude execrável levada a cabo dentro do Congresso Nacional, com a aquiescência
do presidente da Câmara dos Deputados e da diretoria da TV Câmara que, acredito,
seja formada por jornalistas.
Sem mais, faço valer aqui minha
posição de total defesa do direito de informar e ser informado sem a ingerência
de forças do obscurantismo político brasileiro, apoiadas por quem deveria, por
dever de ofício, nos defender.

Leandro
Fortes
Jornalista
Brasília, 19 de março de
2009

Publicado por admin · Canal: Bigpost

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