Loucura pouca é bobagem. Por Sergio Siqueira
No bar da rua aonde o boi bebia água. Bacana esse título “ loucura pouca é bobagem”: doidices, delírios, desatinos, desvarios. Curtindo ter sido convidado junto
com Roberto Santana e Pola Ribeiro, por Luciana, Priscilla, Thais , figuras interessantes que transpiram cinema, poesia e futebol. O projeto me remete a pergunta que fizeram ao imortal da Academia Baiana de Letras , o poeta Florisvaldo Mattos : O que está faltando na cultura baiana ? Ele na lata respondeu : “Falta vertigem.”
O foco dessa edição que acontece no Dendê Gastronomia , bar e restaurante, situado na Fonte do Boi, são o final dos anos 60 e os anos 70, tempo de muita vertigem e duas revoluções com sonhos na cabeça. A da turma que achava possível criar uma nova história e um novo país derrubando via luta armada a Ditadura instalada e a turma que seguia os preceitos do movimento hippie , achando que era possível viver fora do Sistema ou sabendo entrar, sair e driblar ele. “Eu não marco touca, eu viro toco eu viro moita” cantavam os Novos Baianos.
A luta armada foi para o brejo e a vida fora do Sistema foi praticamente dissolvida, muita gente caiu pelo caminho, ficando frases que não morrem , tipo “quem não dormiu no sleepback nem sequer sonhou” de Gil ou “ nós pensávamos que éramos mais forte que o Sistema, mas o sistema era muito mais forte que nós”, de Galvão.
John Lennon nos anos 60 já tinha dito o sonho acabou, mas ele com sua sabedoria sabia que sem sonho não existia vida e em 71 com Yoko fez “ Imagine “ botando o mundo pra sonhar de novo, um hino utópico, pensando num planeta progressista, sem fronteiras. Não deu, embora a União europeia seja uma experiência “Imagine”. De qualquer modo as fronteiras foram derrubadas pela Rede, hoje todo mundo está conectado com todo mundo e nesse exato instante um guerreiro Massai deve estar enviando um zap.
O período 68 a 79 tem é coisa pra falar. Esses anos intensos vieram com Ditadura, luta armada, movimento hippie , Tropicália e Arembepe sendo imaginário do mundo. Salvador era uma cidade tropicalista vivendo grandes momentos, com Vinicius morando em Itapuã, os Novos Baianos, Caetano e Gil voltando do exílio, o carnaval saindo dos clubes para a rua, Armandinho tomando as rédeas do trio Dodô e Osmar, Moraes Moreira colocando voz no trio , o Badauê , o Ilê e o Olodum surgindo e nós que já tínhamos Jorge Amado, Caymmi e João Gilberto, passamos a ter também Glauber Rocha, que ganhou tanta importância quanto Godart. O ICBA, o Vila, a Concha, o MAM faziam acontecer, tinha Festival de dança, Cinema, salões de Arte e as Festas Populares brilhavam, com o Porto da Barra, Boca do Rio, Pituaçu e a Praça Castro Alves sendo territórios da moçada.
Anos cheios de vertigem. Um choque de gerações como nunca se viu, os jovens saindo de casa , as meninas criando pelos debaixo do suvaco e abolindo o salto alto , roupas coloridas, homens e mulheres andando juntos detonando clubes de Luluzinha e Bolinha , elas começando a frequentar bares sozinhas, muita gente da classe média indo morar em comunidades populares, Pituaçu, Boca do Rio, Alto da Sereia e a arte e a música tomando rumos inusitados para uma geração que envelhecia e não entendia direito o que estava acontecendo. Me lembro de um amigo que adorava o disco “Refazenda”, principalmente a música título. Ele ouvia tanto que a agulha da vitrola já ia direto para ela. O pai dele não se conformava por ele gostar daquele tipo de música e sempre resmungava com “Refazenda”. Se o filho a estivesse escutando com algum amigo, ele falava mais alto, para se fazer ouvir : “ Isso não é música, onde já se viu abacateiro amanhecer tomate e anoitecer mamão e ainda misturar pato com leão. O Brasil nem leão tem. Só podia estar emaconhado!.”
As rupturas geraram muitas sequelas e muita coisa boa também. Domingos de Oliveira, disse que o maior erro da esquerda, foi pensar que o movimento hippie era seu antagonismo, quando na realidade era complemento. E ficaram coisas como a meditação, a comida orgânica, as eco- vilas, a liberdade feminina, contato com a natureza, link com o oriente e palavras chaves do movimento voltam ao palco nos países muito adiantados : “Compartilhamento” “Simplicidade” “Desapego”. Eles já sabem que sem essas palavras serem levadas ao pé da letra, o planeta combalido tem pouca chance.
Na volta de Algodões vou lá conversar tomando uma com Roberto e Pola, que honra e responsabilidade.
