Lula, as elites e o vira-latas por Francisco Carlos Teixeira
É extremamente interessante que o brasileiro de maior
destaque no mundo hoje seja um mestiço, nordestino, de origens
paupérrimas e com
déficit de educação formal. Para todos os segmentos das elites
nacionais,
nostálgicas de uma Europa que as rejeita, é como uma bofetada! E assim
foi
compreendida a lista do Time. Daí a resposta das elites: o
silêncio!
Francisco Carlos Teixeira
Seguindo outros grandes meios de comunicação globais, a revista
Time escolheu – na semana passada – o presidente Lula como o líder mais
influente do mundo. A notícia repercutiu em todo o mundo, sendo matéria de
primeira página, no jornalão El País.
Elite e preconceito
Na
verdade a matéria o apontava como o homem mais influente do mundo, posto que nem
só políticos fossem alinhados na larga lista composta pelo Time. Esta não é a
primeira vez que Lula merece amplo destaque na imprensa mundial. Os jornais Le
Monde, de Paris, e o El País, o mais importante meio de comunicação em língua
espanhola (e muito atento aos temas latino-americanos) já haviam, na virada de
2009, destacado Lula como o "homem do ano". O inédito desta feita, com a revista
Time, foi fazer uma lista, incluindo aí homens de negócios, cientistas e
artistas mundialmente conhecidos. Entre os quais está o brasileiro Luis Inácio
da Silva, nascido pobre e humilde em Caetés, no interior de Pernambuco, em 1945,
o presidente do Brasil aparece como o mais influente de todas as personalidades
globais. Por si só, dado o ponto de partida da trajetória de Lula e as
deficiências de formação notórias é um fato que merece toda a atenção. No Brasil
a trajetória de Lula tornou-se um símbolo contra toda a forma de exclusão e um
cabal desmentido aos preconceitos culturalistas que pouco se esforçam para
disfarçar o preconceito social e de classe.
É extremamente interessante,
inclusive para uma sociologia das elites nacionais, que o brasileiro de maior
destaque no mundo hoje seja um mestiço, nordestino, de origens paupérrimas e com
grande déficit de educação formal. Para todos os segmentos das elites nacionais,
nostálgicas de uma Europa que as rejeita, é como uma bofetada! E assim foi
compreendida a lista do Time. Daí a resposta das elites: o silêncio
sepulcral!
Lula Líder Mundial
Desde 2007 a imprensa mundial,
depois de colocá-lo ao lado de líderes cubanos e nicaraguenhos num pretenso
"eixinho do mal", teve que aceitar a importância da presença de Lula nas
relações internacionais e reconhecer a existência de uma personalidade original,
complexa e desprovida de complexos neocoloniais. Em 2008 a Newsweek, seguida
pela Forbes, admitiam Lula como um personagem de alcance mundial. O conservador
Financial Times declarava, em 2009, que Lula, "com charme e habilidade política"
era um dos homens que haviam moldado a primeira década do século XXI. Suas
ações, em prol da paz, das negociações e dos programas de combate à pobreza eram
responsáveis pela melhor atenção dada, globalmente, aos pobres e desprovidos do
mundo.
Mesmo no momento da invasão do Iraque, em busca das propaladas
"armas de destruição em massa", Lula havia proposto a continuidade das
negociações e declarado que a guerra contra a fome era mais importante que
sustentar o complexo industrial-militar norte-americano.
Em 2010, em
meio a uma polêmica bastante desinformada no Brasil – quando alguns meios de
comunicação nacionais ridicularizaram as propostas de negociação para a contínua
crise no Oriente Médio – o jornal israelense Haaretz – um importante meio de
comunicação marcado por sua independência – denominou Lula de "profeta da paz",
destacando sua insistência em buscar soluções negociadas para a paz. Enquanto
isso, boa parte da mídia brasileira, fazendo eco à extrema-direita israelense,
procurava diminuir o papel do Brasil na nova ordem mundial.
Lula, talvez
mesmo sem saber, utilizando-se de sua habilidade política e de seu incrível
sentido de negociações, repetia, nos mais graves dossiês internacionais, a
máxima de Raymond Aron: a paz se negocia com inimigos. As exigências, descabidas
e mal camufladas de recusa ás negociações, sempre baseadas em imposições, foram
denunciadas pelo presidente brasileiro. Idéias pré-concebidas estabelecendo a
necessidade de mudar regimes para se ter a paz ou usar as baionetas para
garantir a democracia foram consideradas, como sempre, desculpas para novas
guerras. Lula mostrou-se, em várias das mais espinhosas crises internacionais,
um negociador permanente. Foi assim na crise do golpe de Estado na Venezuela em
2002 (quando ainda era candidato) e nas demais crises sul-americanas, como na
Bolívia, com o Equador e como mediador em crises entre outros
países.
Lula negociador
O mais surpreendente é que o
reconhecimento internacional do presidente brasileiro não traz qualquer orgulho
para a elite brasileira. Ao contrário. Lula foi ridicularizado por sua política
no Oriente Médio. Enquanto isso o presidente de Israel, Shimon Perez ou o
Grande-Rabino daquele país solicitavam o uso do livre trânsito do presidente
para intervir junto ao irascível presidente do Irã. Dizia-se aqui que Lula
ofendera Israel, enquanto o Haaretz o chamava de "profeta da paz" e a Knesset (o
parlamento de Israel) o aplaudia em pé. No mesmo momento o Brasil assinava
importantes acordos comerciais com Israel.
Ridicularizou-se ao extremo a
atuação brasileira em Honduras, sem perceber a terrível porta que se abria com
um golpe militar no continente. Lula teve a firmeza e a coragem, contra a
opinião pública pessimamente informada, de dizer e que "… a época de se
arrancar presidentes de pijama" do palácio do governo e expulsá-los do país
pertencia, definitivamente, a noite dos tempos.
Honduras teve que arcar
com o peso, e os prejuízos, de sustentar uma elite empedernida, que escrevera na
constituição, após anos de domínio ditatorial, que as leis, o mundo e a vida não
podem ser mudados. Nem mesmo através da expressa vontade do povo! E a elite
brasileira preferiu ficar ao lado dos golpistas hondurenhos e aceitar um
precedente tenebroso para todo o continente.
Brasil, país no
mundo!
Também se ridicularizou a abertura das relações do Brasil com o
conjunto do planeta. Em oito anos abriu-se mais de sessenta novas representações
no exterior, tornando o Brasil um país global. Os nostálgicos do "circuito
Helena Rubinstein" – relações privilegiadas com Nova York, Londres e Paris –
choraram a "proletarização" de nossas relações. Com a crise econômica global –
que desmentiu os credos fundamentalistas neoliberais – a expansão do Brasil pelo
mundo, os novos acordos comerciais (ao lado de um mercado interno robusto)
impediram o Brasil de cair de joelhos. Outros países, atrelados ao eixo
norte-atlântico e aqueles que aceitaram uma "pequena Alca", como o México,
debatem-se no fundo de suas infelicidades. Lula foi ridicularizado quando falou
em "marolhinha". Em seguida o ex-poderoso e o ex-centro anti-povos chamado FMI,
declarou as medidas do governo Lula como as mais acertadas no conjunto do
arsenal anti-crise.
Mais uma vez silêncio das elites
brasileiras!
Lula foi considerado fomentador da preguiça e da miséria ao
ampliar, recriar, e expandir ações de redistribuição de renda no país. A miséria
encolheu e mais de 91 milhões de brasileiros ascenderam para vivenciar novos
patamares de dignidade social… A elite disse que era apoiar o vício da
preguiça, ecoando, desta feita sabendo, as ofensas coloniais sobre "nativos"
preguiçosos. Era a retro-alimentação do mito da "pereza ibérica". Uma ajuda de
meio salário, temporária, merece por parte da elite um bombardeio constante. A
corrupção em larga escala, dez vezes mais cara e improdutiva ao país que o Bolsa
Família, e da qual a elite nacional não é estranha, nunca foi alvo de tantos
ataques.
A ONU acabou escolhendo o Programa Bolsa Família como símbolo
mundial do resgate dos desfavorecidos. O ultra-conservador jornal britânico The
Economist o considerou um modelo de ação para todos os países tocados pela
pobreza e o Le Monde como ação modelar de inclusão social.
Mais uma vez a
elite nacional manteve-se em silêncio!
Em suma, quando a influente
revista, sem anúncios do governo brasileiro, Time escolhe Lula como o líder mais
influente do mundo, a mídia brasileira "esquece" de noticiar. Nas páginas
internas, tão encolhidas como um vira-lata em dia de chuva noticia-se que Lula
"… está entre os 25 lideres mais influentes do mundo". Errado! A lista
colocava Lula como "o mais" influente do mundo.
Agora se espera o
silêncio da elite brasileira!
Francisco Carlos Teixeira é professor Titular de História
Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ).
Artigo
publicado originalmente em: http://www.cartamaior.com.br