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LULA, HONORIS CAUSA Cobertura da imprensa dá vexame por Ricardo Kotscho

5 - 7 minutos de leituraModo Leitura

Por que Lula e não Fernando Henrique Cardoso, seu antecessor, para receber uma homenagem da instituição?" 


Começa assim, acreditem, com esta pergunta indecorosa, a entrevista de Deborah Berlinck, correspondente de O Globoem
Paris, com RichardDescoings, diretor do Instituto de Estudos Políticos
de Paris, o Sciences Po, que entregou o título de Doutor Honoris Causa
ao ex-presidente Lula, na tarde de terça-feira (27/9).

Resposta de Descoings:

"O antigo presidente merecia e, como universitário, era considerado um
grande acadêmico (…) O presidente Lula fez uma carreira política de
alto nível, que mudou muito o país e, radicalmente, mudou a imagem do
Brasil no mundo. O Brasil se tornou uma potência emergente sob Lula, e
ele não tem estudo superior. Isso nos pareceu totalmente em linha com a
nossa política atual no Sciences Po, a de que o mérito pessoal não deve
vir somente do diploma universitário. Na França, temos uma sociedade de
castas. E o que distingue a casta é o diploma. O presidente Lula
demonstrou que é possível ser um bom presidente, sem passar pela
universidade".

A entrevista completa de Berlinck com Descoings foi publicada no portal de O Globo
às 22h56 do dia 22/9. Mas a história completa do vexame que a imprensa
nativa sabuja deu estes dias, inconformada por Lula ter sido o primeiro
latino-americano a receber esse título, que só foi outorgado a 16
personalidades mundiais em 140 anos de história da instituição, foi
contada por um jornalista argentino, Martin Granovsky, no jornal Página/12.

Tomei emprestada de Mino Carta a expressão imprensa sabuja porque é a
que melhor qualifica o que aconteceu na cobertura do sétimo e mais
importante título de Doutor Honoris Causa que Lula recebeu este ano.
Sabujo, segundo as definições encontradas no Dicionário Informal,
significa servil, bajulador, adulador, baba-ovo, lambe-cu, lambe-botas,
capacho.

Senhores irritados

Sob o título "Escravocratas contra Lula", Granovsky relata o que
aconteceu durante uma exposição feita na véspera pelo diretor Richard
Descoings para explicar as razões da iniciativa do Science-Po de
entregar o título ao ex-presidente brasileiro.

"Naturalmente, para escutar Descoings, foram chamados vários colegas
brasileiros. O professor Descoings quis ser amável e didático (…). Um
dos colegas perguntou se era o caso de se premiar a quem se orgulhava de
nunca ter lido um livro. O professor manteve sua calma e deu um olhar
de assombrado (…).

"‘Por que premiam a um presidente que tolerou a corrupção’, foi a
pergunta seguinte. O professor sorriu e disse: ‘Veja, Sciences Po não é a
Igreja Católica. Não entra em análises morais, nem tira conclusões
apressadas. Deixa para o julgamento da História este assunto e outros
muito importantes, como a eletrificação das favelas em todo o Brasil e
as políticas sociais’ (…). Não desculpamos, nem julgamos.
Simplesmente, não damos lições de moral a outros países’.

"Outro colega brasileiro perguntou, com ironia, se o Honoris Causa de
Lula era parte da ação afirmativa do Sciences Po. Descoings o observou
com atenção, antes de responder. ‘As elites não são apenas escolares ou
sociais’, disse. ‘Os que avaliam quem são os melhores, também. Caso
contrário, estaríamos diante de um caso de elitismo social. Lula é um
torneiro-mecânico que chegou à presidência, mas pelo que entendi foi
votado por milhões de brasileiros em eleições democráticas.’

No final do artigo, o jornalista argentino Martin Granovsky escreve para vergonha dos jornalistas brasileiros:

"Em meio a esta discussão, Lula chegará à França. Convém que saiba que,
antes de receber o doutorado Honoris Causa da Sciences Po, deve pedir
desculpas aos elitistas de seu país. Um trabalhador metalúrgico não pode
ser presidente. Se por alguma casualidade chegou ao Planalto, agora
deveria exercer o recato. No Brasil, a Casa Grande das fazendas estava
reservada aos proprietários de terra e escravos. Assim, Lula, silêncio,
por favor. Os da Casa Grande estão irritados".

Duro de ouvir

Desde que Lula passou o cargo de presidente da República para Dilma
Rousseff há nove meses, a nossa grande imprensa tenta jogar um contra o
outro e procura detonar a imagem do seu governo, que chegou ao final dos
oito anos com índices de aprovação acima de 80%.

Como até agora não conseguiram uma coisa nem outra, tentam apagar Lula
do mapa. O melhor exemplo foi dado na quarta-feira (28/9) pelo maior
jornal do país, a Folha de S.Paulo, que não encontrou espaço na
sua edição de 74 páginas para publicar uma mísera linha sobre o
importante título outorgado a Lula pelo Instituto de Estudos Políticos
de Paris.

Em compensação, encontrou espaço para publicar uma simpática foto de
Marina Silva ao lado de Fernando Henrique Cardoso, em importante evento
do instituto do mesmo nome, com este texto-legenda:

"AFAGOS – FHC e Marina em debate sobre Código Florestal no instituto do
ex-presidente; o tucano creditou ao fascínio que Marina gera o fato de o
auditório estar lotado".

Assim como decisões da Justiça, critérios  editoriais não se discute, claro.

Enquanto isso, em Paris, segundo relato publicado no portal de O Globo pela correspondente Deborah Berlinck, às 16h37, ficamos sabendo que:

"O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido com festa no
Instituto de Estudos Políticos de Paris – o  Sciences Po -, na França,
para receber mais um título de doutor honoris causa, nesta terça-feira.
Tratado como uma estrela desde sua entrada na instituição, ele foi
cercado por estudantes e, aos gritos, foi saudado. Antes de chegar à
sala de homenagem, em um corredor, Lula ouviu, dos franceses, a música
de Geraldo Vandré, "Para não dizer que não falei das flores.

"A sala do instituto onde ocorreu a cerimônia tinha capacidade para 500
pessoas, mas muitos estudantes ficaram do lado de fora. O diretor da
universidade, Richard Descoings, abriu a cerimônia explicando que a
escolha do ex-presidente tinha sido feita por unanimidade.

Em seu discurso de agradecimento, Lula disse:

"‘Embora eu tenha sido o único governante do Brasil que não tinha
diploma universitário, já sou o presidente que mais fez universidades na
história do Brasil, e isso possivelmente porque eu quisesse que parte
dos filhos dos brasileiros tivesse a oportunidade que eu não tive.’"    

Para certos brasileiros, certamente deve ser duro ouvir estas coisas. É melhor nem ficar sabendo.

***

[Ricardo Kotscho é jornalista]

Artigo publicado originalmente em http://www.observatoriodaimprensa.com.br

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