Aldeia Nagô
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Lula, imprensa neutra e diversidade informativa por Beto Almeida

11 - 15 minutos de leituraModo Leitura

O que é realmente uma imprensa livre? A que temos no Brasil é
prisioneira do poder econômico, controlado pelas classes endinheiradas.
Rigorosamente aprisionada dos preconceitos e visões destas classes.
Imprensa
livre de quem, então? A preferência dos barões da mídia é escandalosa.
Há uma
unanimidade contra a candidata de Lula. Exceção feita, nas revistas de
circulação nacional, à Carta Capital. Exceção que também se verifica na
chamada
mídia alternativa, porém extremamente pulverizada e de escassa
circulação
nacional. Com todo o heroísmo que significa a sua sustentação. O artigo é
de
Beto Almeida.


Beto Almeida (*)

O tema da falta de neutralidade da imprensa voltou à baila nesta
semana por iniciativa do presidente Lula. Quando ele pede que a imprensa seja
neutra ou no mínimo diga que tem candidato, está levantando um problema real e
verdadeiro. Mas, a solução para isto, está muito longe da simples decisão dos
proprietários de veículos de converterem-se repentinamente a uma neutralidade ou
a uma diversidade informativa que nunca praticaram historicamente. A solução
caminha para o fortalecimento das mídias públicas e pela construção, no caso
brasileiro, de um grande jornal popular e nacionalista. E para esta solução, o
próprio presidente Lula poderia sim ser um grande aliado.

A reclamação de
Lula foi feita em discurso na Convenção do PT que indicou oficialmente Dilma
Roussef como candidata presidencial. Ele registrava o desequilíbrio que sente ao
assistir pela televisão a cobertura jornalística da campanha eleitoral. Os
tempos e o tratamento são obviamente diferenciados. A preferência dos barões da
mídia é escandalosa. Há uma unanimidade contra a candidata de Lula. Exceção
feita, nas revistas de circulação nacional, à Carta Capital. Exceção que também
se verifica na chamada mídia alternativa, porém extremamente pulverizada e de
escassa circulação nacional. Com todo o heroísmo que significa a sua
sustentação.

No mesmo discurso Lula fala que "somos todos defensores da
imprensa mais livre do mundo" e que não se incomoda com as críticas que recebe.
Mas, o que é realmente uma imprensa livre? A que temos no Brasil é prisioneira
do poder econômico, controlado pelas classes endinheiradas. Rigorosamente
aprisionada dos preconceitos e visões destas classes. Imprensa livre de quem,
então?

Mais adiante, no mesmo discurso, Lula fala que é preciso ficar
atento e "mudar de canal". Como mudar de canal? Para qual, se não há
alternativas?!!

Neutralidade na imprensa do capital?
Aqui
entramos no problema que reiteradamente, não apenas este escriba mas também
outros mais qualificados, vem tratando de enfrentar, propondo a fundação de um
programa público de estímulo da edição e leitura de jornais. Certamente, os
barões da mídia, advertimos com antecipação, vão gritar escandalizados.
Estatização da mídia!!! Dirão, alguns. Querem o dinheiro público para fazer
política!!! Dirão outros.

Ué, mas isto não vem ocorrendo historicamente?!
Como é que se sustenta, esta mesma mídia que ataca editorialmente a participação
do estado em ramos essenciais da economia e da sociedade, entre os quais
acrescentaria a obrigação de garantir informação diversificada e idônea aos
cidadãos? Basta reflefir sobre a informação de que a maior empresa de
comunicação do país recebe, apenas ela, mais de 60 por cento das bilionárias
verbas públicas federais. Não faz muito tempo, a Revista Veja trazia, numa só
edição, 14 páginas de publicidade da Petrobrás, um dos alvos prediletos do cada
vez mais precário jornalismo do veículo.

O governo paga para
apanhar

Que o governo paga para apanhar, pode ser uma conclusão.
Verdadeira, mas não esgota o problema. Aliás, o governo até promoveu um critério
novo e mais democrático para a distribuição de sua publicidade. Ainda assim, a
grande massa de brasileiros não pode nem mudar de canal, nem pode ler jornal, já
que continuamos com a quase unanimidade dos jornais de circulação mais
relevantes aprisionados pelos empresários que praticam o desequilíbrio
informativo, que estão muito longe da neutralidade sugerida por Lula – aliás,
duvido que ela exista. E também não temos, como em outros países ou como já
tivemos no passado, um jornal nacional de ampla circulação que refletisse o
ponto de vista das classes populares e nacionalistas, que, afinal, existem na
sociedade. Ou não? A tomar pela imprensa do capital hoje, parece que estes
outros pontos de vista não existiriam. Paradoxo: estas conseguem eleger o
presidente da república mas não conseguem construir um jornal que tenha a sua
cara e os seus sonhos??

A experiência do jornal "Última
Hora"

Já tivemos o Jornal "Última Hora", nacionalista e popular. Uma
página importantíssima na história da imprensa brasileira, tema já tocado aqui
por este escriba e também pelo jornalista Laurindo Leal Filho. Tal como Lula
hoje, Vargas também percebia que toda a imprensa se voltava contra o
nacionalismo, condenava as leis trabalhistas e previdenciárias, hostilizava o
salário mínimo, defendia os interesses das oligarquias e, sobretudo, do capital
estrangeiro. O presidente Vargas comenta então o problema da desinformação
crônica do país com o jornalista Samuel Wainer. E sugere: "Por que tu não montas
um jornal?" O encorajamento veio de Vargas. Houve um empréstimo do Banco do
Brasil e de outras instituições e nasceu o ‘Última Hora". Hoje, o presidente
Lula poderia ir além da reclamação e das críticas corretas que faz à esta
imprensa desequilibrada e propor uma solução. Se disserem que é um absurdo que
um presidente encoraje á formação de uma iniciativa deste porte, lembraremos as
nebulosas condições em que foi criada a maior rede de televisão do Brasil,
inclusive afrontando a lei, conforme demonstrou a histórica CPI do Grupo
Time-Life. O encorajamento, digamos, veio de longe…

Aliás, a solução já
vem sendo proposta reiteradas vezes por segmentos do movimento de democratização
da comunicação. Tanto no Seminário "A imaginação a serviço do Brasil", de julho
de 2002, que preparou um programa específico entregue ao então candidato Lula,
como também nos debates da Confecom e nos Congressos Nacionais de Jornalistas,
muito embora nem todos os sindicatos a sustentem de modo militante. Clamam por
Diploma!! Diploma!!!, mas onde este exército de jornalistas diplomados,
espelidos pela indústria do canudo, irá trabalhar? Temos fatores soltos que
necessitam ser coordenados. Temos um povo praticamente proibido da leitura.
Nossos índices de leitura de jornal, segundo a UNESCO, perdem para os da
Bolívia! Temos um exército de jornalistas e escritores talentosos desempregados,
vítimas da propaganda enganosa que foi a explosão de faculdades de comunicação
no país, prometendo emprego para todos. E temos uma indústria gráfica com 50 por
cento de capacidade ociosa crônica. Gráficas paradas e um povo sem poder
ler!!!

Esta solução trilha por uma Fundação para o Jornalismo Público.
Muitos fundos de pensão de empresas públicas, altamente rentáveis aliás,
poderiam associar-se a esta Fundação.

Hipocrisia
Quando os
barões da mídia, fingindo-se escandalizados, reclamarem do uso de recursos
públicos para um jornalismo de missão pública, que não é o deles, apresentaremos
uma tabela com todos os monumentais recursos que durante décadas estas empresas
de mídia drenaram do estado. E diremos que estamos apenas reivindicando
isonomia. Por que o BNDES pode oferecer empréstimos para a Vale do Rio Doce,
para grandes empresários e até poderosas empresas estrangeiras, ou para as
empresas de comunicação já instaladas, e esta Fundação para um Jornalismo
Público não pode também receber? Que a dívida que grandes empresas de mídia
possuem com o INSS seja convertida em favor de um programa que edifique um
programa público de leitura e edição de jornais no Brasil é algo ser examinado.
E também denunciaremos a hipocrisia desta mídia que ataca o estado
editorialmente, mas ante qualquer dificuldade de caixa bate exatamente às portas
deste mesmo estado para o uso , sim, do dinheiro público. Elas não se
transformaram nestes poderosos conglomerados por eficiência empresarial, mas,
sobretudo, por irrigação privilegiada de recursos do estado para sua
contabilidade privada!

Jornal popular, nacionalista, a baixo
preço

O papel essencial desta Fundação é a de editar e distribuir
nacionalmente um jornal de grande circulação, a preços populares, estabelecendo
a diversidade informativa preconizada na Constituição. Não é livre uma imprensa
aprisionada por uma única classe social poderosa que edita apenas seus desejos e
sua vassalagem ante aos grandes interesses. Não esqueceremos jamais: esta mídia
que aí está a atacar o fortalecimento das políticas públicas atuais, foi a mesma
que atacou Vargas por criar a Petrobrás, chegando até mesmo a proclamar – pasmem
– que no Brasil não havia petróleo! Nesta onda de recall das grandes empresas,
bateu a inspiração para escrever artigo com o título "E o dia em que fizerem o
recall da mídia?". Quanta informação adulterada, defeituosa, falsificada!!! Será
possível corrigir? Afinal, não estamos falando de um tapete, um pedal ou um cabo
de freio….Estamos falando de informação, pedra preciosa para a
cidadania!

A solução é construir, expandir e qualificar o campo da mídia
pública. Mudanças mais audazes nos critérios de distribuição de publicidade
oficial já ajudariam muito a reequilibrar o campo de mídia. Com o valor das 14
páginas de publicidade dadas exclusivamente à Veja, uma TV Comunitária se
sustenta por vários anos!

Escola de Jornalismo
Além de editar
um jornal, esta Fundação para o Jornalismo Público bem que poderia ter uma
escola de jornalismo, pois a ideologia da notícia emanada pela imprensa
comercial hoje já penetrou de tal modo nas escolas de comunicação que, em certos
casos, parece uma cooptação informativo-cultural em torno de valores alheios e
até mesmo antagônicos aos do povo brasileiro, dos que produzem e constroem este
país. E jornalismo não é fábrica de sabão. Não é pecado sonhar em ter uma escola
de jornalismo nesta Fundação sob a orientação de geniais jornalistas, como Mauro
Santayanna, por exemplo, que trabalhou naquele valente Última Hora. E tantos
outros. É preciso abrir uma página nova no jornalismo brasileiro, pensando nas
próximas gerações. E também poderia instalar nesta Fundação uma editora
especializada em temas que permitissem ao povo brasileiro ter acesso a livros de
qualidade, a baixo custo, e, tematicamente, ajudando na superação das
vulnerabilidades ideológicas, padrões de informação e de cultura que querem nos
impingir alguns governos intervencionistas, pelos braços de suas ONGs,
alardeando ambíguas e ardilosas bandeiras democráticas.

Se nasceu a TV
Brasil, a EBC, em sintonia com inúmeras mudanças democráticas da comunicação em
vários países da América Latina, por que não avançamos? Por que não ir além da
constatação de que estamos padecendo de uma manipulação informativa clamorosa?
Denunciar é rigorosamente necessário, tanto quanto apresentar caminhos a seguir.
Na Argentina, existe o jornal Página 12 e o fortalecimento da TV e Rádio
Públicas, além de uma nova lei de comunicação que proíbe o monopólio. Na Bolívia
nasceu o jornal Câmbio e em 8 meses de vida já vende tanto quanto o mais antigo
jornal do país, o La Razón, com 70 anos de vida. Na Venezuela, nasceu o jornal
Correio do Orenoco, resgatando o jornal original de Simon Bolívar, no qual foi
redator o general pernambucano Abreu e Lima, que lutou ao lado do Libertador. No
México há o jornal La Jornada, uma espécie de cooperativa.

Já passou da
hora do povo brasileiro dar um passo novo para fazer uma nova história do
jornalismo. Se oferecemos ao mundo com engenhosidade e criatividade a mais bela
festa popular do planeta, se já oferecemos ao mundo um Alberto Santos Dumont, se
já lançamos ao mundo um Paulo Freire, um Josué de Castro, um Oscar Niemeyer e
uma música de inventividade admirável, por que não podemos pretender criar um
outro caminho para um jornalismo tal como previsto na Constituição: humanista,
diversificado, plural, respeitando os mais elevados valores da nação, sua
diversidade cultural e coibindo o daninho processo de concentração
midiática?

Para os que temem nesta proposta alguma nostalgia
guttemberguiana, nada disso: o povo brasileiro pode, finalmente, entrar na Era
de Guttemberg e, simultamentemente, fazer este jornalismo espalhar-se pelo
digital, sobretudo agora que a Telebrás pública irá cuidar de democratizar a
banda larga. Mas, é preciso fazer jornalismo, o velho e bom jornalismo, de Jack
London, de John Reed, do Barão de Itararé, de Barbosa Lima Sobrinho e do
jornalista negro e socialista Gustavo de lacerda, fundador da ABI.

E bem
que o presidente Lula, deixando a presidência, pode ser uma espécie de
presidente de honra desta Fundação para um Jornalismo Público

(*) Beto
Almeida é Jornalista, Diretor da Telesur

(**) Trecho de discurso do
presidente Lula

"Eu estava vendo um certo canal de televisão: a
Dilma deve ter aparecido uns 30 segundos, e o adversário apareceu seis vezes em
quase seis minutos. É importante a gente começar a ficar esperto, a olhar e
começar a ver qual o tratamento vai ser dado – disse, sendo interrompido por
aplausos. – Todos somos defensores da imprensa mais livre do mundo. A imprensa
muitas vezes cansa de falar mal de mim, e eu acho que faz parte da democracia.
Agora, quando se trata de campanha, é preciso que a imprensa seja neutra ou, no
mínimo, diga que tem candidato, porque aí nós vamos mudar de canal para ver o
canal da nossa candidata e não o do candidato deles".

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