Lula, PT e CUT: outra hora da verdade, por Aldo Fornazieri
É forçoso constatar que as esquerdas brasileiras têm sido refratárias em aprender com as lições da história. Os mais eminentes clássicos da Filosofia Política sempre chamaram a atenção para o fato de que os grandes líderes políticos precisam recorrer história, extraindo dela
lições negativas, para evitar caminhos que levam a derrotas, e lições positivas, seguindo como modelos as ações exemplares que levaram a grande vitórias e contribuíram para construir a grandeza do Estado e alcançar a glória imorredoura dos grandes condutores políticos e dos povos. Basta ler as biografias de um Péricles, de um Alexandre, de um Cipião, de um Júlio César, de um Otávio Augusto, de um Carlos Magno, de um Napoleão, de um Bismark e de tantos outros, antigos e modernos, para ver como esses líderes se esmeravam no estudo da história, visando compreender os segredos das vitórias ou das derrotas, da grandeza ou da vergonha, da virtude combativa ou da covardia da fuga.
Desgraçadamente, a maior parte dos políticos brasileiros é constituída de arrogantes. Arrogância e ignorância andam juntas. Eles pressupõem que sabem tudo e, na sua desastrosa auto-suficiência, se negam a aprender com a história, com os bons exemplos e com os bons conselhos. Todo líder sábio e prudente tem essas três fontes de sabedoria política: a história, os bons exemplos e os bons conselhos.
Todo golpe tem dois grandes conjuntos de causa: os erros e a inépcia dos golpeados e a ação criminosa e ilegal dos golpistas. As circunstâncias e causas que estão imbricadas no o golpe militar de 1964 e no golpe jurídico-parlamentar de 2016, são diferentes, embora algumas questões de fundo sejam as mesmas. Outro elemento comum aos dois eventos, com nuances e circunstâncias diferentes, é a conduta capitulacionista das forças de esquerda, a sua fraqueza e desorganização, a sua retórica inflamada e a sua inconsequência na ação prática.
Os líderes sindicais haviam convocado uma greve geral para 31 de março de 1964, mas, praticamente, ninguém aderiu. Com alguns líderes presos, outros foragidos, os sindicatos mostraram toda a sua debilidade. O suposto esquema militar de Jango, a rigor, era um campo minado. Jango tinha mantido em postos de comandos alguns militares que se tornaram chefes golpistas. Se não eram golpistas, eram incompetentes. O próprio general Castelo Branco era chefe do Estado Maior do Exército.
Com Dilma, não foi diferente: Temer, participava das reuniões para evitar o impeachment ao mesmo tempo articulava o golpe com alguns ministros do governo, com líderes do governo no Congresso, notadamente o senador Romero Jucá. Ministros saíram das explanada dos Ministérios para orientar as suas bancadas para derrubar Dilma. Desta vez sequer existiam tanques e baionetas. Mas também não existiam os prometidos exércitos do MST e as trincheiras do presidente da CUT. Os manifestantes do fatídico 17 de abril de 2016, é bom que se repita, no final do dia, e em face da derrota imposta por uma Câmara dos Deputados ignominiosa, que fez corar de vergonha até mesmo a grama da praça dos Três Poderes, se retiraram para as suas casas cabisbaixos e desmoralizados.
As esquerdas sofreram outras derrotas como resultado da sua impotência ou da sua omissão. No contexto das Diretas Já, após grandes mobilizações populares, se limitaram a votar contra a chapa Tancredo-Sarney no Colégio Eleitoral. Após as mobilizações pelo impeachment de Collor, nenhum saldo mais significativo. Os caras-pintas evaporaram e o resultado foi o reinado de oito anos de FHC.
Agora mesmo o governo golpista de Temer impôs a reforma trabalhista sem grande resistência de rua. No dia da votação da reforma no Senado, o presidente da CUT, Wagner Freitas, se encontrava no recinto querendo entrar no plenário. Compare-se esta atitude com a atitude dos sindicatos e dos movimentos sociais argentinos que, na última semana, cercaram o Congresso e inviabilizaram a votação da reforma da previdência naquele país. Uma das palavras de ordem entoada pelos manifestantes é que lá “não é o Brasil”.
Este grito precisa vibrar nos ouvidos dos governantes argentinos, mas também dos sindicalistas e líderes sociais brasileiros. Na verdade, os sindicatos brasileiros vêm revelando uma debilidade histórica: garantidos à sombra do imposto sindical, são dirigidos por burocracias de bem viventes, bem vestidos e bem alimentados, distantes de suas bases e alheios às vicissitudes destas. Este afastamento entre direções e bases impede que nos momentos decisivos se tenha força mobilizadora, força de combate.
A interdição da candidatura Lula deve ser inaceitável e inegociável
O julgamento de Lula em 24 de janeiro pelo TRF4 será uma nova hora da verdade para as forças de esquerda e progressistas brasileiras, particularmente para o PT e para a CUT. Em que pese a resolução do Diretório Nacional do PT chamar para a mobilização, se observa um certo ar de capitulacionismo em setores do partido. A CUT está desafiada a conseguir ir além do tom declaratório dos seus dirigentes. O PT terá que mostrar que sabe ir além de si mesmo, chamando as demais forças democráticas, progressistas e de esquerda para enfrentar este último ato do golpe. Caso contrário, poderá caminhar sozinho para uma nova derrota. Pensar num plano B, neste momento, numa candidatura substituta a Lula, significa antecipar a derrota sem luta. Mas setores de esquerda são tão ufanistas e inconsequentes que acreditam que se Lula for impedido, transferirá os votos para outro candidato e o elegeria. Prefere-se acreditar em fantasias do que lutar.
As forças progressistas e de esquerda precisam perceber que existe um embate prévio às eleições: garantir o direito à candidatura Lula como uma questão democrática central, como uma questão da luta do povo contra as elites predadoras. Não cabem condutas oportunistas nessa questão, por mais ressentimentos que muitos possam ter do PT. Se surgir uma Frente Democrática e Progressista desse processo, tanto melhor. Se não surgir, as diversas candidaturas e partidos de esquerda poderão participar das eleições com a dignidade do dever cumprido se lutarem por garantir Lula na disputa.
É preciso perceber que as forças golpistas perderam a legitimidade moral junto à sociedade e que este é o momento da confraofensiva. Os fatores são vários: por ser o governo uma quadrilha; pelo PSDB ter ser revelado um partido hipócrita, moralista sem moral; pelo STF ser um abrigo de bandidos de colarinho branco, soltando empresários corruptos, salvando Aécio Neves, abrindo mão de suas prerrogativas e rasgando a Constituição; por existirem juízes do STF e de outros tribunais tisnados pela suspeição de graves irregularidades; pela parcialidade persecutória do juiz Moro e pela suspeita de que a Lava Jato tem se tornado um balcão de negócios de Moro e dos procuradores; pelo fato de que em vários setores do Judiciário se resvalou para o arbítrio, para a exceção e se deixou de cumprir a lei. Não se pode aceitar a condenação de Lula, sem provas, por um Judiciário carcomido pela incompetência, pela corrupção, pelos privilégios, pela proteção de criminosos ricos e pela penalização dos pobres
As forças progressistas e de esquerda do Rio Grande do Sul têm o dever de se colocar na linha de frente desta luta, mobilizando os ativistas de todo o estado para ocupar Porto Alegre. Trata-se de fazer confluir caravanas de todas as regiões do estado para dizer que o último capítulo do golpe não será aceito. Trata-se, não só de ocupar Porto Alegre, mas de parar a capital gaúcha usando táticas que não se restrinjam a um mero piquenique cívico, como vem ocorrendo na Avenida Paulista.
Os movimentos sociais e progressistas do Rio Grande do Sul precisam resgatar as virtudes combativas, de enfrentamentos cívicos, das lutas sociais e populares -virtudes e combates que estão enredados com a história do próprio estado. É preciso transformar o dia 24 de janeiro num novo paradigma da história dos progressistas e das esquerdas no Brasil. Um paradigma que seja o da organização social, do poder social e do poder da mobilização popular, escrito com brio, coragem e combatividade. Travar a luta no interior das instituições é uma necessidade, mas criar poderosas e combativas organizações e movimentos da sociedade, a exemplo do MTST, é uma garantia de que haverá lutas por direitos e dignidade e que golpes não poderão ser dados sem enfrentamentos.
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).