Máfias farmacêuticas por Ignácio Ramonet
Paris, setembro/2009 – Pouquíssimos
meios de comunicação comentaram. A opinião pública não foi alertada. E,
entretanto, as preocupantes conclusões do Informe final (1) publicado pela
Comissão Européia, no dia 8 de julho, sobre os abusos em matéria de competição
no setor farmacêutico, merecem ser conhecidas pelos cidadãos e amplamente
divulgadas.
O que diz esse Informe? Em síntese?
Que, no comércio de medicamentos, a competição não está funcionando, e que os
grandes grupos farmacêuticos recorrem a todo tipo de jogo sujo para impedir a
chegada ao mercado de medicamentos mais eficazes e, sobretudo, para
desqualificar os genéricos, muito mais baratos. Conseqüência: o atraso no
acesso do consumidor aos genéricos se traduz em importantes perdas financeiras,
não apenas para os próprios pacientes, mas para a Assistência Social a cargo do
Estado (ou seja, os contribuintes). Isto também oferece argumentos aos
defensores da privatização dos Sistemas Públicos de Saúde, acusados de serem
fossos de déficits no orçamento dos Estados.
Os genéricos são medicamentos idênticos – quanto
aos princípios ativos, dosagem, fórmula farmacêutica, segurança e eficácia –
aos medicamentos originais produzidos com exclusividade pelos grandes
monopólios. O período de exclusividade e proteção da patente do remédio
original vence após uma dezena de anos, quando então outros fabricantes têm
direito de produzir os genéricos, que custam cerca de 40% mais barato. A
Organização Mundial da Saúde (OMS) e a maioria dos governos recomendam o uso de
genéricos porque, por seu menor custo, favorecem o acesso equitativo à saúde
das populações expostas a doenças evitáveis (2).
O objetivo dos grandes laboratórios consiste, por
conseguinte, em retardar, por todos os meios possíveis, a data de vencimento do
período de proteção da patente. O mercado mundial de medicamentos representa
cerca de 70 bilhões de euros (3); e uma dezena de empresas gigantescas, entre
elas as chamadas "Big Pharma" – Bayer, GlaxoSmithKline (GSK), Merk, Novartis,
Pfizer, Roche, Sanofi-Aventis -, controlam metade desse mercado. Seus lucros
são superiores aos obtidos pelos poderosos grupos do complexo
militar-industrial. Para cada euro investido na fabricação de um medicamento de
marca, os monopólios ganham mil no mercado (4). Ademais, três dessas companhias
(GSK, Novartis e Sanofi) pretendem ganhar milhares de milhões a mais de euros
nos próximos meses graças à venda maciça da vacina contra o vírus A (H1N1) da
nova gripe (5).
Essas gigantescas massas de dinheiro dão às Big
Pharma uma potência financeira absolutamente colossal, que usam particularmente
para arruinar, mediante múltiplos julgamentos milionários perante os tribunais,
modestos fabricantes de genéricos. Seus inumeráveis lobbies também fustigam
permanentemente o Escritório Europeu de Patentes (OEP), cuja sede fica em
Munique, para retardar a concessão de autorizações de entrada de genéricos no
mercado. Além disso, realizam campanhas enganosas sobre esses remédios
bioequivalentes e assustam os pacientes.
O resultado é que, segundo o recente Informe
divulgado pela Comissão Européia, os cidadãos têm de esperar, em média, sete
meses mais do que o normal para ter acesso aos genéricos, o que se traduziu,
nos últimos cinco anos, em um gasto extra desnecessário de aproximadamente três
bilhões de euros para os consumidores e em 20% de aumento para os Sistemas
Públicos de Saúde.
A ofensiva dos monopólios farmacêutico-industriais
não tem fronteiras. Também estariam implicados no recente golpe de Estado
contra o presidente Manuel Zelaya em Honduras, país que importa todos os seus
medicamentos, produzidos fundamentalmente pelas "Big Parma". Desde que Honduras
entrou para a Aliança Bolivariana para os Povos da América (Alba), em agosto de
2008, Zelaya negociava um acordo comercial com Havana para importar genéricos
cubanos, com a intenção de reduzir os gastos de funcionamento dos hospitais
públicos de seu país. E, na Cúpula do dia 24 de junho, os presidentes da Alba
se comprometeram a "revisar a doutrina sobre a propriedade industrial", ou
seja, a qualidade de intocável das patentes em matéria de medicamentos. Estes
dois projetos, que ameaçavam diretamente seus interesses, levaram os grupos
farmacêuticos transnacionais a apoiar fortemente movimentos golpistas que
derrubariam Zelaya em 28 de junho daquele mês (6).
Além disso, Barack Obama, desejoso de reformar o
sistema de saúde dos Estados Unidos, que deixa sem cobertura médica 47 milhões
de cidadãos, enfrenta a Irã do complexo farmacêutico-industrial. Aqui, as
quantias em jogo são gigantescas (os gastos com saúde representam o equivalente
a 18% do PIB) e controladas por um vigoroso lobby de interesses privados que
reúne, além das Big Pharma, as grandes companhias de seguro e todo o setor de
clínicas e hospitais privados. Nenhum desses atores quer perder seus opulentos
privilégios. Por isso, apoiando-se nos grandes meios de comunicação mais
conservadores e no Partido Republicano, estão gastando dezenas de milhões de
dólares em campanhas de desinformação e de calúnias contra a necessária reforma
do sistema de saúde.
É uma batalha crucial. E seria dramático ver as
máfias farmacêuticas ganharem. Porque então redobrariam os esforços para
atacar, na Europa e no resto do mundo, o avanço dos medicamentos genéricos e a
esperança de alguns sistemas de saúde menos caros e mais solidários.
IPS/Envolverde
(1) htpp://ec.europa.eu/comm./competition/sectors/pharmaceuticals/inquiry/index.html.
(2) Recordemos que 90% dos gastos da grande indústria farmacêutica para o
desenvolvimento de novos medicamentos estão destinados a "doenças de ricos",
que atingem apenas 10% da população mundial.
(3) Intercontinental Marketing Services (IMS) Health, 19 de março de 2000.
(4) Carlos Machado, "A máfia farmacêutica. Pior o remédio do que a doença", 5
de março de 2007 (www.ecoportal.net/content/view/full/67184).
(5) Léase, Ignácio Ramonet, "Os culpados da gripe suína", Le Monde Diplomatique
em espanhol, junho de 2009.
(6) Observatório Social Centro-Americano, 29 de junho de 2009.
* Ignácio Ramonet é diretor do Le Monde
Diplomatique em espanhol.