Manifesto por uma tristeza empática. Por Mônica Daltro
Brasil, janeiro de 2021, 214.000 mortos.
Enquanto isso, milhares de pessoas seguem lotando praias, shoppings, festas, afirmando não estarem mais aguentando o confinamento, assistimos a morte avançar, sustentada pela cruel e incompetente ação governamental.
Curiosamente, uma morte que exige solidão até nos rituais funerários.
Testemunhamos os efeitos de uma cultura que deixou de investir no coletivo, guiada pelo feroz e destrutivo neoliberalismo, que ao longo da história pornificou o corpo e estimulou o individualismo, a competitividade a meritocracia, a desigualdade social. Dividindo o mundo entre vencedores e fracassados. Com isso, produziu o que o filosofo coreano Byung-Chul Han, chamou de um exército de deprimidos.
Freud, no texto denominado Mal-estar da civilização, nos ensina que para que a civilização exista é necessário a renúncia, há que se privar de algo para que o outro possa também existir, fora disso, nos resta a barbárie .
O que vemos na pandemia é a barbárie?
Já há muito anos estamos, enquanto sociedade nos aproximando dela. Temos legalizados campos de concentração, eles tem formatos diferentes dos nazista, mas com a mesma efetividade são favelas sem lei, presídios sem espaço, escolas públicas sem professores. Temos rios inundados por lama tóxica, pessoas assassinadas por serem pretas, por serem mulher ou pior , só por se sentirem mulher.
Onde estão os vencedores? O que isso significa?
Muitas pessoas não podem ficar em casa porque o Mercado não pode parar, a economia não aguenta… esse deverão ir ao sacrifício, como nas práticas de abete de animais, tão criticada pelos cristãos neopentecostais. Outros tantos apenas não aguentam a renuncia, se afirmam ansiosos, deprimido, incapazes de suportar as demandas do coletivo. Incapazes de usar máscaras, de deixar de ir a festas ou a um jogo de futebol, pelo outro, pela vida.
A mim parece estranho que alguém queira não ficar triste ou ansioso, quando a vida no coletivo e do coletivo se esvai. Sofro de uma tristeza empática, choro pelo ar que falta na Amazonia, no Pará, na porta do hospital, nos leitos do hospital. Entristeço e não temo a depressão por isso, me indigno, me sinto pronta para lutar. Luto.
Como alguém pode achar que não deveria estar ansioso?
Com não se sentir triste?
Porque em vez de indignação vemos crescer o uso de ansiolíticos e antidepressivo, que apenas docilizam seus corpos para que possam dar uma saidinha?
Eu luto entristecendo. Luto com o que tenho. No meu lugar de psicanalista, no meu lugar de professora, na minha possibilidade de escrita. Então resolvi escrever esse manifesto, clamar pela tristeza empática. Precisamos dela, precisamos renunciar ao nosso devorador narcisismo que desconsidera o lugar acolhedor do coletivo. A tristeza mata menos que a alegria medicalizada, é senhora, como nos ensinou o poeta.
Mônica Daltro é Psicanalista e Professora.