Aldeia Nagô
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Memórias Frias e Saias Justas por Antonio Godi

4 - 5 minutos de leituraModo Leitura

O Femadum é uma lição de 10 anos
de história. Lembranças quentes de nós cantadas nos tambores e nas ruas. Uma
nova década começa e nossas memórias cada vez mais frias e injustas. Em números
redondos terminamos 2009 esquecendo os 210 anos do enforcamento e o
esquartejamento carnavalesco dos 4 negros da Revolta dos Búzios (9/11/1799). Nenhum
órgão de informação, mesmo público, lembrou dessa injustiça histórica. Nesse
2010 quando a Revolta dos Malês completa 175 anos entre os dias 24 e 25 o
esquecimento e o descaso parece persistir.






O esforço acadêmico de historiadores
da estirpe de Afonso Ruy, Luís Henrique Dias Tavares e do grande João José Reis
a desvendar a historiografia brasileira bóia nas prateleiras universitárias.
Contribuições poderosas sobre os movimentos de resistência étnico-social e
cultural na Bahia só guardam reverberações populares nas canções dos blocos
afros. Eventos como o Femadum esquentam nossas memórias e disponibilizam fontes
para a aplicação da lei 11.645. Que decreta uma educação voltada para a
lembrança da multiplicidade histórica do que somos. Fora isso só Jorge que é da
"cavalaria". E, milita disfarçado de "Portugal" nos mares televisivos.

Penso que tudo nos leva a uma
reflexão sobre a injustiça histórica no embate étnico e revolucionário. O belo
artigo da historiadora Maísa Paranhos lembrando a dívida do Brasil. Tirou meu
sono abalando de forma justa os sonhos de minha geração. Uma dívida histórica
que atravessa o colonialismo e o escravismo. Colocando na mesa de nossas
reflexões a falta ou a persistência de uma jurisprudência ética do antes e do
agora. A lógica do Plano Nacional de Direitos Humanos que o presidente assinou
no decreto de 21/12/2009. E tantos outros dizem que o mesmo não leu como
deveria. Que tal lermos Emiliano José a desvelar a memória revolucionária
contemporânea? Que tal buscarmos reverenciar nossos Lamarcas que sob o céu de chumbo
desafiaram a hierarquia da caserna? Como ex-militares da coragem de um Araken
Passos Vaz Galvão. Sobrevivente da voraz perseguição da ditadura militar. Hoje,
elegante escritor e militante a iluminar o Conselho Estadual de Cultura da
Bahia com corajosas e responsáveis proposições.

O tempo sempre cobra com juros o
movimento da construção de nossos desejos e  mudanças. Faz com que paguemos altas multas e
culpas que as ações revolucionárias não guardam nem acreditam. Os micos do hoje
que o governo deve à história. Seja no que diz respeito à derrapagem no PNDH.
Ou, em questões outras como ter de dar em 2010 um veredicto sobre a extradição
do Cesare Basttist. Ou abrir democraticamente as caixas negras chumbadas na
hipocrisia da história. Trata-se de saias justas, negras e de abas históricas e
coloridas. Saias de tempos tantos que no aqui e agora nos acusam do esquecimento
dos que deram suas vidas pela humanidade. Zumbi, Herzog, Henfil, Lamarca e os
nossos Mariguelas da vida aniversariando a luta e a morte. Heróis de cores
tantas marcando o esquecimento de nossa história. Caso contrário seria sentenciar
os lançados nos mares e executados em estádios do Chile. Sacrificar mártires insepultos
num Araguaia a ser desvelado. Criminalizar e sentenciar as mães que clamam por
justiça numa praça que está para lá da Argentina.

Cabem reflexões judiciais
diferenciadas no front das ações revolucionárias. Cabe então vestir justas
saias vislumbrando suas bainhas históricas. Saias que não escondam o morticínio
de jovens negros na política policial de Salvador e do Brasil. Saias das
andanças tantas na direção de novas políticas culturais e sociais. Saias e
bordas soltas aos ventos do tempo a rememorar os 40 anos de nós em morte
através de Mariguela. Memória quente e presente numa exposição pouco discutida
e visibilizada. Perplexo com o descaso dos históricos movimentos sociais
baianos. Teço congratulações aos Joãos, Josés e Reis negros e misturados.
Protagonistas de uma escrita histórica diferenciada a alimentar os movimentos
negros contemporâneos. Impossível reverenciar os 175 anos da Revolta Malê sem
as memórias quentes do livro: "A Rebelião Escrava no Brasil" de João José Reis.

Antonio Jorge Victor dos Santos Godi
(Ator, antropólogo,
prof. da UEFS-DCHF-NUC)
antoniojorgegodi@gmail.com

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