Meu Cachorro Atahualpa. Por Urda Klueger
Vi a notícia na Internet: iria haver uma
cãominhada na minha cidade, no domingo de manhã. Para deixar bem claro, é melhor
escrever de novo: cão-minhada, quer dizer, uma caminhada de cachorros. Eu estava
cheia de mensagens eletrônicas para responder, um livro para revisar, além de
outros e outros serviços, mas pensei comigo que o meu cachorrinho não podia
perder aquela oportunidade de conhecer outros cachorros e fazer novos amigos.
Assim, botei o relógio a despertar para acordar a tempo, vesti minha camiseta
nova, botei na bolsa um punhado de ração e um vidro com água fresca, e corri
para o lugar onde aconteceria a cãominhada.
No primeiro momento, Atahualpa não entendeu bem o que se passava: parou
no primeiro cachorro que encontrou e os dois ficaram se cheirando, ambos sem se
darem conta do grande horizonte que se descortinava para eles naquele dia. Tive
que forçar meu filhote para ele ir adiante e ver aquele mundo inacreditável,
onde cachorros de todos os tamanhos e modelos, cada qual com o seu dono, se
preparava para a estupenda cãominhada que aconteceria!
Na escola, fui boa em aritmética, mas ali naquele ondulante e barulhento
mundo canino, perdi completamente o meu senso de contagem, e avaliei que talvez
houvesse ali uns 300 cães – mais tarde saberia, pela imprensa, que eram 590. E
havia cachorros de todos os tipos, alguns tão grandes quanto bezerros,
ostentando soberbas jubas das mais diversas cores, até outros tão pequeninos que
se escondiam dentro de uma mão e iam no colo do seu dono, pois aquele pequeno
trecho onde aconteceria a cãominhada, para aqueles minúsculos, era tão enorme
quanto atravessar o deserto do Atacama.
Para Atahualpa, acostumado a andar comigo seis a oito quilômetros, aquele
trecho não era nada – o problema era que aquela cachorrada toda estava tomada do
maior pasmo: nenhum deles, nem o mais grandão e nem o mais pequenino, nenhum
mesmo, algum dia, havia pensado que poderia haver no mundo tal quantidade de
cachorros! E quando aquele mundo ondulante e colorido se moveu rua afora, puxado
pelos donos, os 590 animais faziam a mesma coisa: todos latiam e se cheiravam, e
uma coisa que me deixou muito impressionada foi a igualdade que existia entre
eles: entre si, todos eram iguais, não importava tamanho, cor, pedrigee, roupas bonitas, pêlo macio ou
pêlo duro, focinho de galgo ou de
vira-lata. Tirando um grandão, com cara de mau, que usava, inclusive, uma
focinheira, e ficava dando ferozes arremetidas contra os outros, aqueles
cachorros todos estavam era se amando muito, e o que mais se via eram rabos
balançando enquanto eles se cheiravam e se amavam aos latidos! De uma certa
forma, aquela cãominhada estava me levando a lembrar de um certo tempo que vivi
em minha vida, chamado Movimento Hippie
Os organizadores da cãominhada haviam pensado em coisas práticas, e de
espaço a espaço, na calçada, havia recipientes plásticos com água, pois o sol
era quente e a cachorrada estava toda tão encalorada e cheia de emoção que quase
todos tinham as línguas para fora, de tanta sede. Não é de se estranhar que os
grandões, com suas longas pernas, em pouco tempo estivessem na linha da frente
da cãominhada e fossem os primeiros a beberem daquela água fresca – bebiam com
tal sofreguidão, fazendo "schlept, schlept, schlept", que a água ficava toda
cheia de bolhas de baba, parecendo água com sabão em pó batido. Ainda bem que a
maioria dos donos dos cachorros pequenos, como eu, se lembrara de levar junto a
água do seu companheirinho.
Em pouco
tempo, na maior barulheira, aquela cãominhada chegou ao fim, e Atahualpa tinha
os olhos tão vidrados de profunda emoção quanto todos os outros, e não tomou um
golinho d’água que fosse, nem um pedacinho de ração. Ainda conversei um
pouquinho, por ali, dando mais um pouco de chance ao meu filhote para viver
aquela manhã encantada, e quando chegamos em casa, era meio dia. Atahualpa
estava totalmente exausto de tanta emoção. Não quis beber, não quis comer, não
quis carinho, não quis nada. Deitou-se na sua caminha e dormiu como um morto o
resto do dia, sem mais forças para qualquer
coisa!
Disseram-me
que em agosto vai ter outro evento igual! Vamos lá, não vamos, Atahualpa?
Blumenau, 04 de junho de 2008.
Urda Alice Klueger
Escritora