Aldeia Nagô
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Microdesencontros por Luiz Gonzaga Belluzzo

3 - 5 minutos de leituraModo Leitura
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Leio em colunas e comentários econômicos exasperadas avaliações que clamam pela elevação do superávit primário. Sem isso, o crescimento da economia está irremediavelmente comprometido.

Em suas habituais diatribes contra os turrões da ortodoxia, Paul Krugman distribui generosas cacetadas nos adeptos da austeridade. O colunista do New York Times e da CartaCapitalquestiona os “austeros” que equiparam o problema da dívida pública aos problemas da dívida de uma família. Se uma família acumulou dívidas demais, deve “apertar os cintos”.

Os governos não devem fazer o mesmo? A resposta de Krugman: uma economia não é uma família endividada. “Nossa dívida (privada) consiste principalmente de dinheiro que devemos uns aos outros. Ainda mais importante, nossa renda provém principalmente de vender coisas uns aos outros. Seu gasto é minha renda e meu gasto é sua renda. Assim, o que acontece se todo mundo reduzir gastos simultaneamente a fim de reduzir suas dívidas? Resposta: a renda cai.”

Quando se trata de cuidar do funcionamento da economia como um todo, ou seja, de questões ditas macroeconômicas, os vícios do senso comum e da microcefalia individualista levam a recomendações suicidas de política econômica, como as oferecidas por Angela Merkel & Cia. para a desditada Europa.

As trapalhadas começam com a definição da chamada macroeconomia como “a economia dos agregados”. Nessa visão apologética, a “agregação” dos comportamentos individuais racionais, a soma das partes determina o resultado para o conjunto da economia. Não por acaso, os economistas da corrente principal se empenham com denodo na descoberta dos fundamentos microeconômicos da macroeconomia, assim como os alquimistas buscavam a pedra filosofal. Essa proeza intelectual pretende convencer os incautos de que o movimento do “macro” é resultado da agregação das decisões no âmbito “micro”.

Keynes, o fundador da macroeconomia, escreve nos manuscritos preparatórios da Teoria Geral de 1933 que a Economia Monetária da Produção funciona segundo um “circuito sistêmico” que começa com dinheiro para contratar trabalhadores e meios de produção, terminando com a venda das mercadorias produzidas por dinheiro. Dinheiro-Mercadoria-Mais Dinheiro, segundo Keynes, é o circuito da Economia Empresarial, conceito que ele utiliza para se desvencilhar das armadilhas lógicas que infestam a ortodoxia. Isso tem um triplo sentido: 1. A propriedade das empresas e o acesso ao crédito conferem à classe empresarial a prerrogativa de gastar acima de sua renda (lucros) corrente. 2. As decisões de gasto na produção corrente e na formação de nova capacidade (investimento) criam a renda nominal da economia como um todo, mediante o pagamento dos salários e geração de lucros sob a forma monetária. 3. A “criação” da renda e do lucro sustenta os gastos de consumo e de poupanças das famílias. As poupanças encarnam-se em reinvindicações genéricas à riqueza e à renda futura. Constituem a massa de ativos financeiros gerados pelo rastro de dívidas e pelos direitos de propriedade que “financiaram” o dispêndio de investimento e de consumo.

Contemporaneamente a Keynes, o economista polonês Michael Kalecki valeu-se dos esquemas de reprodução de Marx para formular o princípio da demanda efetiva. Kalecki investiga as condições de reprodução da economia composta de três macrodepartamentos: bens de consumo dos trabalhadores, bens de produção e bens de consumo dos capitalistas.

Assim, ao comentar a equação “Lucros brutos = Investimento bruto + Consumo dos capitalistas”, Kalecki pergunta-se sobre o seu sentido: “Significa ela, por acaso, que os lucros, em um dado período, determinam o consumo e o investimento dos capitalistas, ou o inverso, disso? A resposta a essa questão depende de se determinar qual desses itens está sujeito diretamente às decisões dos capitalistas. Fica claro, pois, que os capitalistas podem decidir consumir e investir mais em um dado período do que no precedente. Mas eles não podem decidir ganhar mais. São, portanto, suas decisões de investi­mento e consumo que determinam os lucros e não vice-versa”.

As análises de Keynes e de Kalecki podem ser aplicadas às decisões de gasto do governo. As autoridades podem decidir gastar mais ou menos, mas não podem determinar o resultado fiscal. Déficits ou superávits vão depender da resposta do setor privado ao estímulo do gasto público. Se o governo corta o gasto em uma conjuntura de desalavancagem do setor privado – empresas e famílias –, a queda da renda “agregada” vai inexoravelmente levar a uma trajetória perversa dos déficits e das dívidas públicas e privadas, com efeitos indesejáveis sobre os bancos financiadores. Essas são as lições da crise europeia.

Artigo publicado originalmente em http://www.cartacapital.com.br/revista/825/microdesencontros-7048.html

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