Mídia: Estamos perdendo a guerra da informação por Alexander Cockburn
No dia 2 de março, diante de um comitê de Política Externa do
Congresso, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, disse que o
país está perdendo a "guerra da informação". "A Al Jazeera está
ganhando", resumiu.
Muito citados nos últimos meses, Wikileaks, Twitter
e Facebook tornam-se quase insignificantes em comparação com o papel
exercido pela Al Jazeera no Oriente Médio. A Al Jazeera em inglês está
fora da programação de tvs a cabo nos EUA, com exceção dos que estão em
Toledo, Ohio; Burlington, Vermont e Washington DC. Isso não impede, é
claro, que tanto Obama como a senhora Clinton critiquem a censura no
Irã.
Nem mais nem menos do que a própria secretária de
Estado dos EUA rendeu um incômodo tributo a Al Jazeera no dia 2 de
março. Diante de um comitê de Prioridades da Política Externa dos EUA, o
senador Richard Lugar pediu a Hillary Clinton que apresentasse seus
pontos de vista sobre em que medida o país está promovendo sua mensagem
em todo o mundo. Clinton disse de imediato que os EUA estão envolvidos
em uma guerra da informação e estão perdendo. "A Al Jazeera está ganhando", acrescentou.
"Falemos francamente em termos de realpolitik", prosseguiu a secretária
de Estado. "Estamos em uma imensa competição por influência global e
mercados globais. China e Rússia lançaram redes de televisão funcionando
em várias línguas, quando os EUA faz cortes nesta área. "Estamos
pagando por um preço elevado por desmantelar redes de comunicação
internacional depois do fim da Guerra Fria. Nossos meios privados não
podem preencher essa brecha".
Como temos assinalado durante a última quinzena, há uma florescente
pequena indústria da internet que afirma que a derrubada de Mubarak
ocorreu por cortesia do comando Twitter-Facebook dos EUA. O New York
Times publicou numerosos artigos sobre o papel do Twitter e do Facebook
enquanto ignora ou vilipendia ao mesmo tempo Julian Assange e
Wikileaks. Por certo, em qualquer discussão sobre o papel da internet
na convocação dos levantes no Oriente Médio, deveria se dar o maior
crédito ao Wikileaks. Mas Wikileaks, junto com Twitter e Facebook,
tornam-se quase insignificantes em comparação com o papel exercido pela
Al Jazeera.
Milhões de árabes não podem tuitar e não estão familiarizados com o
Facebook. Mas a maioria vê televisão, o que significa que todos
assistem à Al Jazeera, a qual detonou o "artefato explosivo
improvisado" que estourou sob a Autoridade Palestina, a saber, o
conjunto de documentos conhecidos como Palestine Papers.
Houve imensas ironias na confissão de Clinton diante do senador Lugar e
seus colegas. Ao final dos anos setenta, os radicais nas Nações Unidas
promoveram com entusiasmo a necessidade de uma "Nova Ordem Mundial da
Informação" (NWIO, em sua sigla em inglês) para se contrapor ao
controle sobre as comunicações mundiais da propaganda por parte dos
países ricos, EUA à frente.
Ronald Reagan, em sua campanha para a presidência ao final dos anos
setenta, denunciava quase que diariamente a visão da NWIO, fazendo-a
parecer como um braço particularmente sinistro da conspiração comunista
internacional. Sob este ataque, as Nações Unidas abandonaram o NWIO e
se dedicaram ao negócio do Aquecimento Global, investindo fortemente no
Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática
(IPCC) como meio de restaurar o peso da ONU em todo o mundo. No que diz
respeito à informação, o mundo sintonizou a CNN de Ted Turner, fundada
em 1980, que se converteu precisamente no veículo de propaganda em
escala global contra o qual os países do Terceiro Mundo tinham se
queixado nas Nações Unidas.
E então aparece o emir do Qatar, o xeique Hamad bin Khalifa, patrono
fundador e financiador da Al Jazeera, em 1996. O colaborador de
CounterPunch, Afshin Rattansi, ex-BBC, foi o primeiro jornalista em
idioma inglês que trabalhou na rede de televisão. Foi um momento de
grande importância na história do Oriente Médio. Seu poder foi
reconhecido tacitamente há algum tempo pelo governo dos EUA que
pressionou as empresas de tv a cabo dos EUA para que não transmitissem
suas emissões.
Nos primeiros dias da rebelião no Egito, os telespectadores nos EUA
tiveram a experiência algo surrealista de ver a Al Jazeera, transmitida
em um dos monitores da sala de Obama, ainda que a Al Jazeera em inglês
esteja suprimida para os usuários de tv a cabo nos EUA, com exceção
dos que estão em Toledo, Ohio; Burlington, Vermont e Washington DC.
(Isso não impediu que tanto Obama como a senhora Clinton criticassem a
censura no Irã).
Pobre senhora Clinton. Ela imagina uma vasta rede imperial de
comunicações que dissemine propaganda sofisticada ao estilo
estadunidense. Insinua que deveria ser financiada com fundos públicos,
uma versão reforçada da "Voz da América" que seguia com devoção o
público por trás da Cortina de Ferro há meio século. O modelo de
propaganda é o "Poderoso Wurlitzer", como chamavam o aparato de
propaganda comandado por Frank Wisner, da CIA.
Mas o mundo seguiu adiante. Basta olhar a televisão estadunidense
durante dez minutos para concluir que os comunicadores dos EUA já não
têm os recursos intelectuais nem a capacidade política para montar uma
propaganda exitosa bem informada. O Canal Fox é para idiotas em casa.
Além disso, o que poderiam alardear os propagandistas subvencionados
pelo Estado? Os ataques dos drones Predator (aviões não tripulados) no
Afeganistão? Guantánamo? Trinta milhões de pessoas com trabalho precário
ou desempregadas nos EUA? Os EUA já não são o que eram quando a taxa
de crescimento econômico estava em alta e o capitalismo parecia capaz
de cumprir suas promessas.
O 2 de março foi um dia muito atarefado. O Exército dos EUA apresentou
22 novas acusações contra o soldado Bradley Manning, suspeito de passar
informação confidencial para Wikileaks. As acusações incluem "ajuda ao
inimigo", um delito capital. Essas acusações coincidiram com o pedido
de desculpas do general Petraeus, também no 2 de março, ao dirigente
títere afegão Karzai pelas mortes, por fogo de metralhadoras dos
helicópteros Apache, de 9 crianças que recolhiam lenha em uma área
montanhosa do oeste do Afeganistão. Uma décima criança ficou ferida. O
general disse que sentia muito e que "lamentavelmente parece ter
ocorrido um erro entre a informação sobre a localização de insurgentes e
o envio dos helicópteros de ataque que realizaram as operações
subsequentes".
Entre o material entregue a Wikileaks – e que integra a acusação contra
Manning – estão as sequências de ataques de helicópteros Apache em
Bagdá. A internet ficou petrificada quando no dia 5 de abril de 2010,
Wikileaks apresentou no Youtube um vídeo de 38 minutos e uma versão
editada de 17 minutos, realizado do interior de um helicóptero Apache
do Exército dos EUA, que disparou contra um grupo de iraquianos em
Bagdá, na esquina de uma rua, em julho de 2007. Morreram doze civis,
incluindo um fotógrafo da Reuters, Namir Noor-Eldeen, de 22 anos, e um
motorista da Reuters, Saeed Chmagh, de 40 anos.
Dois mortíferos ataques de helicópteros, dois resultados diferentes
para os que os divulgaram. Petraeus recebeu um tapinha nas costas por
seu rápido esforço de controle de danos. Manning enfrenta acusações que
podem levar à pena de morte.
Um de meus vizinhos, aqui em Petrolia, é o doutor Dick Scheinman, que escreveu o seguinte para a sua lista de email’s:
"Recentemente li um artigo horripilante no New York Times sobre o
Afeganistão e não pude deixar de escrever a meus representantes. Talvez
vocês possam fazer o mesmo. Nos dias próximos à data de pagamento das
nossas contribuições, a resistência ao pagamento de impostos é uma
opção. Queria chamar a atenção de vocês sobre um artigo de 2 de março
do New York Times intitulado "Nove crianças afegãs que buscavam lenha
assassinados por helicópteros da OTAN".
"Eu vivo com meu neto de 12 anos e, para ganharmos a vida, entre outras
coisas, recolhemos e vendemos lenha. Nathan recebe 25 dólares para
carregar e descarregar um punhado de lenha de nosso caminhão. Quando li
esse artigo não pude deixar de pensar na pura sorte que converteu
Nathan em um saudável menino estadunidense que pode recolher lenha e
ganhar dinheiro, em lugar de ser um pobre menino afegão cuja vida foi
destruída por homens (mulheres?) da OTAN (estadunidenses?) em um
helicóptero a milhares de quilômetros de suas casas. Meu coração está
repleto de amargura".
"David Petraeus pediu desculpas. Talvez tenha filhos e netos. Talvez
devesse enviar seus filhos ao Afeganistão para que recolham lenha para
as irmãs destes meninos durante o resto de suas vidas com o fim de
expiar esse indignante assassinato a sangue fio ("mataram os meninos um
depois do outro"). Talvez os homens do helicóptero devessem fazer o
mesmo. Talvez as duas filhas de Barack Obama pudessem ajudar. Talvez
devessem vestir alguns trapos, beijar seus pés e pedir perdão. Mas o
mínimo, o mínimo que vocês poderiam fazer é não votar nunca, jamais,
que haja mais dinheiro para continuar esta guerra".
Como disse, não é muito difícil compreender por que os EUA está perdendo a guerra da propaganda.
(*) Alexander Cockburn escreve sobre temas de segurança nacional e
outros relacionados. Seu livro mais recente é: "Rumsfeld: His Rise,
Fall and Catastrophic Legacy". É co-produtor de "American Casino", o
documentário longa metragem sobre o atual colapso financeiro. Contato:
amcockburn@gmail.com.
Fonte: http://www.counterpunch.org/cockburn03042011.html
Tradução: Katarina Peixoto
Publicado no Brasil pelo site Carta Maior