Aldeia Nagô
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Miséria na cultura: decepção e depressão por Leonardo Boff

4 - 6 minutos de leituraModo Leitura

Em 1930 Sigmund Freud escreveu seu famoso livro "O mal-estar na cultura"e já na primeira linha denunciava: "no lugar dos valores da vida se preferiu o poder, o sucesso e a riqueza, buscados por si mesmos". Hoje tais fatores ganharam tal magnitude que o mal-estar se transformou em miséria na cultura. A COP-15 em Copenhague trouxe a mais cabal demonstração: para salvar o sistema do lucro e dos interesses econômicos nacionais não se teme pôr em risco o futuro da vida e do equilíbrio do planeta já sob o aquecimento que, se não for rapidamente enfrentado, poderá dizimar milhões de pessoas e liquidar grande parte da biodiversidade.


A miséria na cultura, melhor, miséria da
cultura se revela por dois sintomas verificáveis mundo afora: pela generalizada
decepção na sociedade e por uma profunda depressão nas pessoas. Elas têm razão
de ser. São conseqüência da crise de fé pela qual está passando o sistema
mundial. De que fé se trata? A fé no progresso ilimitado, na onipotência da
tecno-ciência, no sistema econômico-financeiro com seu mercado como eixos
estruturadores da sociedade. A fé nesses deuses possuía seus credos, seus
sumos-sacerdotes, seus profetas, um exército de acólitos e uma massa
inimaginável de fiéis.

Hoje os fiéis entraram em profunda decepção
porque tais deuses se revelaram falsos. Agora estão agonizando ou simplesmente
morreram. Os G-20 em vão procuram ressuscitar seus cadáveres. Os professantes
desta religião de fetiche, agora constatam: o progresso ilimitado devastou
perigosamente a natureza e é a principal causa do aquecimento global; a
tecnociência que, por um lado tantos benefícios trouxe, criou uma máquina de
morte que só no século XX matou 200 milhões de pessoas e hoje é  capaz de
erradicar toda a espécie humana; o sistema-econômico-financeiro e o mercado
foram à falência e se não fosse o dinheiro dos contribuintes, via Estado,
 teriam provocado uma catástrofe social. A decepção está estampada nos rostos
perplexos dos lideres políticos, por não  saberem mais em quem crer e que novos
deuses entronizar. Vigora uma espécie de nhilismo doce.

Já Max Weber e
Friedrich Nietszche haviam previsto tais efeitos ao anunciarem a secularização e
a morte de Deus. Não que Deus tenha morrido, pois um Deus que morre não é
"Deus". Nietszche é claro: Deus não morreu, nós o matamos. Quer dizer, Deus para
a sociedade secularizada não conta mais para a vida nem para coesão social. Em
seu lugar entrou um panteão de deuses, referidos acima. Como são ídolos, um dia,
 vão mostrar o que produzem: decepção e morte.
 
A solução não reside
simplesmente na volta a  Deus ou à religião. Mas em resgatar o que eles
significam: a conexão com o todo, a percepção de que o centro deve ser ocupado
pela vida e não pelo lucro e a afirmação de valores compartidos que podem
conferir coesão à sociedade.
 A decepção vem acolitada pela depressão. Esta
é um fruto tardio da revolução dos jovens dos anos 60 do século XX. Ai se
tratava de impugnar uma sociedade de repressão, especialmente sexual e cheia de
máscaras sociais. Impunha-se uma liberalização generalizada. Experimentou-se de
tudo. O lema era: "viver sem tempos mortos; gozar a vida sem entraves". Isso
levou a supressão de qualquer intervalo entre o desejo e sua realização. Tudo
tinha que ser na hora e rápido.
 
Disso resultou a quebra de todos os
tabus, a perda da justa-medida e a completa permissividade. Surgiu uma nova
opressão: o ter que ser moderno, rebelde, sexy e o ter que desnudar-se por
dentro e por fora. O maior castigo é o envelhecimento. Projetou-se a saúde
total, padrões de beleza magra até a anorrexia. Baniu-se a morte, feita
espantalho.

Tal projeto, pós-moderno,
também fracassou, pois não se pode fazer qualquer coisa com a vida. Ela possui
uma sacralidade intrínseca e limites. Uma vez rompidos, instaura-se a depressão.
Decepção e frustração são receitas para a violência sem objeto, para o consumo
elevado de ansiolíticos e até para o suicídio, como vem ocorrendo em muitos
países.
 
Para onde vamos? Ninguém sabe. Somente sabemos que temos que
mudar se quisermos continuar. Mas já se notam por todos os cantos, emergências
que representam os valores perenes da "condição humana". Precisa-se fazer o
certo: o casamento com amor, o sexo com afeto, o cuidado para com a natureza, o
ganha-ganha em vez do ganha-perde, a busca do "bem viver", base para a
felicidade que hoje é fruto da simplicidade voluntária e de querer ter menos
para ser mais.
 
Isso é esperançador. Nessa direção há que se
progressar.
 
Leonardo Boff é autor de
Virtudes para um outro mundo possível (3 vol.) Vozes 2008.

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