Aldeia Nagô
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Modo diferente de falar do amor por Leonardo Boff

4 - 6 minutos de leituraModo Leitura

Frequentemente sou convidado para falar sobre o amor. Sinto certo
constrangimento porque esta palavra – amor – é uma das mais desgastadas de nossa
linguagem. E como fenômeno inter-pessoal, um dos mais desmoralizados.  Para não
repetir aquilo que todo mundo já sabe e ouve, costumo fazer uma abordagem
inspirado num dos maiores biólogos contemporâneos: o chileno Humberto Maturana.
Em suas reflexões o  amor é contemplado como um fenômeno cósmico e biológico.
Expliquemos o que ele quer dizer: o amor se dá dentro do dinamismo da própria
evolução desde as suas manifestações mais primárias, de bilhões e bilhões  de
anos atrás, até as mais complexas no nível humano. Vejamos como  o amor entra no
universo.


 No universo se verificam dois tipos de acoplamentos (encaixes)
dos seres com seu meio, um necessário e outro espontâneo. O primeiro, o
necessário, faz com que todos os seres estejam  interconectados uns aos outros e
acoplados aos respectivos  ecosistemas para assegurar  sua  sobrevivência. Mas
há um outro acoplamento que se realiza espontaneamente. Os topquarks, a primeira
densificação da energia em matéria, interagem  sem razões de sobrevivência, por
puro prazer, no fluir de seu viver. Trata-se de encaixes dinâmicos e recíprocos
entre todos os seres, não vivos e vivos. Não há justificativas para isso.
Acontecem porque acontecem. É um evento original da existência em sua pura
gratuidade. É como a flor que floresce por florescer.

 Quando um se
relaciona com o outro (digamos dois prótons) e assim se cria um campo de
relação, surge o amor como fenômeno cósmico. Ele tende a se expandir e a ganhar
formas cada vez mais inter-retro-relacionadas nos seres vivos, especialmente nos
humanos. No nosso nível  é mais que simplesmente espontâneo como nos demais
seres; é feito projeto da liberdade que acolhe conscientemente o outro e cria o
amor como o mais alto valor da vida.

 Nessa deriva, surge o amor
ampliado que é a socialização. O amor-relação é o fundamento do fenômeno social
e não sua consequência. Em outras palavras: é o amor-relação que dá origem à
sociedade; esta existe porque existe o amor e não ao contrário, como
convencionalmente se acredita. Se falta o amor-relação (o fundamento) se destrói
o social.  Sem o amor o social ganha a forma de agregação forçada, de dominação
e de violência, todos sendo obrigados a se encaixar. Por isso sempre que se
destrói o encaixe e a congruência entre os seres, se destrói o amor-relação e
 com isso, a sociabilidade. O amor-relação é sempre uma abertura ao outro e uma
con-vivência e co-munhão com o outro.

 Não foi a luta pela sobrevivência
do mais forte que garantiu a persistência da vida e dos indivíduos até os dias
atuais. Mas a cooperação e o amor-relação entre eles. Os ancestrais hominídios
passaram a ser humanos na medida em que mais e mais partilhavam entre si  os
resultados da coleta e da caça e compartilhavam seus afetos. A própria linguagem
que caracteriza o ser humano surgiu  no interior deste dinamismo de amor-relação
e de partilha.

 A competição, enfatiza Maturana, é anti-social,  hoje e
outrora, porque implica a negação do outro, a recusa da partilha e do amor. A
sociedade moderna neoliberal e de mercado se assenta sobre a competição. Por
isso é excludente, inumana e  faz  tantas vítimas como a atual crise revelou.
Ela não traz felicidade porque não se rege pelo amor-relação. A atual crise se
originou, em parte, pela excessiva competição e pela falta de cooperação. Vale
uma sociedade com mercado mas não só de mercado.

 Como se
caracteriza o amor humano? Responde Maturana: "o que é especialmente humano no
amor não é o amor, mas o que fazemos com o amor enquanto humanos; é a nossa
maneira particular de viver juntos como seres sociais  na linguagem; sem amor
nós não somos seres sociais".

 Como se depreende, o amor é um fenômeno
cósmico e biológico. Ao chegar ao patamar humano ele se revela como um projeto
da liberdade, como uma grande força de união, de mutua entrega e de
solidariedade. As pessoas se unem e recriam pela linguagem amorosa, o sentimento
de benquerença e de pertença a um mesmo destino.

 Sem o cuidado
essencial, o encaixe do amor-relação não ocorre, não se conserva, não se expande
 nem permite a consorciação entre os demais seres. Sem o cuidado não há
atmosfera que propicie o florescimento daquilo que verdadeiramente humaniza: o
sentimento profundo, a vontade de partilha e a busca  do amor. Estimo que falar
assim do amor faz sentido porque nos faz mais humanos.

Leonardo Boff é
autor de Graça e experiência humana, Vozes.

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