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Moro e o auxílio-moradia: se é salário, tem de obedecer teto e pagar imposto. Por Kennedy Alencar

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Apesar de ruim, a justificativa do juiz federal Sergio Moro para receber o auxílio-moradia não é hipócrita. Ajuda a tirar a discussão do campo da moralidade e levá-la para o da legalidade.

Na sexta, ao admitir que o auxílio-moradia era um complemento salarial em função de reajustes que não ocorreram, Moro reforçou o argumento de que o benefício serve para burlar o teto constitucional.

Se é salário, tem de estar dentro do teto. Se é salário, tem de pagar imposto de renda. Se não está dentro do teto nem há desconto de imposto de renda, ocorre uma flagrante ilegalidade.

No fundo, a liminar do ministro Luiz Fux, concedida há quase 4 anos, não legalizou nada. Apenas deu um jeito de ferir a norma constitucional e criar uma farra no Judiciário com aval do Supremo Tribunal Federal, que se omitiu e empurrou a questão para debaixo do tapete.

O juiz federal Marcelo Bretas e o procurador da República Deltan Dallagnol costumam dizer que o dinheiro da corrupção deixou de ir para a saúde, aumentando as mortes em hospitais que convivem com a crônica falta de verbas. Dá para dizer que o dinheiro do auxílio-moradia pago indevidamente a magistrados e procuradores também deixou de ir para a saúde e que a sua falta contribuiu para matar gente.

A declaração de Moro tem o aspecto positivo de acabar com essa justificativa vergonhosa de juízes federais e procuradores de que há uma campanha para acabar com o auxílio-moradia porque eles estão combatendo a corrupção. Estão, sim, defendendo um privilégio, uma mordomia.

Pior: na intepretação da lei penal feita por Moro, Bretas e Dallagnol, seria possível considerar o pagamento dessa mordomia como uma forma de corrupção, porque o auxílio-moradia seria um complemento salarial disfarçado a fim de ultrapassar o teto constitucional de R$ 33,7 mil, com o agravante de não recolher imposto de renda. Nessa condição, o recebimento do auxílio-moradia para compensar a falta de reajustes salariais poderia ser evidência ou indício de um crime de peculato, no qual um funcionário se apropria de um valor ou bem móvel, público ou privado, em razão do cargo, conforme está tipificado no Código Penal.

No debate sobre o auxílio-moradia, magistrados e juízes estabeleceram um critério ético elástico para benefício próprio que não aplicam em relação aos acusados e réus que processam e julgam. A omissão e o corporativismo do Supremo são parte do problema.

Na semana passada, a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, disse: “A nós, servidores públicos, o acatamento irrestrito à lei impõe-se como deve acimar de qualquer outro”. Já passou da hora de o Supremo analisar essa questão e impor, no caso, o cumprimento do teto constitucional.

Há previsão de que o tribunal julgue no próximo mês a liminar de Fux. O Supremo deveria determinar a devolução dos valores recebidos indevidamente ou, no mínimo, o recolhimento de impostos que não foram pagos desde a farra criada pela decisão provisória do ministro do STF. A Receita Federal, por exemplo, deveria cobrar o que foi sonegado. Afinal, a lei é para todos. Ou não?

Artigo publicado originalmenteno  blog do jornalista Kennedy Alencar

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