Não verás Lula nenhum por Leandro Fortes
Em linhas gerais, Luís Fernando Veríssimo disse, em artigo recente, que as
gerações futuras de historiadores terão enorme dificuldade para compreender a
razão de, no presente que se apresenta, um presidente da República tão popular
como Luiz Inácio Lula da Silva ser alvo de uma campanha permanente de oposição e
desconstrução por parte da mídia brasileira. Em suma, Veríssimo colocou em
perspectiva histórica uma questão que, distante no tempo, contará com a vantagem
de poder ser discutida a frio, mas nem por isso deixará de ser, talvez, o ponto
de análise mais intrigante da vida política do Brasil da primeira década do
século XXI.
A reação da velha mídia nativa ao acordo nuclear do Irã, costurado pelas
diplomacias brasileira e turca chega a ser cômica, mas revela, antes de tudo, o
despreparo da classe dirigente brasileira em interpretar a força histórica do
momento e suas conseqüências para a consolidação daquilo que se anuncia,
finalmente, como civilização brasileira. O claro ressentimento da velha guarda
midiática com o sucesso de Lula e do ministro Celso Amorim, das Relações
Exteriores, deixou de ser um fenômeno de ocasião, até então norteado por opções
ideológicas, para descambar na inveja pura, quando não naquilo que sempre foi:
um ódio de classe cada vez menos disfarçado, fruto de uma incompreensão
histórica que só pode ser justificada pelo distanciamento dos donos da mídia em
relação ao mundo real, e da disponibilidade quase infinita de seus jornalistas
para fazer, literalmente, qualquer trabalho que lhe mandarem os chefes e
patrões, na vã esperança de um dia ser igual a eles.
Assim, enquanto a imprensa mundial se dedica a decodificar as engrenagens e
circunstâncias que fizeram de Lula o mais importante líder mundial desse final
de década, a imprensa brasileira se debate em como destituí-lo de toda glória,
de reduzí-lo a um analfabeto funcional premiado pela sorte, a um manipulador de
massas movido por programas de bolsas e incentivos, a um demagogo de fala mansa
que esconde pretensões autoritárias disfarçadas, aqui e ali, de boas intenções
populares. Tenta, portanto, converter a verdade atual em mentiras de registro,
a apagar a memória nacional sobre o presidente, como se fosse possível enganar o
futuro com notícias de jornal.
Destituídos de poder e credibilidade, os barões dessa mídia decadente e anciã
se lançaram nessa missão suicida quando poderiam, simplesmente, ter se dedicado
a fazer bom jornalismo, crítico e construtivo. Têm dinheiro e pessoal
qualificado para tal. Ao invés disso, dedicaram-se a escrever para si mesmos, a
se retroalimentar de preconceitos e maledicências, a pintarem o mundo a partir
da imagem projetada pela classe média brasileira, uma gente quase que
integralmente iletrada e apavorada, um exército de reginas duartes prestes a ter
um ataque de nervos toda vez que um negro é admitido na universidade por meio de
uma cota racial.
Ainda assim, paradoxalmente, uma massa beneficiada pelo crescimento
econômico, mas escrava da própria indigência
intelectual.
Artigo publicado originalmente
em http://brasiliaeuvi.wordpress.com/