Aldeia Nagô
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Narcisismo de homens e mulheres Por Contardo Calligaris

4 - 5 minutos de leituraModo Leitura

O homem vive um narcisismo valentão; a mulher questiona: "Será que gostam
de mim?"


NA COLUNA da quinta retrasada, "O Trauma do Amor", escrevi o seguinte: "Mesmo
quando a iniciativa da separação foi da própria mulher (ou compartilhada por
ela) e não houve "infidelidade" do lado do homem, as mulheres tendem a viver a
separação como uma traição, como uma crueldade que lhes foi feita, uma
sacanagem".

Acrescentei que deixaria para outra vez a explicação dessa
especificidade feminina. Respondendo aos pedidos de vários leitores e leitoras,
aqui vai UMA explicação.

Muitas culturas (não só a nossa) preferem que, no
início do jogo amoroso, os homens façam o primeiro passo. Ultimamente, o recato
deixou de ser uma qualidade feminina essencial: uma mulher que se arrisque a ser
a primeira a mostrar seu interesse não é mais uma atrevida (ou pior). Mas o
hábito permanece: "Que os homens se manifestem, e as mulheres aceitem ou
rejeitem".

Há, nesse costume antigo, uma certa sabedoria, pois, para os
homens, em geral, é mais fácil lidar com uma negativa. Raramente a recusa os
leva a uma dúvida radical sobre eles mesmos. Muito antes de perguntar-se "Será
que não sou aquela maravilha toda que minha mãe e minhas tias diziam que eu era
(e, se não disseram, deveriam ter dito)?", os homens conseguem inculpar detalhes
contingentes ("Hoje, excepcionalmente, o desodorante me largou") e, sobretudo,
acusam a própria mulher que os recusou: se ela não quis, é porque é "uma puta".
Paradoxal, não é?

Pois é, mas o paradoxo é revelador. Para o homem, como era
de esperar, a única que não seja "puta" é a mãe, que, supostamente, gostava e
gosta só dele.
As outras, que não se extasiam diante de seus vagidos, são
"putas" porque podem lhe preferir terceiros quaisquer. Por sorte (de todos nós),
essa "segurança" narcisista do homem tem uma pequena falha: a própria mãe, por
mais que se extasiasse com ele, fechava-se no quarto com o pai, de vez em quando
(para o menino, aliás, não é um bom negócio que a mãe se esqueça de ser mulher).

Seja como for, o narcisismo masculino não se deixa abalar por uma recusa. A
convicção de ter sido objeto exclusivo e insubstituível do amor materno é um
recurso (quase) seguro: "Pouco importa que as outras não gostem de mim, pois a
única que importa gostava e gosta".

Para a maioria das mulheres, acontece o
contrário. Uma recusa e uma negativa valem como uma espécie de confirmação do
que era suspeitado por elas desde sempre: "Não agrado e nunca fui
verdadeiramente amada".

Hoje, depois de décadas de um lento processo de
mudança cultural em que o feminino foi valorizado, afirma-se que o amor de mãe é
o mesmo para menino ou menina. Mas a "Escolha de Sofia" (o romance, note-se, foi
escrito por um homem) seria, provavelmente, a mesma: acuada, tendo que escolher
entre o filho e a filha, Sofia ainda salvaria o menino.

O sentimento de que
um filho satisfaz a mãe mais do que uma filha continua na cultura, solidamente.

Quer seja pela ilusão de que o filho homem não sumirá pelo mundo afora, mas,
por eternizar o sobrenome, ele ficará na tribo (perto da mãe).

Quer seja
pela sensação de completude que talvez acompanhe a constatação materna de ter
conseguido dar à luz um ser tão diferente dela, um ser do outro sexo.

A
conseqüência dessa disparidade do amor materno é a tragicomédia cotidiana, em
que uma mulher, mesmo em seu melhor dia, precisa perguntar a seu companheiro se
ele a acha bonita. E um homem, deformado por churrascos e cerveja, julga-se
irresistível.

Em suma, homens e mulheres, em geral, padecem de narcisismos
diferentes: o homem é blindado por uma segurança eficiente e um pouco obtusa, e
a mulher é constantemente exposta ao risco de um dúvida radical sobre o amor que
ela recebe.

O discurso comum pensa que a mulher, mais cuidadosa com sua
aparência, seja "mais narcisista" do que o homem.

Não é nada disso: o homem
vive um narcisismo valentão, enquanto a mulher não pára de questionar: "Será que
gostam de mim?". Corolário: a mulher, por isso mesmo, é melhor psicóloga do que
o homem -mais perspicaz na leitura das palavras e dos gestos dos outros.

Conclusão: a rejeição, para uma mulher, é uma experiência que coloca em
perigo sua precária certeza de ser aceita no mundo, é uma experiência que abala
seu ser, que a fere além da conta. Inclusive além da conta possível de perdas e
danos numa separação.

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