Natureza e Justa Medida por Leonardo Boff
Por natureza entendemos o conjunto dos seres orgânicos e inorgânicos, os campos energéticos e morfogenéticos que existem como sub-sistemas de outros sistemas maiores, sejam ou não afetados pela intervenção humana, constituindo um todo orgânico, com um equilíbrio dinâmico. O ser humano é parte da natureza e co-pilota o processo de evolução junto com as forças diretivas da Terra.
A natureza é uma realidade tão complexa que não pode ser encerrada em
nenhuma definição. Ela permanece um mistério, como mistério é o ser e o nada. O
que possuimos são discursos culturais sobre a natureza: das culturas ancestrais,
das modernas e das várias ciências. Em nome de cada compreensão, decide-se qual
é o nosso lugar nela e que tipo de intervenção é adequada ou
não.
Quando contemplamos a natureza salta logo aos olhos uma medida
imanente a ela que resulta não das partes tomadas isoladamente, mas do todo
orgânico e vivo. Há harmonia e equilíbrio. Ela não é biocentrada como se a vida
fosse tudo, mas no equilíbrio dinâmico entre vida e morte.
Para os
contemporâneos a natureza resulta de um imenso processo de evolução que vai além
do modelo de Charles Darwin (1809-1882) que fundamentalmente a restringia à
biosfera sem incluir o cosmos. Tudo começou com o big bang num processo
não linear que conhece saltos, flutuações e bifurcações. Não só se expande mas
cria e organiza possibilidades novas. Significa que as leis naturais não possuem
caráter determinístico mas probabilístico.
Os conhecimentos da
termodinânica nos sinalizam que a vida e qualquer novidade no universo surge a
partir de certa ruptura do equilíbrio. Essa quebra da medida é só um momento,
pois provoca em seguida a auto-organização que cria um novo equilíbrio dinâmico.
É dinâmico porque continuamente se refaz, não pela reprodução do equilíbrio
anterior, mas pela criação de um novo. A lógica da natureza em evolução é esta:
organização-desorganização-interação-nova organização. E assim
suscessivamente.
Isso não significa que a natureza não possua uma
medida (leis da natureza); o que ela não possui, é uma medida estática e
mecânica, mas dinâmica e flutuante, caracterizada por constâncias e variações.
Há fases de ruptura para logo em seguida gestar nova regularidade. O clima da
Terra por exemplo, bilhões de anos atrás, passou por turbulências e terríveis
devastações. A Terra já foi quase duas vezes mais quente que hoje, mas apesar
disso, mostrou ao longo das eras um incrível equilíbrio dinâmico que tem
favorecido benevolamente a vida em sua diversidade.
A natureza vista
como um todo não impõe prescrições. Aponta para tendências e regularidades que
podem ir em várias direções. Cabe ao ser humano, auscultando a natureza e com
fina percepção, escolher uma que lhe pareça mais adequada. Então ele surge como
um ser responsável e ético.
O ser humano deve seguir a lógica da
natureza: fazer e refazer continuamente o equilíbrio. Não de uma vez por todas,
mas sempre em atenção ao que está ocorrendo no ambiente, na história e nele
mesmo. A justa medida muda, o que não muda, é a permanente busca da justa
medida.
O ser humano capta essa medida multidimensional na proporção de
sua escuta e do dialogo com a natureza. Quanto mais mergulha nela e respeita
seus ritmos, mais sente quando deve mudar e quando deve conservar.
Os
povos indígenas nos dão disso o melhor exemplo. Por uma afinidade profunda com a
natureza, os solos, as nuvens, os ventos e outros eventos naturais sabem, de
golpe, o que vai acontecer e o que fazer. A natureza fala com eles e por eles
porque ambos formam um todo só.
Investigações recentes mostraram que as
pessoas não mudam por causa de informações sobre o aquecimento global mas quando
sofrem na pele com a degradação ambiental. Isso comprova que o motor que move as
pessoas é menos o inteleto que o sentimento profundo, raiz do novo paradigma de
convivência com a Terra. Sem esse sentimento não ouviremos a grande voz da Terra
a nos convidar para sinergia, a compaixão, a co-existência pacífica com todos os
seres. A partir desse pathos se torna absurdo querer subordinar o
novo conhecimento genético à obtenção de lucros, como se a vida não valesse por
si mesma, sem ser reduzida a uma simples mercadoria no balcão de
negócios.
Se esta sintonia fina com a natureza em nós e também ao nosso
redor não se transformar numa cultura, então estaremos sempre às voltas com a
busca da justa medida a ser encontrada e aplicada. Viveremos reconciliados
conosco mesmo e com a natureza. Eis um caminho a seguir.
Leonardo Boff é
autor de Convivência, Respeito e Tolerância Vozes 2006.