No tempo da Guerra Fria, por Carlos Motta
A polêmica criada pelo general que acenou com a possibilidade de uma “intervenção militar” para acabar com a bagunça institucional do país é menos importante que a defesa de seu discurso, feita por um colega, também general, mas da reserva.
No seu Facebook, o oficial escreveu o seguinte: “Em resposta a uma pergunta, colocada diante de uma plateia restrita, ele limitou-se a repetir, sem floreios, de modo claro e com sua habitual franqueza e coragem, o que está previsto no texto constitucional. A esquerda, em estado de pânico depois de seus continuados fracassos, viu nisso uma ameaça de intervenção militar. Ridículo.”
“A esquerda, em estado de pânico depois de seus continuados fracassos…”
O trecho, por si só, exprime de modo categórico o que pensam os militares brasileiros sobre a causa dos males que o país sofre: a culpa de tudo o que há de ruim é da esquerda, sempre ela.
É triste constatar que, passados tantos anos do fim da era dos generais presidentes, ainda perdure na caserna o espirito da Guerra Fria, quando o mundo era dividido entre os bons e os maus, entre o saudável capitalismo e o doentio socialismo.
A União Soviética deixou de existir, seus países satélites mergulharam de cabeça na economia de mercado, o muro de Berlim foi derrubado, a China se tornou uma superpotência econômica, a Terra foi sacudida por crises diversas e profundas, John Lennon foi assassinado, a seleção brasileira de futebol sagrou-se pentacampeã mundial em 2002, a internet se espalhou com a velocidade da luz para revolucionar a informação global, mas a cabeça dos militares brasileiros continua a mesma da metade do século passado, não houve uma mísera mudança no que eles pensam sobre política, economia, relações sociais, geopolítica, costumes…
Os governos trabalhistas trataram os militares com o devido respeito à sua importância para a nação, concederam reajustes salariais que estavam congelados havia anos e investiram bilhões de reais para reequipar e modernizar as Forças Armadas.
Nada disso, porém, parece importar para eles, contaminados profunda e irremediavelmente pelo vírus do anticomunismo ingênuo e infantil.
Esses oficiais de pijama podem não ter mais o comando da tropa, mas, não há dúvida, seus discursos refletem a opinião da maioria de seus companheiros da ativa.
O Brasil tem inúmeros problemas sérios, a crise política e econômica que atravessa é gravíssima, mas achar que a causa de todos os males é a “esquerda” denota um pensamento primário e profundamente contrário aos esforços para afastar o país do abismo, que é, pelo que se sabe, também o desejo das Forças Armadas.
É quase certo que os militares não vão se arriscar novamente numa aventura que comprometeria ainda mais o desenvolvimento do Brasil rumo à civilização, mas é preocupante saber que a instituição vive ainda nos tempos que lembram o faroeste americano, povoado por mocinhos e bandidos, xerifes e foras da lei, entre o 7º de Cavalaria do general Custer e os pérfidos sioux de Cavalo Doido e Touro Sentado.
Artigo publicado originalmente em http://jornalggn.com.br/blog/carlos-motta/no-tempo-da-guerra-fria-por-carlos-motta