Aldeia Nagô
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Nós estamos emergindo e vamos continuar a emergir por Marco Aurélio Garcia

21 - 29 minutos de leituraModo Leitura

"O Brasil deixou de ser o eterno país do futuro, acho que o
futuro chegou, um pouco. Por que nós éramos o eterno país do futuro?
Porque
éramos um país rico e profundamente desigual. E essa desigualdade não
era
simplesmente de renda. Era uma desigualdade de gênero, étnica, que se
dava em
termos regionais, em termos educacionais, assimetrias culturais etc. Nós
começamos a resolver a desigualdade social em termos de renda. E demos
alguns
passos importantes para resolver os temas das desigualdades regionais". A
avaliação é de Marco Aurélio Garcia, Assessor da Presidência República
para
Assuntos Internacionais, em entrevista para a revista Desafios do
Desenvolvimento, do IPEA


Desafios do Desenvolvimento (IPEA)

"Nós estamos emergindo e vamos continuar a emergir. Há outros
países que já são desenvolvidos que estão imergindo, estão afundando. O grande
problema que nós temos aqui é o seguinte: nós começamos, a meu juízo, a
enfrentar a questão chave que o País tinha que, de uma certa forma, abriu espaço
para resolver as demais, que era questão social. Por que nós éramos o eterno
país do futuro? Porque nós éramos um país rico e profundamente desigual". A
opinião é de Marco Aurélio Garcia, assessor do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva para assuntos internacionais em entrevista à Andréa Vieira e publicada
revista Desafios do Desenvolvimento, janeiro-fevereiro/2010, do Ipea.

Eis
a entrevista.

Em palestra no Ipea, o senhor afirmou que
instituições internacionais estão caducas. Gostaria que o senhor explicasse essa
posição.

Acho que tem três tipos de caducidade. Primeiro do ponto de
vista dos pressupostos com os quais FMI e o Banco Mundial, mais particularmente
o Fundo, trabalharam durante esses últimos anos. Eles foram muito lenientes no
que diz respeito à desordem econômica internacional que estava se armando,
estimulavam as ideias de desregulamentação, foram extremamente ortodoxos na
cobrança de políticas austeras por parte dos países, sobretudo os pobres e
emergentes, o que significou em grande medida que esses países se viram
inviabilizados. E parece que algumas dessas questões persistem hoje. Se nós
verificarmos os conselhos que foram dados, segundo o noticiário, pelo FMI para a
Europa, agora nós vamos ver que uma das principais recomendações parece ser o
corte de salários. Ora, a tendência em momentos de crise é impulsionar políticas
heterodoxas, políticas anticíclicas! Então eu acho que esse problema que parecia
superado depois da eleição do Dominique Strauss-Kahn para o FMI, ainda não está
perfeitamente equacionado.

O segundo aspecto está ligado à
operacionalidade dessas entidades muito burocratizadas. O atraso na rodada de
Doha é um caso típico, em circunstâncias que num determinado momento as coisas
estavam praticamente para ser resolvidas. Na última hora, no final da gestão
Bush nos EUA e no limiar de uma eleição na Índia, as negociações fracassaram. O
terceiro aspecto, também mais ligado à direção, porém mais tangível, é a questão
da representatividade. Salvo a OMC, onde cada país tem um voto, nas outras
entidades nós temos uma distribuição muito perversa das organizações de poder
que não corresponde mais à correlação de forças internacionais, que ainda é
acompanhada de uma prática habitual, uma espécie de um condomínio
Europa-EUA.

É possível estruturar uma instituição multilateral
realmente eficiente e representativa de todas as nações ou reorganizar as já
existentes? Como seria?

Eu acho que isso deve ser tentado. Se nós
praticarmos de forma mais intensa uma concepção multilateral das organizações
internacionais, isso é factível. Agora, se nós acharmos que o mundo tem que ser
regido por um grupo restrito de potências, não vai ser possível. A grande
verdade é que essa alternativa da hegemonia de um grupo pequeno de potências
também conduz a um impasse. Acho que o exemplo mais claro disso foi a reunião de
Copenhague, onde tudo ficou bloqueado em grande medida por causa da decisão dos
Estados Unidos no que diz respeito às metas de controle de emissão (de gases).
Isso fez com que a Europa retrocedesse naquilo que ela havia proposto e deixou
os outros países olhando o céu. O grande problema, se não houver essa
democratização das organizações internacionais, é uma paralisação das relações
internacionais. Isso não é bom.

A crise internacional expôs uma série
de falhas do sistema financeiro mundial. Falou-se em regulação e fiscalização
dos mercados, mas até agora nada foi feito. Por que isso é tão
difícil?

É difícil porque fere interesses nacionais importantes e
porque nós hoje enfrentamos uma crise de liderança mundial muito grande.
Lembramos que o antecedente que nós tivemos foi a crise de 1929. No que diz
respeito aos Estados Unidos, ela começou a ser enfrentada num primeiro momento
com medidas extremamente corajosas, muito mais radicais, mas a grande

resolução da crise de 1929 foi a guerra. Então esse é um risco
real.

Quando os países se reuniram em 1944, em Bretton Woods, para tentar
definir uma nova arquitetura financeira internacional, eles estavam fazendo uma
autocrítica da sua inação no que diz respeito a evitar os desdobramentos da
crise. Quer dizer, antes que a guerra tivesse ocorrido e, como causa dessa
guerra, inclusive, nós tivemos a ascensão do fascismo na Itália, a ascensão do
nacional-socialismo na Alemanha, de uma certa forma a guerra civil espanhola, o
êxito e depois o fracasso da experiência da frente popular na França, enfim, uma
série de fenômenos que, sem dúvida nenhuma, qualquer historiador vai localizar
nas origens da Segunda Guerra Mundial.

Caso nada seja feito nesse
momento para estabelecer uma ordem econômica mais organizada e sustentável, o
que pode acontecer?

O mundo pode se transformar num grande paiol de
pólvora. E quando há um paiol de pólvora, qualquer fósforo produz uma
explosão.

O senhor fala em guerra mesmo?

Por que não? Não
quero ser catastrofista, mas eu acho que essa é uma das razões pelas quais,
talvez, todos os esforços de neutralização dos pontos de tensão internacional
são de fundamental importância.

Isso justifica a preocupação em
aumentar a defesa do Brasil?

Eu não diria aumentar, mas adequá-la.
Nós estávamos com um sistema de defesa que não correspondia mais às necessidades
do País, entende? Nós precisamos ter adequação. Nós não precisamos ter forças
armadas para desfile militar. Nós precisamos ter forças armadas para proteger o
País. Acho que esse tema, grosso modo, está sendo colocado em quase todos os
países da América Latina. Então, por essa razão, eu não vejo que a América
Latina, em particular a América do Sul, seja uma região que possa ser capitulada
como uma região de tensão internacional. Mas há outras regiões com focos de
tensão que todos os dias estão se manifestando. O crescimento da economia
chinesa será acompanhado ou não de uma estratégia de consolidação da China como
potência militar? Não sei. É bem possível. As tensões que estão se produzindo
agora entre China e Estados Unidos em função do refortalecimento dos armamentos
de Taiwan? Há regiões de enorme tensão no mundo hoje como Paquistão,
Afeganistão, Palestina…

Voltando a falar da economia mundial, ao que
tudo indica, o Brasil adotou as medidas corretas para mitigar os efeitos da
crise, tanto que foi um dos primeiros países a sair dela. No cenário financeiro
internacional pós-crise, a imagem do Brasil mudou?

Eu acho que já
vinha mudando anteriormente. Quando a crise eclodiu, o Brasil foi consultado
imediatamente sobre que tipo de instância deveria ser criado. Eu lembro que eu
estava com o presidente Lula quando o presidente Bush telefonou para ele e
disse: "eu preciso fazer uma reunião aqui em Washington para organizar uma
resposta à crise. Quem você acha que nós devemos convidar?" Ele nos consultou.
Foi quando o presidente (Lula) disse: "eu acho que deveria ser o G 20
financeiro". Portanto, nesse momento, a imagem do Brasil já era
fortalecida.

Em que proporção a crise na Europa preocupa o
Brasil?

Olha, isso preocupa o Brasil por várias razões. Primeiro
lugar porque isso afeta o equilíbrio da economia internacional como um todo. Se
há uma retração da economia europeia, isso, sem dúvida nenhuma, afetará o
conjunto da economia mundial. Os chineses serão afetados porque a China tem no
espaço europeu um de seus mercados importantes.

Falando em China, o
que o Brasil pode fazer para melhorar o comércio com a China, tendo em vista que
essa relação comercial acaba sendo desfavorável ao Brasil, que exporta apenas
commodities para o gigantesco mercado chinês?

Primeiramente, eu acho
que nós não devemos ter vergonha de exportar commodities. O ruim é quando a
gente não exporta nada. O problema brasileiro é que nós estamos fazendo, nos
últimos anos, uma certa reconversão da economia brasileira, fazendo com que o
processo de industrialização seja um processo não só de crescimento
quantitativo, mas de sofisticação qualitativa. Isso implica agregar mais valor.
E é claro que no caso da China, salvo em alguns nichos muito particulares, nós
vamos enfrentar dificuldades em aumentar nossas exportações por uma razão muito
simples: a China realiza aquilo que nós também realizamos em escalas muitas
vezes superiores: eles produzem automóveis, eletrodomésticos e eletrônicos em
escala muito maior do que a nossa. Nós temos algumas formas de entrada na China
da indústria de alto valor agregado como é o caso da nossa indústria
aeronáutica. Mas a produção agrícola, por exemplo, é um trunfo extraordinário
que o Brasil tem. Não quero dizer com isso que não vamos melhorar nossa
indústria, que não vamos adotar uma política industrial mais agressiva, que não
vamos enfrentar a questão da inovação tecnológica, que é
fundamental.

O Brasil, que já liderava a missão de paz no Haiti, está
tendo uma atuação muito efetiva na ajuda ao país depois da tragédia causada pelo
terremoto. Que efeitos essa atuação produzirá para o Brasil no cenário
internacional?

Nós estamos fazendo isso, em primeiro lugar, porque
nós incorporamos a solidariedade como valor a ser defendido na nossa política
externa. Da mesma forma que nós buscamos a defesa da paz, defesa dos direitos
humanos, relações internacionais menos assimétricas, menos desequilibradas,
temos também como um dos valores a solidariedade. O Haiti é um país com o qual
nós temos grande afinidade, é um país de população negra, como é o caso do
Brasil.

Por que é tão importante para o Brasil ter um assento
permanente no conselho?

Por uma razão muito simples: nesse conselho é
que se resolvem as questões da segurança global. Nós não estávamos discutindo no
começo que o mundo pode correr um risco de uma conflagração regional ou mais
global, seja pela incapacidade dos governos se porem de acordo, seja pelo
progresso abusivo de uma situação conflitiva? Quem coopera nessas
circunstâncias? Só pode ser o Conselho de Segurança. Nós, inclusive, temos uma
visão hoje crítica ao funcionamento das Nações Unidas. Nós achamos que as Nações
Unidas deveriam assumir concretamente a condição de organismo regulador da paz
mundial.

Por que isso não acontece?

Isso não está
acontecendo porque as Nações Unidas foram enfraquecidas, porque durante um certo
período predominou uma orientação estritamente unilateralista da política
norte-americana. Então nós precisamos de organismos mais legitimados. Em muitas
das crises mundiais recentes, o Conselho de Segurança ficou sobrepassado. O caso
do Iraque é um caso claro. Ele não apoiou a invasão, mas saiu debilitado porque
a invasão se deu sem a opinião dele. Nós precisamos de um conselho de segurança
mais amplo, mais representativo. Vai ser rápido? Não, não vai. Até que caia a
ficha de alguns países que o mundo não é mais propriedade exclusiva deles, vai
levar algum tempo.

É fato que o Brasil está se aproximando cada vez
mais e ganhando respeito das grandes economias. Por outro lado, há a sensação de
que o Brasil está se distanciando da América Latina. Não está?

O
Brasil não está alheio. Nós temos instâncias de participação. A primeira
instância que é o Mercosul, que atravessa, a meu juízo, dificuldades hoje, não
tantas quanto se diz. Acho que nós deveríamos pensar seriamente no
fortalecimento institucional do Mercosul. Não há possibilidade de um processo de
integração avançar se nós não temos instituições fortes. As instituições hoje de
Montevidéu são muito frágeis, muito pequenas. Depois nós temos uma outra
instância de intervenção sul-americana que é a Unasul. Eu diria que hoje,
talvez, nós estejamos avançando com o ritmo que se impõe. O processo de
integração energética, a constituição do Banco do Sul, que está decidida mas
ainda tem uma certa tardança na implementação, os processos de integração
física, tudo isso tem sido muito mais resultado de ações unilaterais,
bilaterais, às vezes trilaterais, do que efetivamente uma política. Então há uma
crise de governança tanto do Mercosul quanto da Unasul que é preciso resolver.
Agora eu não acho que nós temos nos afastado da região. Pelo contrário. Nós
temos uma relação muito solidária.

O bloco corre o risco de
acabar?

Em primeiro lugar não vai acabar porque, entre outras coisas,
do ponto de vista econômico, a integração da região produz resultados muito
fortes. Do ponto de vista político, a presença, a intervenção de forças
regionais em crises políticas internas, a meu juízo, só se justifica quando
essas crises se transformam em crises agudas. Eu vou dar dois exemplos. Quando
houve um forte processo de desestabilização na Venezuela em 2002/2003, foi
criado aquele grupo de amigos da Venezuela, que ajudou muitíssimo e conduziu o
processo de estabilização do país. Quando a Bolívia esteve à beira de uma guerra
civil, a Unasul fez aquela reunião em Santiago do Chile e interveio no sentido
de respaldar o governo.

A expansão de bases norte-americanas na
América Latina foi criticada pelo governo brasileiro. As relações entre Brasil e
EUA ficaram abaladas por essa razão?

Não. Acho negativa a existência
de bases norte-americanas na região. É algo que cria tensões aqui. Isso nós
dissemos de forma muito franca, muito clara ao presidente Uribe quando ele
esteve aqui, depois em reunião na Argentina. Nós gostaríamos que os problemas da
região fossem resolvidos no âmbito da região. No caso da Colômbia, um país que
vive uma situação de crise interna pela existência das Farc e outras guerrilhas,
nós não temos condições de participar de um esforço militar lá. Mas nós sim,
temos condições de participar, já deixamos claro isso, num esforço de paz. Tudo
que nós pudermos fazer para lograr a paz lá, nós faremos.

Como ficam
outros países da região?

Eu tenho a impressão de que outros países se
sintam incomodados. E nós mesmos, inclusive a partir da leitura de alguns
documentos oficiais, ficamos preocupados. Há documentos oficiais dos Estados
Unidos que falam das bases como tendo a possibilidade de uma projeção militar no
resto do continente. Isso nos inquieta.

Mudando de região. Além de
muitas críticas, que benefício o Brasil teve com a visita do presidente do Irã,
Mahmoud Ahmadinejad?

Você poderia me perguntar por que nós recebemos
o Shimon Peres e outros…

Eu ia chegar lá.

Primeiro lugar porque
nós temos relações muito amplas, com muitos países. O Brasil ampliou
consideravelmente as suas embaixadas pelo mundo e o mundo ampliou
consideravelmente as suas embaixadas aqui. Segundo lugar, tanto o Irã quanto
Israel, quanto a Palestina, são regiões que eu incluiria nessas regiões
problemáticas do mundo. Quando nós começamos o governo, com a ameaça do
desencadeamento da guerra no Iraque, não se tinha a ideia do que poderia
acontecer. Como o Saddam Hussein era muito falastrão e ameaçava mundos e fundos,
uma hipótese de trabalho que nós operamos aqui foi de que uma guerra desse tipo
pudesse implicar ameaças das mais variadas. Desencadeamento de terror mundial…
Criou-se aqui um trabalho na Presidência que estudava todas essas hipóteses e,
inclusive, as medidas que deveriam ser adotadas. Eu tenho absoluta certeza de
que o agravamento do conflito na Palestina ou o eventual desencadeamento de uma
situação mais grave com o Irã seria algo de consequências
terríveis.

Realmente vale a pena o Brasil se aproximar de uma questão
tão complexa e tumultuada como são as relações existentes no Oriente Médio? Não
é um desgaste inútil?

Não. Pelo contrário. Eu acho que um desgaste
seria não participar. Dizer que essa é uma situação que não nos interessa… Não
nos interessa até o dia em que isso nos cair em cima. E se nós queremos ser,
como se diz, um global player, se nós queremos abandonar o eterno complexo de
vira-lata, de ficar preocupados só com o nosso mundinho, nós temos que ter uma
atenção para isso. Eu acho engraçado o seguinte: esses mesmos setores que
criticam que nós estamos discutindo com o Ahmadinejad ou que estamos recebendo o
presidente Mahmoud Abbas (Palestina), ou o presidente Shimon Peres (Israel),
este em geral menos criticado, são aqueles que dizem: "vocês ficaram
indiferentes ao genocídio na África e em tal país". Nós não ficamos
indiferentes. Nós votamos medidas nos fóruns internacionais. Eu estou convencido
de que se não se chegar a uma solução da crise do Irã, nós corremos um grave
risco para a paz mundial. Essa não é só a minha opinião. Essa é a opinião de
grandes dirigentes mundiais com os quais eu tive a oportunidade de
estar.

Como o senhor avalia a posição dos Estados
Unidos?

Eu tenho certeza de uma coisa: ajudar não está ajudando
porque essas coisas estão se alastrando há muito tempo. E o que é interessante
observar é o seguinte: é justo, do ponto de vista de uma ordem internacional que
nós queremos multilateral, que um país se ocupe de resolver todas crises do
mundo? Que esteja presente em Honduras, no Paquistão, no Afeganistão, no Iêmen,
na Palestina, no extremo oriente… É justo isso? Ou a melhor coisa é
efetivamente criar um espaço de negociação mais plural? Nós não estamos pedindo
isso para nós. A nossa presença tem esse sentido de incorporar outros, tem o
sentido de fortalecer o multilateralismo.

O presidente Lula sempre
defendeu mais ajuda e aproximação com a África, mas quem acabou assumindo esse
papel foi a China, que está investindo de fato no continente. Como fica o Brasil
agora?

Mas nós não estamos competindo com a China na África. A China
está fazendo o que considera mais adequado. Eu sei que muitos países não gostam
desse tipo de presença. Não gostam, por exemplo, que uma represa que está sendo
construída pela China seja construída por cinco mil operários chineses que ficam
em barcos ao largo e que vão sendo transportados todos os dias. Nós não fazemos
isso. As obras que as empresas brasileiras estão construindo no continente
africano são obras construídas mais de 95% por africanos. Nós estamos criando
empregos na África. E também nós não temos necessidades que a China tem. A China
vai buscar petróleo na África. Nós não precisamos buscar petróleo fora do
Brasil. Mas até temos explorações em Angola, na Nigéria, e em outros lugares. A
China vai buscar minérios. Nós não precisamos buscar minérios lá. Nós temos
minérios.

Na reunião de cúpula de Copenhague, os países não chegaram a
nenhum acordo sobre as questões climáticas. Qual a probabilidade de o próximo
encontro ser bem sucedido?

Eu diria que obviamente os Estados Unidos
terão uma responsabilidade muito grande nisso, porque, sendo o país responsável
pelo maior número de emissões, cabe a ele chegar com metas concretas. As metas
que os Estados Unidos estabeleceram até agora são ridículas. Elas tiveram
reflexo também no próprio comportamento da União Europeia, como já mencionei. A
União Europeia tinha metas mais ambiciosas, mas como viu que os Estados Unidos
estavam na retranca, de certa maneira diminuiu as metas dela, encolheu a
proposta. Eu acho que se todo mundo subir a sua missão no que diz respeito à
redução, nós teremos efetivamente mais possibilidade de chegar a um acordo.
Inclusive a própria China ficou evidente que tem flexibilidade nesse particular.
Parece que o único país que não tem flexibilidade são os Estados
Unidos.

Mas os Estados Unidos nunca tiveram essa flexibilidade. O que
faz o mundo acreditar que possa vir a ter?

Bom, o problema é o
seguinte: haverá, em um determinado momento, um constrangimento internacional
muito forte sobre os Estados Unidos.

Esperar que isso ocorra para só
então começar a pensar nas questões climáticas e ambientais não pode ficar tarde
demais?

Pode ficar tarde para a humanidade, mas isso não exime os
países de tomarem as suas iniciativas e com isso criar um constrangimento
político e moral muito forte, que foi o que o Brasil fez. O Brasil fixou
exigências, transformou-as em lei, e chegou lá com a agenda mais radical de
todas. Nós vamos aplicar isso? Vamos. Se os outros não aplicarem, bom,
paciência. Mau para a humanidade. A nossa parte nós estamos fazendo

O
que falta para o Brasil deixar de ser a eterna potência emergente, o eterno país
do futuro que nunca chega, para se tornar de fato uma potência
mundial?

Em primeiro lugar eu não gosto muito da expressão potência
mundial. Acho que o Brasil deixou de ser o eterno país do futuro, acho que o
futuro chegou, um pouco. O futuro é uma construção. Nós estamos emergindo e
vamos continuar a emergir. Há outros países que já são desenvolvidos que estão
imergindo, estão afundando. O grande problema que nós temos aqui é o seguinte:
nós começamos, a meu juízo, a enfrentar a questão chave que o País tinha que, de
uma certa forma, abriu espaço para resolver as demais, que era questão social.
Por que nós éramos o eterno país do futuro? Porque nós éramos um país rico e
profundamente desigual. E essa desigualdade não era simplesmente de renda. Era
uma desigualdade de gênero, étnica, era uma desigualdade que se dava em termos
regionais, em termos educacionais, assimetrias culturais e etc.

Nós
começamos a resolver de forma importante a desigualdade social em termos de
renda. E nós demos alguns passos importantes para resolver os temas das
desigualdades regionais. Agora, isso é um processo que toma muito tempo e que
dificilmente se cristaliza, porque esses 22 milhões que, segundo se diz,
entraram para a classe média, eles não vão se contentar com os benefícios dessa
suposta condição de classe média. Eles vão querer mais. É normal que assim seja.
O País hoje tem mobilidade social. As pessoas não querem mais só entrar na
universidade, elas querem entrar numa universidade de qualidade, elas querem uma
escola secundária de qualidade, uma escola técnica de qualidade.

O
próximo passo não seria o combate à corrupção?

Eu acho que o combate
à corrupção aumentou e muito. Se a corrupção aparece mais hoje é porque mais tem
sido combatida. Se você fizer um levantamento das iniciativas da Controladoria
Geral da União e da Polícia Federal você vai ver o volume. Agora, eu quero
sempre fazer uma diferença. Uma coisa é o combate à corrupção. Outra coisa é uma
certa leitura que se faz desse combate hoje em dia, que eu acho que tem como
função, não sei se explícita, em alguns casos sim, que é desacreditar a
política. Há um esforço muito grande de desacreditar a política, que passa a ser
uma área ardida, os políticos são as piores pessoas que existem no
mundo…

De quem é esse esforço?

Você encontra na
imprensa.

Mas veja o que acontece com o governo do Distrito Federal,
por exemplo, e tantos outros casos espalhados pelo País. O senhor não acha que
esse esforço vem dos próprios políticos?

O volume que esses temas
ocupam no noticiário e a abordagem deles denotam concretamente uma incriminação
da política como atividade humana. E ela é muitas vezes substituída por uma
ideia de que ao invés da política nós devemos privilegiar a gestão. Uma gestão
do tipo tecnocrática, apolítica e etc. Eu me preocupo muito com isso. Esse é um
fenômeno mundial: uma tentativa de desacreditar a atividade política
mundialmente. Claro que a corrupção tem que ser considerada como um problema
grave, porque é antirrepublicana, tem que ser combatida. Mas que ela venha a
ocupar um lugar que não ocupou nunca o tema da desigualdade social? Eu nunca vi
nas manchetes dos jornais temas da desigualdade social, os temas da nossa
dependência econômica, os temas da fragilidade da nossa soberania nacional, os
temas da violência no campo, enfim, uma quantidade de outras questões que não
têm a mesma incidência que os temas da corrupção têm.

Acho que muitas
vezes o risco é de que você, ao jogar a água suja do banho, jogue a criança
também. Eu tenho a impressão de que hoje em dia, se você tomar as pesquisas,
você vai ver que uma das instituições mais desacreditadas do País é o
Parlamento. Por quê? Com isso você obscurece totalmente a função de dezenas,
centenas de parlamentares que estão lá trabalhando. Qual a avaliação que se faz
do funcionamento do Parlamento? É se os deputados estão lá. Eu não sou
parlamentar nem quero ser, mas acho que há uma enorme incompreensão. Ou então
quando se fala dos salários dos funcionários. Os salários que nós ganhamos no
serviço público brasileiro são absolutamente ridículos se comparados com os
salários daqueles que escrevem sobre os nossos salários e que não são
assalariados. Encontraram formas muito claras de ludibriar os impostos criando
essas microempresas e coisas desse tipo. Eu acho que o jornalista tem que ganhar
muito bem mesmo. Agora, não me venha falar dos nossos salários porque eles não
são compatíveis com o tipo de trabalho que nós fazemos.

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