O alvo. Por Jânio de Freitas
Intencional, por certo não foi. Muito melhor: foi autêntico, com a naturalidade das palavras que burlam, espontâneas, a censura protetora das nossas conveniências. Foi um pequeno trecho de frase, intercalado com ligeireza.
A frase, por sua vez, destinava-se a outro fim –o reconhecimento da “não intervenção” dos governos do PT na ação do Ministério Público e da Polícia Federal, “porque os governos anteriores realmente mantinham controle das instituições”. A palestra, está claro, decorria com plena e descontraída franqueza do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, o comunicador da Lava Jato.
Eis o pequeno trecho que o auditório da Câmara Americana de Comércio pôde ouvir, sem sinal de notá-lo, e a repórter Paula Reverbel não excluiu, como fizeram outros, do seu relato para a Folha: “[…] os governos que estão sendo investigados, os governos do PT, […]”.
O que a Lava Jato investiga de fato, por meio de investigações secundárias, não é a corrupção na Petrobras, não é a ação corruptora de empreiteiras, não são casos de lavagem de dinheiro: são “os governos do PT”.
Deixa, portanto, de ser coisa de esquerdista, governista, lulista, petista & cia., como alegado por tantos, a dedução de que a Lava Jato procede com direcionamento e seletividade. E age muito além do alcance investigativo e processual a que foi legalmente destinada. Com finalidade que explica o seu descaso por indícios e mesmo por delações premiadas, tão valorizadas em seu método, de corrupção anterior ao primeiro governo do PT.
A Lava Jato é, agora declaradamente, uma operação judicial com objetivo político-partidário, cujos atos e êxitos contra a corrupção são partes acessórias do percurso contra três governos (partido e personagens). Não são esses os mandatos conferidos ao juiz e aos procuradores da Lava Jato, no entanto. Pode-se imaginar o fim visado. Mas de onde vêm tal presunção e tal objetivo da Lava Jato é uma incógnita para o próprio Judiciário, que, afinal de contas, é o primeiro Poder questionado.
Dentro da crise que se vê há outra, senão outras crises. Como a de autoridade, que até as simples aparências de opinião pública esvaziam.
AMBIÇÕES
Apesar de haver um tanto de especulação, o tanto de realidade que há em um plano político torna conveniente noticiá-lo. É a ideia, já em ação, de obter que o Tribunal Superior Eleitoral casse, com o mandato de Dilma e pelo mesmo motivo, também o de Michel Temer. Mas o PSDB, é convicção na cúpula do próprio partido, não conta mais com as melhores perspectivas de êxito se houver eleições. Marina e mesmo uma eventualidade petista teriam menos dificuldades com o eleitorado. A alternativa dos neoliberais seria a campanha dos meios de comunicação para induzir, a um só tempo, a adoção do parlamentarismo já com um nome acoplado na novidade, para primeiro-ministro.
Um plano assim precisaria incluir eleições gerais. Com a atual conformação da Câmara, seria difícil ver a maioria dos deputados presentear o poder ao PSDB. O plano neoliberal precisa de ganhos demais para ter êxito. Não tem futuro nem com sotaque português.
VIRADA
Tudo na crise muda a cada dia. Mas há uma constância: o esquecimento, no comentarismo, do Senado e de sua importância na possível decisão do impeachment. E lá o silêncio predominante exprime a dificuldade do “fora, Dilma” para conquistar adesões firmes. O que significa um campo promissor para o “fica, Dilma”.
A ativação das manifestações contra o impeachment levou até certos meios de comunicação a baixarem o tom anti-Dilma. A semana encerrou-se com renovado otimismo dos governistas e perplexidade dos derrubadores.
Artigo publicado originalmente em a Folha de São Paulo