Aldeia Nagô
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O ataque dos pássaros por Suzana Singer *

3 - 5 minutos de leituraModo Leitura

A Folha vem se dedicando a revirar vida e obra de Dilma
Rousseff. Foi à Bulgária conversar com parentes que nem a candidata
conhece, levantou a fase brizolista da ex-ministra, suas convicções
teóricas e até uma loja do tipo R$ 1,99 que ela teve com uma parente no
Sul.

Tudo isso faz sentido, já que Dilma pode se tornar presidente do
Brasil já no primeiro escrutínio que disputa.

Mas, no domingo passado, o jornal avançou o sinal ao colocar na
manchete “Consumidor de luz pagou R$ 1 bi por falha de Dilma”. O
problema nem era a reportagem, que questionava a falta de iniciativa do
Ministério de Minas e Energia para mudar uma lei que acabava por
beneficiar com isenção na conta de luz quem não precisava.

Colocar uma lupa nas gestões da candidata do governo é uma excelente
iniciativa, mas dar tamanho destaque a um assunto como este não se
justifica jornalisticamente.

Foi iniciativa de Dilma criar a tal Tarifa Social? Não, foi
instituída no governo Fernando Henrique Cardoso. É fácil mexer com um
benefício social? Não, o argumento de que faltava um cadastro de pobres
que permitisse identificar apenas os que mereciam a benesse faz muito
sentido. Existe alguma suspeita de desvio de verbas? Nada indica.

O lide da reportagem dava um peso indevido ao que se tinha apurado.
Dizia que a propaganda eleitoral apresenta a candidata do PT como uma
“eficiente gestora”, mas que “um erro coloca em xeque essa imagem”. Essa
tem que ser uma conclusão do leitor, não do jornalista.

Uma manchete forçada como a da conta de luz, somada a todo o
noticiário sobre o escândalo da Receita, desequilibrou a cobertura
eleitoral. Dilma está bem à frente nas pesquisas de intenção de voto e
isso é suficiente para que se dê mais atenção a ela do que a seu
concorrente, mas, há dias, José Serra só aparece na Folha para fazer
“denúncias”. Nada sobre seu governo recente em São Paulo. Nada sobre
promessas inatingíveis, por exemplo.

Os leitores perceberam a assimetria. Durante a semana, foram 194
mensagens à ombudsman protestando contra o noticiário, mas o maior
ataque ocorreu no Twitter, a rede social simbolizada por um pássaro
azul, que reúne pessoas dispostas a dizerem o que pensam em 140
caracteres. Até quinta-feira passada, tinham sido postadas mais de 45
mil mensagens anti-Folha.

Os internautas inventaram manchetes absurdas sobre a candidata de
Lula: “Empresa de Dilma forneceu a antena para o iPhone 4″, “Dilma disse
para Paulo Coelho, há 20 anos: continue a escrever, rapaz, você tem
talento!”, “Serra lamenta: a Dilma me indicou o Xampu Esperança” e
“Errar é humano. Colocar a culpa na Dilma está no Manual de Redação da
Folha”.

O movimento batizado de #Dilmafactsbyfolha virou um dos assuntos mais
populares (“trending topics”) do Twitter em todo o mundo, impulsionado,
em parte, pela militância política -segundo levantamento da Bites,
empresa de consultoria de planejamento estratégico em redes sociais, 11
mil tuítes usaram um #ondavermelha, respondendo a um chamamento da
campanha do PT na rede. Até o candidato a governador Aloizio Mercadante
elogiou quem engrossou o coro contra o jornal.

Mas é um erro pensar que apenas zumbis petistas incitados por
lideranças botaram fogo no Twitter. O partido não chegou a esse nível de
competência computacional.

Na manada anti-Folha, havia muito leitor indignado, gente que não
queria perder a piada, além de velhos ressentidos com o jornal.

Não dá para desprezar essa reação e a Folha fez isso. Não respondeu
aos internautas no Twitter e não noticiou o fenômeno. O “Cala Boca
Galvão” durante a Copa virou notícia. No primeiro debate eleitoral
on-line, feito por Folha/UOL em agosto, publicou-se com orgulho que o
evento tinha sido um “trending topic”. Não dá para olhar para as redes
sociais apenas quando interessa.

A Folha deveria retomar o equilíbrio na sua cobertura eleitoral e
abrir espaço para vozes dissonantes. O apartidarismo -e não ter medo de
crítica- sempre foram características preciosas deste jornal.

* Suzana Singer é ombusdman da Folha de S. Paulo.

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