O avanço da democracia direta prevista na Constituição por MCN
O editorialista do Estadão atirou no que viu e acertou o que não viu. Explico. Não dá para levar a sério os editoriais do velhusco diário. Têm a profundidade e importância de um tuíte do Roger.
A intenção é a mais grotesca possível: bater em governos petistas até a exaustão, usando jargões típicos, como “mensaleiros”, “bolivarianos”, “chavistas”, “soviets”. Leitores de Roger devem apreciar. O resto da humanidade passa ao largo.
Acontece que o decreto de Dilma é um avanço: institucionaliza práticas de controle social da gestão pública, por meio de mecanismos de democracia direta. Mais que isso, é uma resposta estruturada, ainda que tardia, aos movimentos de junho do ano passado, que pediam maior participação da população nas decisões de Estado. Nenhum outro candidato às eleições de novembro chegou sequer perto de uma resposta consistente como essa.
No médio prazo, caso a “lei vingue”, administrar o executivo federal será inviável para quem não dominar plenamente as tecnologias de gestão pública com participação popular. O decreto, a meu ver, além de 2014, mira 2018. Ficaria atento, se fosse da oposição.
Óbvio que essa sofisticação nem passou perto do editorialista do Estadão. Preocupou-se com detalhes conjunturais, tipo “companheira Dilma” e outras estultices. Deveria preocupar-se com as mudanças estruturais que o modelo propõe. Em breve, será impossível governar para o povo, sem dialogar com o povo. Já imaginaram o Brasil livre de velhos coronéis do século XIX, tipo ACM ou Serra?
Controle social não é um tema novo. As primeiras conferências nacionais aconteceram nos anos FHC, que, acredito, nunca foi um “bolivariano” convicto. Foram e são amparadas no artigo 1º da Constituição Federal, que afirma: “Todo poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos OU DIRETAMENTE, nos termos desta Constituição”.
É prática adotada em todas as democracias mais avançadas do mundo. É só dar uma busca no Google. Conselhos comunitários existem há muito tempo nos EUA, Reino Unido e em outros países (seriam chavistas?).
Por outro lado, esses mecanismos não são imunes a malfeitos. Em âmbito municipal, há inúmeros casos de APARELHAMENTO de Conselhos da Merenda Escolar ou Conselhos da Educação, que aprovam ilícitos e desvios de verba de governantes corruptos.
Em âmbito mais local ainda, por exemplo, no interior da escola pública, o controle social pode se dar na forma de Conselhos Escolares paritários. A prática tem se mostrado eficaz resultando em maior qualidade de ensino e maior envolvimento das famílias no cotidiano escolar. Assim como as práticas de gestão democrática, com eleições diretas para o cargo de diretor de escola, como acontece na rede estadual de educação de MG (seria Aécio soviet?).
Na área acadêmica, o sociólogo Rudá Ricci tem se dedicado ao tema. Para quem quiser entender um pouco mais, segue um trechinho.
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REVISTA ESPAÇO ACADÊMICO, nº 98, Julho de 2009, Ano IX, ISSN 1519-6186 9
Controle social: um conceito e muitas confusões
Rudá Ricci
Comecemos pelo que não é. Controle Social não é consulta. Mesmo porque, consulta não gera controle sobre nenhum ato, mas é apenas uma escuta, nem sempre criando interação ou continuidade da relação entre as partes.
Na mesma linha, não se trata de feedback. Feedback é um retorno, uma notícia do impacto que uma ação gerou no outro. Também não se trata de convencer o outro sobre uma política correta. Nem mesmo ouvir demandas para montar um projeto ou programa.
Como se percebe, todas as modalidades acima não geram controle, mas apenas uma relação entre uma parte que se mantém sujeito da ação e uma outra, que é ouvida. Mas o que se faz com o que o não-sujeito fala é prerrogativa de quem solicita a informação.
Segundo Sherry Arnstein, controle social é uma relação de co-gestão, quando planejamento e execução são definidos em participação. O autor vai até mais longe: sugere que ocorre controle social quando uma comunidade planeja e gerencia um projeto ou programa e a instituição pública apenas financia.
O conceito de controle social indica, portanto, a participação da sociedade civil na elaboração, acompanhamento e verificação (ou monitoramento) das ações de gestão pública. Na prática, significa definir diretrizes, realizar diagnósticos, indicar prioridades, definir programas e ações, avaliar os objetivos, processos e resultados obtidos.
No Brasil, tal conceito foi estabelecido legalmente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que introduz elementos e diretriz s de democracia participativa, incorporando a participação da comunidade na gestão de políticas públicas. Alguns artigos da Constituição são orientadores desta filosofia.
Logo no primeiro artigo, em seu parágrafo único, afirma-se que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Já se anuncia uma novidade política, que indica que o representado pode exercer seu poder diretamente, até mesmo ao lado do governante.
Os conselhos de gestão pública (saúde, educação, assistência social , direitos da criança e adolescente, entre outros) nascem deste artigo. Mas há mais artigos…
Continuaçção em http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/viewFile/…
Artigo publicado originalmente em http://jornalggn.com.br/noticia/o-avanco-da-democracia-direta-prevista-na-constituicao