O Brasil é uma pedra no sapato por Flávio Aguiar
O Brasil passou, de repente, a ser uma pedra no sapato da União Européia. A pergunta mais patética formulada a Dilma foi: "como e por que o Brasil deu um reajuste de 7,7% aos aposentados?". Isso vai na contramão de tudo o que está sendo programado e feito pelos governos europeus.
Dilma Rousseff
veio à Europa, passou por quatro países, alguns primeiros-ministros, e
encontrou
o que veio buscar: reconhecimento internacional. E mais: demonstração de
que é
capaz de viajar sem Lula – em todos os sentidos que a palavra viajar
possa
ter.
Mas colheu – e curiosamente plantou, porque colheu – mais.
Em
primeiro lugar, colheu alguns epítetos (desculpem o palavrão antigo, mas
cheio
de charme) curiosos: "Dama de Ferro" (antes expressão reservada a
Margareth
Thatcher), "Delfim de Lula", por exemplo.
Em segundo lugar,
colheu uma
impressão do Brasil, vigente aqui no Velho Mundo, muito peculiar, neste
preciso
momento em que a Zona do Euro atravessa uma turbulência sem par na
história
recente da Europa, pelo menos desde o fim da Segunda Guerra.
O
Brasil
passou, de repente, a ser uma pedra no sapato da União Européia. A
pergunta mais
patética formulada a Dilma foi: "como, e por que o Brasil deu um
reajuste de
7,7% aos aposentados?".
Isso vem na contramão de tudo o que está
sendo
programado e feito por aqui. Congelamentos de salário, ou diminuição,
diminuição
ou limitação de pensões e aposentadorias, suspensão de subsídios
destinados ao
mercado da classe média e dos mais pobres, fim de auxílios como os dados
às mães
solteiras, investimentos no pequeno e médio negócio: essa é a amarga
receita que
está sendo enfiada goela abaixo dos países – leia-se: os trabalhadores e
aposentados – da U. E. Conhecemos a receita, fruto tanto do estouro do
endividamento programado, como aconteceu na Ásia nos anos 90 e na
América Latina
no começo dos 80.
Ou seja: a presença do Brasil, que já provocava
admiração ao ser um dos países que melhor saiu da crise recente, agora
provoca
perplexidade, inveja e um certo ar de ressentimento, além de se ter
tornado um
"mau exemplo". O nosso país está se saindo bem exatamente por ter feito
tudo ao
contrário dessas receitas que há meio século, pelo menos, senão mais,
são o
vade-mecum das finanças internacionais.
Duas semanas atrás o
economista
Frederick Jaspersen, diretor para a América Latina no Institute of
International
Finance, uma organização criada em 1983 por 38 grandes bancos de atuação
em
escala mundial logo depois da crise da dívida latino-americana, previu a
vitória
de Dilma Rousseff nas eleições de outubro (o otimismo/pessimismo fica
por conta
dele). E acrescentou que isso era péssimo, porque significava aumentos
dos
"gastos" públicos, política industrial centrada em estatais, pressão
política
sobre as agências regulatórias (ou desregulatórias, para nós). Ao
contrário,
disse ele, a vitória de Serra significaria endurecimento no controle
fiscal
(leia-se, menos investimentos sociais), ênfase no setor privado
(leia-se,
transferência de verbas públicas para as empresas privadas) e uma
política
tributária para encorajar investimentos privados (leia-se, carga
tributária
regressiva na renda e progressiva no consumo).
Em suma, o que os
agentes
das finanças internacionais temem não é apenas que um setor como o
Brasil venha
a permanecer fora de sua influência. É também que o exemplo comece a
contaminar
corações e mentes pelo mundo a fora.
O curioso é que o exemplo
brasileiro
não é, digamos, inteiramente original. Já na crise asiática dos anos 90,
o país
que melhor e mais rápido saiu dela foi a Malásia. Por quê? Porque
recusou a
ajuda do FMI e fez tudo ao contrário do que ele receitava: aumentou o
investimento público, reforçou o mercado interno, evitou a recessão e,
sobretudo, saiu de cabeça em pé. Ao contrário de Tailândia (país em que o
custo
político da crise e das medidas recessivas continua a se fazer sentir de
modo
dramático), mesmo a Coréia do Sul, Singapura e até o Japão.
Sinal
de que
temos muito o que aprender onde eles – os arautos das virtudes do
mercado –
nunca aprendem.
Flávio Aguiar é
correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
Artigo publicado originalmente em
http://www.cartamaior.com.br/