O debate da política externa: os conservadores por José Luís Fiori
Chama
a atenção a pobreza das idéias e a mediocridade dos argumentos
conservadores quando discutem o presente e o futuro da inserção
internacional do Brasil. Nossos conservadores perderam a bússola. Ainda
tentam seguir a pauta norte-americana, mas não está fácil, porque ela
não é clara, não é moralista, nem é binária.
"É
desconfortável recebermos no Brasil o chefe de um regime ditatorial e
repressivo. Afinal, temos um passado recente de luta contra a ditadura,
e firmamos na Constituição de 1988 os ideais de democracia e direitos
humanos. Uma coisa são relações diplomáticas com ditaduras, outra é
hospedar em casa os seus chefes".
José Serra, "Visita indesejável", FSP, 23/11/2009
Já
faz tempo que a política internacional deixou de ser um campo exclusivo
dos especialistas e dos diplomatas. Mas só recentemente, a política
externa passou a ocupar um lugar central na vida pública e no debate
intelectual brasileiro. E tudo indica que ela deverá se transformar num
dos pontos fundamentais de clivagem, na disputa presidencial de 2010. É
uma conseqüência natural da mudança da posição do Brasil, dentro do
sistema internacional, que cria novas oportunidades e desafios cada vez
maiores, exigindo uma grande capacidade de inovação política e
diplomática dos seus governantes.
Neste novo contexto, o que
chama a atenção do observador, é a pobreza das idéias e a mediocridade
dos argumentos conservadores quando discutem o presente e o futuro da
inserção internacional do Brasil. A cada dia aumenta o numero de
diplomatas aposentados, iniciantes políticos e analistas que batem
cabeça nos jornais e rádios, sem conseguir acertar o passo, nem definir
uma posição comum sobre qualquer dos temas que compõem a atual agenda
externa do país. Pode ser o caso do golpe militar em Honduras, ou da
entrada da Venezuela no Mercosul; da posição do Brasil na reunião de
Copehague ou na Rodada de Doha; da recente visita do presidente do Irã,
ou do acordo militar com a França; das relações com os Estados Unidos
ou da criação e do futuro da UNASUL.
Em quase todos os casos,
a posição dos analistas conservadores é passadista, formalista, e sem
consistência interna. Além disto, seus posicionamentos são pontuais e
desconexos, e em geral defendem princípios éticos de forma desigual e
pouco equânime. Por exemplo, criticam o programa nuclear do Irã, e o
seu desrespeito às decisões da comissão de energia atômica da ONU, mas
não se posicionam frente ao mesmo comportamento de Israel e do
Paquistão, que além do mais, são Estados que já possuem arsenais
atômicos, que não assinaram o Tratado de Não Proliferação de Armas
Atômicas, e que tem governos sob forte influência de grupos religiosos
igualmente fanáticos e expansivos.
Ainda na mesma linha,
criticam o autoritarismo e o continuísmo "golpista" da Venezuela,
Equador e Bolívia, mas não dizem o mesmo da Colômbia, ou de Honduras;
criticam o desrespeito aos direitos humanos na China ou no Irã, e não
costumam falar da Palestina, do Egito ou da Arábia Saudita, e assim por
diante. Mas o que é mais grave, quando se trata de políticos e
diplomatas, é o casuísmo das suas análises e dos seus julgamentos, e a
ausência de uma visão estratégica e de longo prazo, para a política
externa de um Estado que é hoje uma "potência emergente".
Como
explicar esta súbita indolência mental das forças conservadoras, no
Brasil? Talvez, recorrendo à própria história das idéias e das posições
dos governos brasileiros que mantiveram, desde a independência, uma
posição político-ideológica e um alinhamento internacional muito claro
e fácil de definir. Primeiro, com relação à liderança econômica e
geopolítica da Inglaterra, no século XIX, e depois, no século XX – e em
particular após à Segunda Guerra Mundial – com relação à tutela
norte-americana, durante o período da Guerra Fria. O inimigo comum era
claro, a complementaridade econômica era grande, e os Estados Unidos
mantiveram com mão de ferro, a liderança ética e ideológica do "mundo
livre".
Depois do fim Guerra Fria, os governos que se seguiram
adotaram as políticas neoliberais preconizadas pelos Estados Unidos e
se mantiveram alinhados com a utopia "cosmopolita" do governo Clinton.
A visão era idílica e parecia convincente: a globalização econômica e
as forças de mercado produziriam a homogeneização da riqueza e do
desenvolvimento, e estas mudanças econômicas contribuíram para o
desaparecimento dos "egoísmos nacionais", e para a construção de um
governo democrático e global, responsável pela paz dos mercados e dos
povos. Mas como é sabido, este sonho durou pouco, e a velha utopia
liberal – ressuscitada nos anos 90 – perdeu força e voltou para a
gaveta, junto com a política externa subserviente dos governos
brasileiros, daquela década.
Depois de 2001, entretanto, o
"idealismo cosmopolita" da era Clinton foi substituído pelo
"messianismo quase religioso" da era Bush, que seguiu defendendo ainda
por um tempo o projeto ALCA, que vinha da Administração Clinton. Mas
depois da rejeição sul-americana do projeto, e depois da falência do
Consenso de Washington e do fracasso da intervenção dos Estados Unidos
a favor do golpe militar na Venezuela, de 2002, a política externa
americana para a América do Sul ficou à deriva, e os Estados Unidos
perderam a liderança ideológica do continente, apesar de manterem sua
supremacia militar e sua centralidade econômica. Neste mesmo período,
as forças conservadoras foram sendo desalojadas do poder, no Brasil e
em quase toda a América do Sul. Mas apesar disto, durante algum tempo,
ainda seguiram repetindo a sua ladainha ideológica neoliberal.
O
golpe de morte veio depois, com e eleição de Barak Obama. O novo
governo democrata deixou para trás o idealismo cosmopolita e o
messianismo religioso dos dois governos anteriores, e assumiu uma
posição realista e pragmática, em todo mundo. Seu objetivo tem sido em
todos os casos, manter a presença global dos Estados Unidos, com
políticas diferentes para cada região do mundo. Para a América do Sul
sobrou muito pouco, quase nada, como estratégia e como referência
doutrinária, apenas uma vaga empatia racial e um anti-populismo
requentado. Como conseqüência, agora sim, nossos conservadores perderam
a bússola. Ainda tentam seguir a pauta norte-americana, mas não está
fácil, porque ela não é clara, não é moralista, nem é binária. Por
isto, agora só lhes resta pensar com a própria cabeça para sobrevier
politicamente. Mas isto não é fácil, toma tempo, e demanda um longo
aprendizado.
José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Artigo publicado orinalmente em www.cartamaior.com.br