Aldeia Nagô
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O discurso de Lula em Davos

12 - 17 minutos de leituraModo Leitura

Abaixo reproduzo o discurso do Lula para Davos, lido pelo Amorim. Há partes
que emocionam. O discurso que o presidente Lula não leu em Davos (mas que foi lido pelo
chanceler Celso Amorim), conforme reprodução do Vermelho:






"Minhas senhoras e meus senhores,

Em primeiro lugar, agradeço o prêmio "Estadista Global" que vocês estão me
concedendo. Nos últimos meses, tenho recebido alguns dos prêmios e títulos mais
importantes da minha vida. Com toda sinceridade, sei que não é exatamente a mim
que estão premiando – mas ao Brasil e ao esforço do povo brasileiro. Isso me
deixa ainda mais feliz e honrado. Recebo este prêmio, portanto, em nome do
Brasil e do povo do meu país. Este prêmio nos alegra, mas, especialmente, nos
alerta para a grande responsabilidade que temos.

Ele aumenta minha responsabilidade como governante, e a responsabilidade do
meu país como ator cada vez mais ativo e presente no cenário mundial. Tenho
visto, em várias publicações internacionais, que o Brasil está na moda.
Permitam-me dizer que se trata de um termo simpático, porém inapropriado.

O modismo é coisa fugaz, passageira. E o Brasil
quer e será ator permanente no cenário do novo mundo. O Brasil, porém, não quer
ser um destaque novo em um mundo velho. A voz brasileira quer proclamar, em
alto e bom som, que é possível construir um mundo novo. O Brasil quer ajudar a
construir este novo mundo, que todos nós sabemos, não apenas é possível, mas
dramaticamente necessário, como ficou claro, na recente crise financeira
internacional – mesmo para os que não gostam de mudanças.

Meus senhores e minhas senhoras,

O olhar do mundo hoje, para o Brasil, é muito diferente daquele, de sete
anos atrás, quando estive pela primeira vez em Davos. Naquela época, sentíamos
que o mundo nos olhava mais com dúvida do que esperança. O mundo temia pelo
futuro do Brasil, porque não sabia o rumo exato que nosso país tomaria sob a
liderança de um operário, sem diploma universitário, nascido politicamente no
seio da esquerda sindical. Meu olhar para o mundo, na época, era o contrário do
que o mundo tinha para o Brasil. Eu acreditava, que assim como o Brasil estava
mudando, o mundo também pudesse mudar.

No meu discurso de 2003, eu disse, aqui em Davos, que o Brasil iria
trabalhar para reduzir as disparidades econômicas e sociais, aprofundar a
democracia política, garantir as liberdades públicas e promover, ativamente, os
direitos humanos. Iria, ao mesmo tempo, lutar para acabar sua dependência das
instituições internacionais de crédito e buscar uma inserção mais ativa e
soberana na comunidade das nações. Frisei, entre outras coisas, a necessidade
de construção de uma nova ordem econômica internacional, mais justa e
democrática. E comentei que a construção desta nova ordem não seria apenas um
ato de generosidade, mas, principalmente, uma atitude de inteligência política.

Ponderei ainda que a paz não era só um objetivo moral, mas um imperativo de
racionalidade. E que não bastava apenas proclamar os valores do humanismo. Era necessário
fazer com que eles prevalecessem, verdadeiramente, nas relações entre os países
e os povos. Sete anos depois, eu posso olhar nos olhos de cada um de vocês – e,
mais que isso, nos olhos do meu povo – e dizer que o Brasil, mesmo com todas as
dificuldades, fez a sua parte. Fez o que prometeu. Neste período, 31 milhões de
brasileiros entraram na classe média e 20 milhões saíram do estágio de pobreza
absoluta. Pagamos toda nossa dívida externa e hoje, em lugar de sermos
devedores, somos credores do FMI.

Nossas reservas internacionais pularam de 38 bilhões para cerca de 240
bilhões de dólares. Temos fronteiras com 10 países e não nos envolvemos em um
só conflito com nossos vizinhos. Diminuímos, consideravelmente, as agressões ao
meio ambiente. Temos e estamos consolidando uma das matrizes energéticas mais
limpas do mundo, e estamos caminhando para nos tornar a quinta economia
mundial. Posso dizer, com humildade e realismo, que ainda precisamos avançar
muito. Mas ninguém pode negar que o Brasil melhorou.

O fato é que Brasil não apenas venceu o desafio de crescer economicamente e
incluir socialmente, como provou, aos céticos, que a melhor política de
desenvolvimento é o combate à pobreza. Historicamente, quase todos governantes
brasileiros governaram apenas para um terço da população. Para eles, o resto
era peso, estorvo, carga. Falavam em arrumar a casa. Mas como é possível
arrumar um país deixando dois terços de sua população fora dos benefícios do
progresso e da civilização?

Alguma casa fica de pé, se o pai e a mãe relegam ao abandono os filhos mais
fracos, e concentram toda atenção nos filhos mais fortes e mais bem aquinhoados
pela sorte? É claro que não. Uma casa assim será uma casa frágil, dividida pelo
ressentimento e pela insegurança, onde os irmãos se vêem como inimigos e não
como membros da mesma família. Nós concluímos o contrário: que só havia sentido
em governar, se fosse governar para todos. E mostramos que aquilo que,
tradicionalmente, era considerado estorvo, era, na verdade, força, reserva, energia
para crescer.

Incorporar os mais fracos e os mais necessitados à economia e às políticas
públicas não era apenas algo moralmente correto. Era, também, politicamente
indispensável e economicamente acertado. Porque só arrumam a casa, o pai e a
mãe que olham para todos, não deixam que os mais fortes esbulhem os mais
fracos, nem aceitam que os mais fracos conformem-se com a submissão e com a
injustiça. Uma casa só é forte quando é de todos – e nela todos encontram
abrigo, oportunidades e esperanças.

Por isso, apostamos na ampliação do mercado interno e no aproveitamento de
todas as nossas potencialidades. Hoje, há mais Brasil para mais brasileiros.
Com isso, fortalecemos a economia, ampliamos a qualidade de vida do nosso povo,
reforçamos a democracia, aumentamos nossa auto-estima e amplificamos nossa voz
no mundo.

Minhas senhoras e meus senhores,

O que aconteceu com o mundo nos últimos sete anos? Podemos dizer que o
mundo, igual ao Brasil, também melhorou? Não faço esta pergunta com soberba.
Nem para provocar comparações vantajosas em favor do Brasil. Faço esta pergunta
com humildade, como cidadão do mundo, que tem sua parcela de responsabilidade
no que sucedeu – e no que possa vir a suceder com a humanidade e com o nosso
planeta. Pergunto: podemos dizer que, nos últimos sete anos, o mundo caminhou
no rumo da diminuição das desigualdades, das guerras, dos conflitos, das
tragédias e da pobreza?

Podemos dizer que caminhou, mais vigorosamente, em direção a um modelo de
respeito ao ser humano e ao meio ambiente? Podemos dizer que interrompeu a
marcha da insensatez, que tantas vezes parece nos encaminhar para o abismo
social, para o abismo ambiental, para o abismo político e para o abismo moral?
Posso imaginar a resposta sincera que sai do coração de cada um de vocês,
porque sinto a mesma perplexidade e a mesma frustração com o mundo em que
vivemos. E nós todos, sem exceção, temos uma parcela de responsabilidade nisso
tudo.

Nos últimos anos, continuamos sacudidos por guerras absurdas. Continuamos
destruindo o meio-ambiente. Continuamos assistindo, com compaixão hipócrita, a
miséria e a morte assumirem proporções dantescas na África. Continuamos vendo,
passivamente, aumentar os campos de refugiados pelo mundo afora. E vimos, com
susto e medo, mas sem que a lição tenha sido corretamente aprendida, para onde
a especulação financeira pode nos levar.

Sim, porque continuam muitos dos terríveis efeitos da crise financeira
internacional, e não vemos nenhum sinal, mais concreto, de que esta crise tenha
servido para que repensássemos a ordem econômica mundial, seus métodos, sua
pobre ética e seus processos anacrônicos.

Pergunto: quantas crises serão necessárias para mudarmos de atitude? Quantas
hecatombes financeiras teremos condições de suportar até que decidamos fazer o
óbvio e o mais correto? Quantos graus de aquecimento global, quanto degelo,
quanto desmatamento e desequilíbrios ecológicos serão necessários para que
tomemos a firme decisão de salvar o planeta?

Meus senhores e minhas senhoras,

Vendo os efeitos pavorosos da tragédia do Haiti, também pergunto: quantos
Haitis serão necessários para que deixemos de buscar remédios tardios e
soluções improvisadas, ao calor do remorso? Todos nós sabemos que a tragédia do
Haiti foi causada por dois tipos de terremotos: o que sacudiu Porto Príncipe,
no início deste mês, com a força de 30 bombas atômicas, e o outro, lento e
silencioso, que vem corroendo suas entranhas há alguns séculos.

Para este outro terremoto, o mundo fechou os olhos e os ouvidos. Como
continua de olhos e ouvidos fechados para o terremoto silencioso que destrói
comunidades inteiras na África, na Ásia, na Europa Oriental e nos países mais
pobres das Américas. Será necessário que o terremoto social traga seu epicentro
para as grandes metrópoles européias e norte-americanas para que possamos tomar
soluções mais definitivas?

Um antigo presidente brasileiro dizia, do alto de sua aristocrática
arrogância, que a questão social era uma questão de polícia. Será que não é
isso que, de forma sutil e sofisticada, muitos países ricos dizem até hoje,
quando perseguem, reprimem e discriminam os imigrantes, quando insistem num
jogo em que tantos perdem e só poucos ganham? Por que não fazermos um jogo em
que todos possam ganhar, mesmo que em quantidades diversas, mas que ninguém
perca no essencial?

O que existe de impossível nisso? Por que não caminharmos nessa direção, de
forma consciente e deliberada e não empurrados por crises, por guerras e por
tragédias? Será que a humanidade só pode aprender pelo caminho do sofrimento e
do rugir de forças descontroladas? Outro mundo e outro caminho são possíveis.
Basta que queiramos. E precisamos fazer isso enquanto é tempo.

Meus senhores e minhas senhoras,

Gostaria de repetir que a melhor política de desenvolvimento é o combate à
pobreza. Esta também é uma das melhores receitas para a paz. E aprendemos, no
ano passado, que é também um poderoso escudo contra crise. Esta lição que o
Brasil aprendeu, vale para qualquer parte do mundo, rica ou pobre. Isso
significa ampliar oportunidades, aumentar a produtividade, ampliar mercado e
fortalecer a economia. Isso significa mudar as mentalidades e as relações. Isso
significa criar fábricas de emprego e de cidadania.

Só fomos bem sucedidos nessas tarefas porque recuperamos o papel do Estado
como indutor do desenvolvimento e não nos deixamos aprisionar em armadilhas
teóricas – ou políticas – equivocadas sobre o verdadeiro papel do estado. Nos
últimos sete anos, o Brasil criou quase 12 milhões de empregos formais. Em
2009, quando a maioria dos países viu diminuir os postos de trabalhos, tivemos
um saldo positivo de cerca de um milhão de novos empregos.

O Brasil foi um dos últimos países a entrar na crise e um dos primeiros a
sair. Por que? Porque tínhamos reorganizado a economia com fundamentos sólidos,
com base no crescimento, na estabilidade, na produtividade, num sistema
financeiro saudável, no acesso ao crédito e na inclusão social. E quando os
efeitos da crise começaram a nos alcançar, reforçamos, sem titubear, os
fundamentos do nosso modelo e demos ênfase à ampliação do crédito, à redução de
impostos e ao estímulo do consumo.

Na crise ficou provado, mais uma vez, que são os pequenos que estão
construindo a economia de gigante do Brasil. Este talvez seja o principal
motivo do sucesso do Brasil: acreditar e apoiar o povo, os mais fracos e os
pequenos. Na verdade, não estamos inventando a roda. Foi com esta força motriz
que Roosevelt recuperou a economia americana depois da grande crise de 1929. E
foi com ela que o Brasil venceu preventivamente a última crise internacional.

Mas, nos últimos sete anos, nunca agimos de forma improvisada. A gente sabia
para onde queria caminhar. Organizamos a economia sem bravatas e sem sustos,
mas com um foco muito claro: crescer com estabilidade e com inclusão.
Implantamos o maior programa de transferência de renda do mundo, o Bolsa
Família, que hoje beneficia mais de 12 milhões de famílias. E lançamos, ao
mesmo tempo, o Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, maior conjunto de
obras simultâneas nas áreas de infra-estrutura e logística da história do país,
no qual já foram investidos 213 bilhões de dólares e que alcançará, no final do
ano de 2010, um montante de 343 bilhões.

Volto ao ponto central: estivemos sempre atentos às politicas
macro-econômicas, mas jamais nos limitamos às grandes linhas. Tivemos a
obsessão de destravar a máquina da economia, sempre olhando para os mais
necessitados, aumentando o poder de compra e o acesso ao crédito da maioria dos
brasileiros. Criamos, por exemplo, grandes programas de infra-estrutura social
voltados exclusivamente para as camadas mais pobres. É o caso do programa Luz
para Todos, que levou energia elétrica, no campo, para 12 milhões de pessoas e
se mostrou um grande propulsor de bem estar e um forte ativador da economia.

Por exemplo: para levar energia elétrica a 2 milhões e 200 mil residências
rurais, utilizamos 906 mil quilômetros de cabo, o suficiente para dar 21 voltas
em torno do planeta Terra. Em contrapartida, estas famílias que passaram a ter
energia elétrica em suas casas, compraram 1,5 milhão de televisores, 1,4 milhão
de geladeiras e quantidades enormes de outros equipamentos.

As diversas linhas de microcrédito que criamos, seja para a produção, seja
para o consumo, tiveram igualmente grande efeito multiplicador. E ensinaram aos
capitalistas brasileiros que não existe capitalismo sem crédito. Para que vocês
tenham uma idéia, apenas com a modalidade de "crédito consignado", que tem como
garantia o contracheque dos trabalhadores e aposentados, chegamos a fazer girar
na economia mais 100 bilhões de reais por mês. As pessoas tomam empréstimos de
50 dólares, 80 dólares para comprar roupas, material escolar, etc, e isto ajuda
ativar profundamente a economia.

Minhas senhoras e meus senhores,

Os desafios enfrentados, agora, pelo mundo são muito maiores do que os
enfrentados pelo Brasil. Com mudanças de prioridades e rearranjos de modelos, o
governo brasileiro está conseguindo impor um novo ritmo de desenvolvimento ao
nosso país. O mundo, porém, necessita de mudanças mais profundas e mais complexas.
E elas ficarão ainda mais difíceis quanto mais tempo deixarmos passar e quanto
mais oportunidades jogarmos fora. O encontro do clima, em Copenhague, é um
exemplo disso. Ali a humanidade perdeu uma grande oportunidade de avançar, com
rapidez, em defesa do meio-ambiente.

Por isso cobramos que cheguemos com o espírito desarmado, no próximo
encontro, no México, e que encontremos saídas concretas para o grave problema
do aquecimento global. A crise financeira também mostrou que é preciso uma
mudança profunda na ordem econômica, que privilegie a produção e não a
especulação. Um modelo, como todos sabem, onde o sistema financeiro esteja a
serviço do setor produtivo e onde haja regulações claras para evitar riscos
absurdos e excessivos.

Mas tudo isso são sintomas de uma crise mais profunda, e da necessidade de o
mundo encontrar um novo caminho, livre dos velhos modelos e das velhas
ideologias. É hora de re-inventarmos o mundo e suas instituições. Por que
ficarmos atrelados a modelos gestados em tempos e realidades tão diversas das
que vivemos? O mundo tem que recuperar sua capacidade de criar e de sonhar. Não
podemos retardar soluções que apontam para uma melhor governança mundial, onde
governos e nações trabalhem em favor de toda a humanidade.

Precisamos de um novo papel para os governos. E digo que, paradoxalmente,
este novo papel é o mais antigo deles: é a recuperação do papel de governar.
Nós fomos eleitos para governar e temos que governar. Mas temos que governar
com criatividade e justiça. E fazer isso já, antes que seja tarde. Não sou
apocalíptico, nem estou anunciando o fim do mundo. Estou lançando um brado de
otimismo. E dizendo que, mais que nunca, temos nossos destinos em nossas mãos.
E toda vez que mãos humanas misturam sonho, criatividade, amor, coragem e
justiça elas conseguem realizar a tarefa divina de construir um novo mundo e
uma nova humanidade.

Muito obrigado."

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