Aldeia Nagô
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O endividamento das famílias, por Delfim Netto

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Meu compadre Zé, sujeito arretado, trabalhador honesto e temente a Deus, ganha com seu trabalho duro cerca de R$ 1.200 por mês. Pagava R$ 200 de aluguel. Cuidadoso, não tinha qualquer dívida. Não constava nas estatísticas dos bancos e muito menos na de devedores duvidosos.

Foi tentado pelo Diabo. Comprou uma residência no programa Minha Casa, Minha Vida e hoje paga R$ 200 de prestação. De acordo com a mistificação estatística a que todos somos sujeitos, o Zé está agora altamente endividado! Num fechar de olhos, passou de virtuoso não devedor a um suspeito inadimplente potencial que deve 20% da sua renda! Pobre do Zé. Quem mandou ser ambicioso!

Isso não é uma parábola. Há milhares de Zés “exagerando” no crédito porque essa é a sua “riqueza”! Isso impressionou alguns economistas locais e acabou sendo ouvido em Basileia. Foi expresso no relatório anual do Bank of International Settlements, o famoso BIS.

O assunto causou comoção. Os economistas do BIS contam-se entre os mais bem apetrechados do mundo. E justamente. Sempre mantiveram distância da vertigem cientificista. De fato, em 2005/2006, seus trabalhos deixavam claro que a aparente calmaria que o Fed atribuía às virtudes da sua política monetária escondia perigos insuspeitados.

Eles e mais meia dúzia de bons profissionais alertaram para a crise que se construía num sistema financeiro cuidadosamente desregulado em nome de uma suposta “ciência”. É preciso, portanto, ouvi-los quando falam.

O aumento do endividamento das famílias no Brasil é mencionado ligeiramente nas págs. 26 a 30 do relatório, sempre com muito cuidado. Não há qualquer observação com conotação negativa. Aliás, a comparação das taxas de crescimento da relação crédito/PIB é tratada corretamente: “O rápido crescimento do crédito não é necessariamente ruim. Os sistemas financeiros de alguns países emergentes ainda são relativamente subdesenvolvidos e muitas famílias e empresas estão fora deles. Assim, o rápido crescimento do crédito pode refletir tanto um desenvolvimento financeiro quanto um excesso” (pág. 28).

Como deveria ser óbvio, o aumento da relação crédito/PIB de 25% para 50% em poucos anos no Brasil não pode e não deve ser considerado um “excesso”, porque ainda temos uma das menores bancarizações do mundo. E como aumentá-la senão fazendo o crédito crescer mais do que o PIB?

Houve, seguramente, algum excesso no setor de automóveis que foi agravado pela imbecilidade que atingiu o sistema de leasing. O que ninguém falou é que na pág. 30 do relatório (gráfico III.7) o BIS mostra a higidez do sistema bancário brasileiro.

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