Aldeia Nagô
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O fim da educação por Nelson Pretto

4 - 6 minutos de leituraModo Leitura

A vida de pesquisador
nas universidades está ficando cada dia mais estranha. Quando comecei minha
vida acadêmica no Instituto de Física da Universidade Federal da Bahia, recebi
logo na chegada um lugarzinho, uma sala com ar condicionado, escrivaninha,
cadeira, máquina de datilografar, um telefone – que na verdade não funcionava
lá muito bem! -, papel e caneta.



Os livros, estavam na biblioteca ou os
comprávamos, porque também não se publicava tanto quanto hoje. Dividia a sala
com mais um colega e, dessa forma, fazia minhas pesquisas sobre o ensino de
ciências e dava aulas na graduação. Depois, passei a integrar o corpo docente
da pós-graduação em Educação e, também por lá, sem nenhum luxo e bem menos
infra, tinha as condições mínimas para pesquisar sobre a qualidade dos livros
didáticos, campo inicial de pesquisa na minha vida universitária.

O tempo foi
passando e a universidade foi se especializando no seu novo jeito de ser. Foi
crescendo e ganhando força a pós-graduação, apareceram os grupos de pesquisas
que passaram a ser cadastrados no CNPq, surgiu o Currículo Lattes – o Orkut da
academia -, a CAPES intensificou a avaliação da pós-graduação e… a guerra
começou. Com as demandas para a pesquisa cada dia sendo maiores e o com os
recursos minguando (o Brasil investe em C&T apenas 1,2% do PIB enquanto os
Estados Unidos, por exemplo, investem 2,7%), a avaliação da produtividade –
palavrinha estranha no campo da pesquisa científica, não?! – ganha corpo, no
Brasil e no mundo. "Publicar ou perecer" virou o mantra de todo
professor-pesquisador. Mais do que isso, nas universidades não temos mais
aquelas condições básicas dadas pela própria instituição já que, de um lado,
ela foi perdendo cada vez mais seu orçamento de custeio e, de outro, as
demandas aumentaram muito uma vez que, mesmo na área das Humanas, necessitamos
de muito mais tecnologia. Por conta disso, temos que, literalmente,
"correr atrás" de recursos através dos chamados editais. Assim, cada
grupo de pesquisa vive em função de sua capacidade de captação de recursos –
quem diria que estaríamos falando assim, não é?! – e transformaram-se em
verdadeiros setores administrativos nas universidades. Demandam secretários,
contadores (esses, seguramente, os mais importantes!), administradores,
bibliotecários, constituindo-se em um verdadeiro aparato burocrático para dar
conta das cobranças formais de cada um destes editais e de suas famigeradas
prestações de contas.

Pois quando
pensamos que já estávamos no limite, e os colegas Waldemar Sguissardi e João
dos Reis da Silva Jr com o seu "O trabalho intensificado nas
Federais" mostraram bem o fundo do poço, sabemos através do colega Manoel
Barral-Neto no seu blog "Sciencia totum circumit orbem" que
pesquisadores chineses estão recebendo um "estímulo" equivalente a 50
mil reais para publicar suas pesquisas nas revistas de "alto impacto"
científico, a exemplo da Science. Nos comentários que se seguiram ao texto,
tomamos conhecimento com a postagem de Renato J. Ribeiro que a Universidade
Estadual Paulista (UNESP) está dando um prêmio de cerca de 15 mil reais para
quem publicar na Science ou Nature, duas revistas de alto "fator de
impacto".

Também de São
Paulo outra noticia veio à tona recentemente: o resultado da última avaliação
realizada pelo Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São
Paulo (Saresp) apontou que os estudantes não se deram muito bem na avaliação de
2010. É com base no rendimento dos alunos que os professores da rede estadual
paulista recebem uma gratificação – um bônus – no seu salário, num esquema
denominado "pagamento por performace", implantando no Estado
supostamente para "estimular" a melhoria da educação paulista. O que
se viu com os últimos resultados é que essa estratégia não funcionou.

E não funcionou
porque esse não pode ser o foco da avaliação da educação. A educação, em todos
os níveis, precisa ser fortalecida, mas não como o espaço da competição e sim
como um espaço de formação de valores, da colaboração e da ética. Em qualquer
dos seus níveis, a educação precisa ser compreendida como um direito de todo o
cidadão e que não pode ser trocada por uns trocados.

Lembro Milton
Santos: "essa ideia de que a universidade é uma instituição como qualquer
outra, o que inclui até mesmo a sua associação com o mercado, dificulta muito
esse exercício de pensar". De fato, com um dinheirinho extra por cada
publicação, com um novo edital disponível para o próximo projeto, com a
avaliação da CAPES na pós-graduação batendo às portas, deixando todos de cabelo
em pé, e com a lógica do "publicar ou perecer", parece que estamos
chegando perto do fim da universidade enquanto espaço do pensar e do criar
conceitos. Viramos, pura e simplesmente, o espaço da reprodução do instituído.
E isso é, no
mínimo, lamentável. Na verdade, é o próprio fim da educação.

Nelson Pretto é professor e
já foi diretor (2000-2004 e 2004-2008) da Faculdade de Educação da Universidade
Federal da Bahia. Membro titular do Conselho de Cultura do Estado da Bahia. Físico,
mestre em Educação e Doutor em Comunicação.


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