O jornalismo dos patrões por Mino Carta
A mídia nativa tem, às vezes, o poder de me
espantar. Ou, por outra, me obriga a meditar sobre a serventia do jornalismo e
as responsabilidades que daí decorrem.
Leio o primeiro editorial da página 3 do Estadão de terça 11,
intitulado "Mais um escorregão de Dilma" (quais foram os anteriores?)
ministra-chefe da Casa Civil que "o prestimoso presidente (…) ungiu como
sucessora em potencial". Miram os obuses em Dilma Rousseff, contra Lula,
portanto. A ministra teria pedido, ainda em 2008, à então secretária da Receita
Federal, Lina Maria Vieira, para agilizar a auditoria do Fisco nas empresas da
família Sarney.
O editorial foi altamente representativo do comportamento de toda a mídia em
relação ao caso e lhe concedo a primazia em nome da antiguidade e da
importância das baterias. Decretam os senhores midiáticos que dona Lina era, e
é, o rosto da verdade, e o Estadão, naquele texto simbólico, alinhavou
à larga as razões do seu veredicto. Atendia às conclusões gerais dos demais
integrantes da comunidade jornalística, a bem do pensamento dos frequentadores
do privilégio e do ódio de classe.
"Mais um escândalo, enfim, que o lulismo tentará abafar." Últimas palavras,
famosas, do editorial do Estadão. A leitura forçou-me a perguntar aos
meus insubstituíveis botões: serei eu um lulista ao tentar uma análise isenta
do episódio, conforme o dever, creio, de todo jornalista? Por exemplo, uma
análise que parta da avaliação honesta das atitudes de dona Lina e de dona
Dilma. Era do conhecimento até dos paralelepípedos da antiga rua Augusta,
célebre artéria paulistana hoje asfaltada, que quem acusa deve provar.
Ocorre que dona Dilma nega in totum a acusação de dona Lina, e não
estamos a lidar com as alegres comadres de Windsor. Proclama o Estadão:
ao demitir a secretária da Receita, seu superior, o ministro da Fazenda, Guido
Mantega, teria confessado cumprir ordem que "veio de cima". Disse mesmo? Ou é
dona Lina quem diz? E por que, de todo modo, em cima estaria dona Dilma?
A mídia, seus patrões e editorialistas, colunistas, perdigueiros da informação,
não se permitiram e não se permitem exames de consciência em ocasiões múltiplas
e diversas. Cabe, desde 2003, semear pedras no caminho de Lula e, desde 2007,
de sua ungida a "sucessora em potencial". Vale então outra pergunta: a favor de
quem?
O governo Lula, na opinião de CartaCapital, não foi aquele que
esperávamos, mesmo assim saiu-se melhor do que os demais na pós-ditadura, e
bastariam a eleição e a reeleição do ex-metalúrgico para assinalar um divisor
de águas na história do País. Não é por acaso que o presidente é o mais popular
desde a fundação da República. Aos olhos da maioria pouco importa o que Lula
faz, importa quem ele é.
Em contrapartida, dona Dilma não é ex-operária. Se for candidata, os demais
concorrentes também não serão. Observem, contudo, como é apresentada a
possível, ou mesmo provável, candidatura da ex-ministra e senadora Marina
Silva. Ganha o transparente, simpático apoio da mídia, como a incentivá-la a
tomar a decisão final. Por quê? Para significar um contraponto à candidatura
Dilma e gerar uma profícua confusão na área.
CartaCapital sempre manifestou profundo respeito e apreço pela
senadora Marina, e lamentou sem meias palavras sua saída do governo. Trata-se,
na nossa opinião, de uma verdadeira dama em luta pelas melhores causas. Na
Presidência, inalcançável, acreditamos, nas condições atuais, honraria o
Brasil. Não se enganem, entretanto: sua candidatura será trombeteada por quem
se empenha pelo retorno do tucanato.
Quanto à presença de um passado mais ou menos burguês (não é o caso da
senadora) no currículo dos possíveis sucessores de Lula, este é, para todos
eles, um ponderável motivo de preocupação.
Artigo publicado originalmente na revista www.cartacapital.com.br