Aldeia Nagô
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O Julgamento da Verdade por Eduardo Guimarães

3 - 4 minutos de leituraModo Leitura

Nos dias que antecederam este texto,
enveredei por uma discussão tortuosa sobre a ditadura militar que se abateu
sobre o Brasil entre 1964 e 1985. Dessa discussão nasceu-me um sentimento que
pensava abrandado em meu coração, o da revolta com aqueles anos de chumbo.


Houve outras ditaduras neste país, mas esta
que aqui menciono seguramente é a única que, passado um quarto de século de seu
fim, ainda não foi digerida pela sociedade brasileira.

O Brasil tenta se manter no caminho pelo
qual enveredou em 1979 com a Lei da Anistia e continua à espera de que o tempo
passe para que aqueles que torturaram ou que foram torturados morram, levando
com eles a chacota que os entusiastas e integrantes da ditadura militar praticam
cotidianamente contra suas vítimas e contra aqueles que testemunharam aquele
horror.

Se continuarmos neste caminho,
atravessaremos décadas de rancor e de ignorância ao nos ser negado, enquanto
coletividade, o entendimento do que foi que fizeram com o país, o que abriria
uma porta, em algum lugar do futuro, para que energúmenos pisoteiem de novo a
democracia.

Não, não podemos esperar que o tempo passe
e que o Brasil esqueça de que um grupo de homens resolveu roubar a vontade de
toda uma nação para impor a ela suas taras totalitárias. O país precisa entender
isso e, para tanto, só uma decisão inquestionável da Justiça seria
suficiente.

Para que nada se investigue, os criminosos
que participaram do golpe e da ditadura e os criminosos que apoiaram e continuam
apoiando dissimuladamente aquilo tudo ergueram uma muralha retórica: só aceitam
julgar os torturadores se suas vítimas também forem julgadas por terem reagido à
usurpação do poder no Brasil.

Seria, claro, uma aberração jurídica a ser
imediatamente condenada pela comunidade internacional, como bem disseram membros
do governo envolvidos com a apuração da verdade sobre a ditadura nascida em 31
de março de 1964. Mas talvez materializar o absurdo seja a melhor forma de
desmascará-lo.

Os assassinos e torturadores remanescentes
da ditadura, bem como seus entusiastas, escudam-se nessa tese absurda com o
objetivo de que ninguém concorde com o que exigem para investigar, de forma que,
ao fim, tudo acabará ficando por isso mesmo. Talvez seja necessário, portanto,
entrar no jogo deles para derrotá-los.

O país deve reconstituir oficialmente tudo
que ocorreu a partir do momento em que o presidente João Goulart foi apeado à
força do poder. A Justiça deverá decidir se quem se opôs à ditadura foi ou não
membro de uma resistência legítima à violação da Carta Magna então vigente.
Também haverá que julgar se o golpe foi ilegal.

O Julgamento da Verdade que proponho não
resultaria em penalidades, mas em verdades. Todo aquele que seqüestrou,
torturou, roubou ou matou deverá ser acusado publicamente.

Saberemos que este ou aquele cidadão matou
um vigia de banco durante um assalto para financiar a resistência, mas saberemos
os nomes e cada ato dos degenerados da ditadura que torturaram, estupraram e
mataram cidadãos sob custódia do Estado.

Que se conte a estas e às próximas gerações
por que jovens de classe média, universitários, professores, sindicalistas,
jornalistas, intelectuais e tantos cidadãos até então sem envolvimento com
política pegaram em armas para lutar contra aquele regime
odioso.

Ao fim, poder-se-á mostrar, ao menos, a
verdade do que aconteceu durante aqueles anos de trevas. O Brasil sabendo da
verdade, os condenados pelos crimes de tortura e de estupro de prisioneiros sob
a guarda do Estado ficarão marcados para sempre pela vergonha de seus
atos.


Escrito por
Eduardo Guimarães às 22h12

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