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O julgamento de lula: a justiça na berlinda; Por Claudio Guedes

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Claudio_Guedes

O nome dele é Sérgio Moro, juiz de 1° Instância da 13° Vara Criminal Federal de Curitiba. Desde 2014 é responsável por julgar um dos maiores casos de corrupção da história do país, envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiros e políticos. Ação meritória que começou respeitando os ditames da Constituição e das leis.

Em paralelo à ação judicial, já engordada por uma imensa força tarefa de dezenas de procuradores e delegados federais, o ambiente politico no país fervia no final de 2014. As forças de centro-esquerda, tendo o PT na liderança, formando uma coligação com partidos de centro, fisiológicos, conquistavam pela quarta vez seguida o poder central, derrotando forças de centro-direita, lideradas pelo PSDB e seus tradicionais aliados do DEM (partido que sucedeu ao PFL, que por sua vez sucedeu à Arena).

Nesse momento, os mais uma vez derrotados perceberam o poder do “evento público” que se desenrolava em Curitiba capitaneado pelo jovem juiz, então com 42 anos. Com a cumplicidade da mídia hegemônica no país, liderada pela Rede Globo de Televisão, a ação judiciária foi “trabalhada” como um mega-evento e encenada com o fim expresso de ser divulgada à opinião pública. Coberturas ao vivo, arte especial na cobertura nacional, nomes de impacto em latim para as operações. O principal protagonista, um juiz de fala fina e imagem dura, foi transformado em celebridade, fabricada especialmente para glamourizar a ação da justiça, de forma a facilitar sua identificação com o homem médio, do povo, que passou a ver nele o sempre almejado caçador de corruptos.

A encenação ruidosa tinha como objetivo o não aprofundamento das investigações de combate à corrupção que levariam, se algum esforço fosse despendido nessa direção, à descoberta de uma prática de décadas na Petrobras. Prática envolvendo diversos partidos, em particular o PP e o PMDB, com uma participação menor do PT, e indícios fortes de envolvimento do PSDB desde 1996 e que sequer tinha cessado mesmo após o partido ser apeado do poder. No bojo das primeiras investigações despontou a figura do ex-senador tucano Sérgio Machado, que presidiu a Transpetro, subsidiária milionária da Petrobras, de 2003 a 2014. Sérgio Machado movimentou, em propinas, centenas de milhões de dólares para seus antigos companheiros e seus novos aliados do PMDB. Nunca foi preso e fez um acordo de delação premiada, praticamente secreto e para lá de generoso para si próprio, com a PGR.

A montagem do “circo” midiático da Lava-Jato, como foi batizada a operação, com participação da Veja, Isto É, Globo e Globo News, com a anuência e colaboração dos vazamentos de informações do juízo de Curitiba e de alguns procuradores da operação, a desviou da rota mais correta e centrou seus esforços na caça, sem limites, ao PT e seus dirigentes, a partir de ações espalhafatosas e em cima de delações carregadas de forte suspeição, que acabaram, na prática, por anistiar corruptos que lucraram milhões com seus crimes.

O objetivo, traçado politicamente pelos tucanos & democratas, liderados por FHC , Aécio Neves, Aloysio Nunes e Agripino Maia, com seus fortes aliados da mídia, era exortar a operação, fazer sangrar ou derrubar o governo eleito da presidente Dilma Rousseff e marginalizar o PT da vida nacional. Algo do tipo, “se as urnas insistem em oferecer sobrevida aos petistas, precisamos expulsá-los do poder a pontapés”.

Mesmo o segundo mandato de Dilma começando muito mal, com enormes dificuldades nos cenários econômico e político, seus adversários preferiram quebrar a norma republicana e forjaram justificativas para o impeachment da presidente. Tudo com a ajuda generosa de ações do juízo de Curitiba, algumas claramente ilegais, como a que grampeou e divulgou ligação telefônica com a presidente da República. O medo não era da recuperação dela, mas do cenário que despontava à sua sucessão com a volta ao poder da maior liderança popular petista.

O nome dele é Luiz Inácio “Lula” da Silva, líder maior do PT, ex-presidente da República. Muito popular, ao deixar o governo o fez com aprovação recorde (mais de 80%) e hoje, apesar de linchado dia sim, outro também, na mídia impressa e televisiva, lidera com grande folga a preferência às próximas eleições presidenciais.

Quem é Lula? Um ídolo fabricado? Uma falsa celebridade? Não. A grande liderança do mundo do trabalho no país, fez carreira vitoriosa nos anos 70 dirigindo o sindicato de metalúrgicos de São Bernardo do Campo, no cinturão industrial da Grande São Paulo, e depois fundou o maior partido de massas da República. Filho de pais pobres e analfabetos, Lula se consagrou como uma personalidade mundial a partir de seus mandatos. Político polêmico, como todos que atingem o ponto mais alto da carreira pública, Lula não pode, nem por seus inimigos, nem por seus adversários, ser desprezado. Escreveu e continua a escrever seu nome na história do país.

Por que virou alvo da Lava-Jato? Nunca trabalhou na Petrobras. Não há qualquer indício de participação direta sua em qualquer ação que beneficiou objetivamente uma ou outra empreiteira em negócios com a empresa. Não há, após uma investigação sem tréguas de quatro anos, por força-tarefa de inúmeros procuradores e delegados da PF, nenhuma evidência concreta de enriquecimento ilícito por parte dele ou da sua família.

Por que virou alvo do juiz Sérgio Moro da 1° Instância Federal de Curitiba? Porque a Lava-Jato – seguindo roteiro traçado pelos seus operadores – assumiu a tarefa de perseguição ao PT e, para tanto, a “cabeça a ser cortada” é a de sua liderança principal. Apenas por isso.

Montaram uma farsa banal. Foram buscar num suposto negócio, envolvendo um apartamento que o casal Lula tinha parcialmente adquirido no Guarujá (SP), a acusação que o ex-presidente teria recebido uma das coberturas do mesmo prédio como pagamento, em propina, por ações suas que beneficiaram a empreiteira OAS em contratos com a Petrobras.

Tudo desenhado de forma que a ação fosse parar em Curitiba, nas mãos do juiz celebridade. Como toda farsa fajuta, a armação não resiste a algumas perguntas simples. Se o ex-presidente recebeu a cobertura como propina por que não teve a sua posse? Nem a sua escritura? Nem o resultado em dinheiro de uma negociação que tenha realizado com a mesma? Alugou ou vendeu o apartamento? Recebeu como propina e não utilizou? Para nada?
Como que algo do gênero pode justificar uma ação de corrupção passiva e lavagem de dinheiro? Lavou o quê?

Com base na ação, onde, além da farsa, a defesa do ex-presidente foi continuamente destratada, e o juiz Sérgio Moro determinou uma inédita e vergonhosa condução coercitiva de um ex-presidente da República – que em nenhum momento se recusou a comparecer ao juízo quando convocado -, o magistrado condenou Lula a nove anos e seis meses de prisão.

No próximo dia 24/01, a ação será apreciada em segunda instância, pela 8° turma do TRF-4. O que os desembargadores Vitor Laus, Leandro Paulsen e Gebran Neto, que julgarão o caso, terão que fazer para manter a condenação de Lula? Algo muito além do malabarismo. Confirmar a condenação de Lula é colocar a justiça do país no papel de instrumento de perseguição a uma liderança política. Com um sério agravante. Uma liderança extremamente popular e reconhecida internacionalmente. Um disparate que tem tudo para desmoralizar não apenas o juízo de Curitiba e o TRF-4, mas, também, o país. Um desatino que, se cometido, lançará uma sombra negra sobre o futuro da democracia brasileira.

É quase impossível imaginar que, quase no final da segunda década do século XXI, estejamos enfrentando problemas dessa natureza, que desafiam os fundamentos do estado democrático de direito.

Juízes, procuradores, desembargadores e ministros deveriam ter a exata compreensão de que no regime democrático questões políticas devem ser resolvidas no âmbito da política, pelo povo, tal como previsto na Constituição. A legitimidade ou não das lideranças decorre do sufrágio universal. Assim como a legitimidade da justiça depende de que esta respeite regras, procedimentos e normas constitucionais vigentes.

Claudio Guedes pe empresário e professor universitário

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