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O Minotauro Global e o Sátiro Francês, por Fábio de Oliveira Ribeiro

7 - 9 minutos de leituraModo Leitura
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Uma das coisas mais interessantes sobre o livro de Yanis Varoufakis é sua capacidade de desafiar narrativas consensuais e fomentar debates que são evitados. A União Europeia, segundo a narrativa oficial, teria nascido de uma aspiração exclusivamente europeia:

 

No dia 9 de maio de 1950,[35] cinco anos após a rendição do regime nazi, Schuman lançou um apelo à Alemanha Ocidental e aos países europeus para que instituíssem uma única autoridade transnacional comum para administração das respectivas produções de aço e carvão.[36] Este discurso, conhecido como Declaração Schuman, foi acolhido de maneira díspar dentro dos governos europeus e marcou o início da construção europeia, ao ser a primeira proposta oficial concreta de integração europeia.[34] Ao submeter a produção das matérias-primas fundamentais à indústria bélica numa única autoridade, os países-membros da organização teriam grandes dificuldades em iniciar um conflito entre si.”

https://pt.wikipedia.org/wiki/Uni%C3%A3o_Europeia

Sempre que um europeu menciona a UE podemos ver os ecos das palavras de Schuman:

“O contributo que uma Europa viva e organizada pode dar à civilização é indispensável para a manutenção de relações pacificas. A França, ao assumir-se desde há mais de vinte anos como defensora de uma Europa unida, teve sempre por objetivo essencial servir a paz. A Europa não foi construída, tivemos a guerra.

Europa não se fará de uma só vez, nem numa construção de conjunto: far-se-á por meio de realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto. A união das nações europeias exige que seja eliminada a secular oposição entre a França e a Alemanha.”

https://pt.wikipedia.org/wiki/Declara%C3%A7%C3%A3o_Schuman

A ambição de construir a imagem de uma UE criada exclusivamente pela diplomacia europeia pode ser percebida, por exemplo, no seu website:

“Alguns visionários que passamos a enumerar inspiraram a criação da atual União Europeia. Sem a sua energia e motivação, não estaríamos a viver na esfera de paz e estabilidade que hoje consideramos como adquirida. De combatentes da resistência a advogados, os Pais Fundadores da UE formavam um grupo de personalidades provenientes de diferentes quadrantes que partilhavam o mesmo ideal: a criação de uma Europa pacífica, unida e próspera. Para além das personalidades aqui referidas, muitas outras inspiraram o projeto europeu e trabalharam de forma incansável com vista à sua realização A presente secção sobre os Pais Fundadores da UE está, por conseguinte, longe de ser exaustiva.”

https://europa.eu/european-union/about-eu/history_pt

Varoufakis desafia o consenso ao afirmar que quem criou a UE foram os norte-americanos.

“Os estudantes que têm de aprender sobre a integração europeia são ensinados que a União Europeia começou sua existência na forma da CECA. O que eles têm menos probabilidade de ouvir é o bem guardado segredo de que foram os Estados Unidos que persuadiram, forçaram, ameaçaram e seduziram os europeus para que ela fosse criada.” (O Minotauro Global, Yanis Varoufakis, Autonomia Literária, 2ª edição, São Paulo, 2017, p. 107)

Um pouco adiante, o autor grego afirma que:

“…a Alemanha Ocidental foi tirada da geladeira e a França gradualmente aceitou sua reindustrialização – um desenvolvimento essencial ao Plano Global dos new dealers. É irrefutável que, sem a mão orientadora dos Estados Unidos, a CECA não teria se materializado. Contrariamente à narrativa eurocentrista (para a qual a unificação europeia era um sonho tornado realidade graças à diplomacia europeia e a um forte desejo de deixar para trás o violento passado do continente), a realidade é que a integração foi uma grande ideia de Washington, implementada pela cúpula da diplomacia norte-americana. O fato de terem trazido para sua causa líderes europeus esclarecidos, como Schuman, não muda esta realidade.

Houve um político que viu isto claramente: o general Charles De Gaulle, futuro presente da França, que esteve prestes a se estapear com os Estados Unidos nos anos 1960 – tanto que tirou a França da ala militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Quando a CECA foi formada, De Gaulle condenou-a por se tratar de uma criação da Europa unida na forma de um cartel restritivo e, mais importante, numa criação americana mais apropriada a servir seu Plano Global do que a gerar uma base sólida para a Nova Europa. Por estas razões, De Gaulle e seus seguidores votaram contra a formação da CECA o parlamento francês.” (O Minotauro Global, Yanis Varoufakis, Autonomia Literária, 2ª edição, São Paulo, 2017, p. 108)

Como Varoufakis citou Charles De Gaulle vale a pena transcrever aqui as palavras daquele estadista francês. Para De Gaulle:

“Esta hora de la verdade pone de relieve el estado de debilidade en que Francia está aún sumida en relacion con los fines que ella persigue y con los cálculos interesados de los otros. Éstos van, con toda naturalidad, a sacar provecho de la situación para intentar coaccionarnos a propósito de los litígios en suspenso, o para relegarnos a un puesto secundario en el concierto que edificará la paz. Pero quiero esforzarme en no dejarles hacerlo. Aún más, creyendo que en el derrumbamiento de Alemania, el desgarramiento de Europa, el antagonismo russo-americano ofrecen a Francia, salvada de milagro, unas possibilidades de acción excepcionales, paréceme que el nuevo período me permitirá quizás empreender la ejecución del amplio plan que he forjado para mi país.

Garantizarle la seguridad de Europa occidental, impidiendo que un nuevo Reich pueda amenazarla de nuevo. Colaborar com el Oeste y el Este, concertar si es necessário, en uno u otro campo, las alianzas precisas, sin aceptar nunca ninguna clase de dependência. Para prevenir los riesgos, todavia vagos, de dislocación que la Unión Francesa se transforme progressivamente en una libre asociación. Hacer que se agrupen desde los puntos de vista político, económico y estratégico los Estados colindantes con el Rin, los Alpes, Los Pirineos. Hacer de esta organización una de las tres potencias planetarias y, si algún día es necesario, el árbitro entre los dos campos, soviético y anglosajón. Desde 1940, los que he podido hacer y decir reservaba esas posibilidades. Ahora que Francia está en pie, voy a intentar utilizarlas.” (Memorias de Guerra – La Salvacion [1944-1946], Charles De Gaulle, Luis de Caralt, Editor, Barcelona, 1970, p. 199/200)

As palavras de De Gaulle confirmam a tese de Varoufakis. Ao fim da II Guerra Mundial, o estadista francês imaginava a União Francesa como uma potência europeia livre da influência norte-americana e capaz de arbitrar os previsíveis conflitos entre os EUA e a URSS. A vitória da CECA no Parlamento da França equivaleu, portanto, a derrota do projeto de De Gaulle de realizar seu principal projeto.

Há séculos os norte-americanos cultuam os Pais Fundadores dos EUA. Eles fazem isso com uma reverência que não podia ser vista em nenhum outro país. Nesse sentido, o texto divulgado pelo website oficial da União Europeia homenageando seus Pais Fundadores da UE pode ser considerado um ato falho, uma confissão involuntária de que a Europa se transformou num puxadinho de Washington.

Sob a pressão da diplomacia norte-americana, que garantiu a criação da CECA na Europa e fomentou guerras de independência na África e na Ásia, a União Francesa imaginada por De Gaulle esfarelou nos anos 1950. Sob o controle do Minotauro Global em crise, porém, podemos ver um pequeno Sátiro Francês tocando sua flauta entre a França e a Guiana Francesa.

De Gaulle tinha uma visão nacional e foi derrotado. Correndo o risco de ser processado e encarcerado, Michel Temer não consegue vislumbrar nada além de sua própria salvação pessoal. Em troca da garantia de impunidade, o usurpador brasileiro transformou a Petrobras e as províncias petrolíferas do nosso litoral num puxadinho de Wall Street.

É verdade que os gringos estavam pressionando o Brasil desde 2012 http://economia.ig.com.br/empresas/2012-07-09/euforia-do-pre-sal-sucumbe-a-realidade-diz-wall-street-journal.html. Os norte-americanos rejeitavam a exigência de conteúdo local defendida por Dilma Rousseff e a primeira coisa que Michel Temer fez ao chegar ao poder foi destruir toda a cadeia produtiva brasileira ligada à exploração do Pré-Sal. Mas as coisas poderiam ter sido bem diferentes, se ao invés de sabotar o Brasil os gringos tivessem investido contra o sátiro francês.

A Guiana Francesa tem aproximadamente de 5 a 8 bilhões de barris de petróleo http://www.alem-do-amazonas.com/artigo/sociedad/petroleo-na-guiana-francesa/. As condições de exploração daquele petróleo são semelhantes às do Pré-Sal. Todavia, nenhum jornalista brasileiro parece ter notado que os norte-americanos não pressionaram a França para aumentar a prospecção de petróleo na Guiana Francesa com a mesma ousadia que eles utilizaram em relação ao Brasil.

Um ano antes de Wall Street cobiçar abertamente o nosso petróleo, o sátiro francês havia descoberto novas províncias petrolíferas em seu litoral http://br.rfi.fr/franca/20110909-franca-celebra-descoberta-de-petroleo-na-guiana-francesa. Só naquela região existem 15 bilhões de barris de petróleo http://g1.globo.com/mundo/noticia/2011/12/disputa-entre-venezuela-e-guiana-afeta-exploracao-energetica.html, ou seja, quase o dobro do que existe no litoral brasileiro.

O Sátiro Francês explora lentamente suas reservas de petróleo. Porque o Brasil não poderia fazer o mesmo? Porque nós não temos armas nucleares e os franceses tem? Isso explica a sanha persecutória contra o Almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva? Ele acredita que sim https://www.cartacapital.com.br/revista/975/almirante-othon-minha-condenacao-interessa-ao-sistema-internacional. A mim parece que ele tem razão, pois não confio mais num sistema de justiça que submeteu o Brasil totalmente aos interesses estrangeiros protegendo a quadrilha que assaltou o poder.

Artigo publicado originalmente em https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/o-minotauro-global-e-o-satiro-frances-por-fabio-de-oliveira-ribeiro

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