O modo SUV de dirigir. Por Marcelo Veras
Ouvi essa expressão de uma amiga e fiquei pensando na frase. Mais de uma vez pensei em ter um carrão, isso vem de minha infância, quando brincava de caminhões. É verdade que conduzir um caminhão é algo que nos torna cheio de poder.
O fato é que cresci, e me pergunto o que é o trânsito no mundo em que cada motorista tem seu caminhão particular.
As SUV, você não sabe o que é SUV? Aqueles carrões que fazem seu fiat palio 2009 parecer minhoca em terra de jiboia. São carros grandes, muito grandes, muitas vezes blindados, com o vidro escuro, que fazem do motorista um verdadeiro Transformer.
Conheço todos os argumentos para que alguem queira um carro desses. A cidade é violenta, é preciso se defender dos malucos que abusam da velocidade, dos ladrões, dos buracos na pista, dão uma sensação de que o pau é maior, de que nem preciso de um pau, de que sou rico, ou as pessoas vão pensar que eu melhorei de vida, e por aí vai…und so weiter…
Mas há efeitos colaterais. O modo SUV de dirigir é irresistível, pouco a pouco, esquecemos o tamanho menor das motos, dos carros pequenos, dos traseuntes, qualquer incômodo desses pequenos nos faz reagir de igual para igual. Só que não dá para ser igual quando se está em uma moto ou em uma Super SUV, as faixas das avenidas são estreitas, estar lado a lado com uma SUV em um carro pequeno é como estar em avião da LATAM, no banco do meio na fila 23, do lado de um simpático senhor de 130 quilos. A diferença é que ninguém compra 50 quilos a mais, mas o charme das SUVs, que são senhores de 130 quilos nas ruas, é irresistível. Com as propagandas lindas todo mundo quer ter um.
O que se perde com o modo SUV de dirigir? Vou mais além. O que se perde quando colocamos um filtro quase 100% negro em nossos carros? É que não mais dirigimos enxergando o outro de igual pra igual. Sequer vemos os outros, quer seja porque estamos altos demais, quer seja por que nossos vidros são escuros demais. E aí reside toda a tragédia. Quando não mais enxergamos o outro, tratamos o outro como se fosse feito do mesmo ferro de nossas máquinas. Uma coisa é um tapinha com nossas mãos, outra coisa é um tapinha com nossas SUVs. Não saberia dizer a estatística, mas tenho uma convicção. Quando o metal, quer seja dos revólveres, quer seja dos carros, se interpoem entre nosso olhar e o olhar de nosso outro/opositor, fica muito mais fácil derrubá-los com um tapa de ferro.
Daí que surge um fenômeno interessante aqui na Bahia, você pode mofar piscando que vai virar para a direita e ninguém te dá passagem, aí você abaixa o vidro e faz ???? com o polegar e imediatamente você consegue virar. Ou seja, é preciso lembrar ao motorista de traz que você é um humano gente boa, e não um opositor de vídeo game.
Marcelo Veras é Psicanalista