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O mundo não mudou, mudaram os protestos por Mariangela Paone

8 - 11 minutos de leituraModo Leitura

Há dez anos o movimento antiglobalização confrontou o G8 e teve um
final trágico em Gênova. Das grandes marchas se passou à mobilização
local. Seu espírito está nos "indignados" de Madri?

Uma cidade sitiada, dividida em zonas de segurança, com uma área
inexpugnável protegida por 20 mil policiais e soldados. Assim amanheceu
Gênova em 20 de julho de 2001, e horas depois, enquanto se realizava a
cúpula do G8, se consumou uma batalha urbana sem precedentes. A maior
manifestação do movimento antiglobalização, que reuniu mais de 150 mil
pessoas, acabou com centenas de feridos nos distúrbios e nos ataques
policiais e com uma vítima fatal: o jovem italiano Carlo Giuliani.

A violência daqueles dias marcou um antes e um depois naquela etapa de
mobilizações maciças contra os grandes símbolos do sistema econômico
internacional que começaram em Seattle em 1999. Uma década depois, o que
resta do movimento que marcou uma geração e que parecia ter
desaparecido depois de Gênova? Que relação há com a nova onda de
protesto que atravessa a Europa?

"Eles [os representantes do G8] modificaram sua encenação simbólica e
prática nesse tipo de evento nas grandes capitais, nos centros onde se
representava o poder. Em Gênova, com a cidade velha sitiada, parecia um
conflito medieval. O movimento, por sua vez, se reconfigurou, depois da
repressão aterrissou e rediscutiu muitas coisas. Defendeu baixar para o
nível local, sempre mirando o global", conta o ativista espanhol Chabier
Nogueras.

Suas palavras são quase as mesmas que Susan George utiliza. Como
vice-presidente da plataforma altermundista Attac e presidente do comitê
de planejamento do Instituto Transnacional de Amsterdã, foi uma das
referências do movimento e também esteve em Gênova naqueles dias: "As
coisas mudaram. Não houve mais manifestações imensas como aquela. Depois
da morte de Carlo Giuliani, as pessoas começaram a pensar que era
impossível se expor a essa violência. Começamos a trabalhar em grupos
menores sobre assuntos específicos. Mas depois de Gênova o movimento não
ficou mais frágil, só atuou de forma diferente. Menos mobilizações
maciças, mas mais trabalho em profundidade sobre o comércio, o
feminismo, a taxação de transações financeiras, a Europa e o
neoliberalismo".

Nogueras experimentou na primeira pessoa a violência que se viveu em
Gênova há dez anos. Havia chegado de Zaragoza à cidade italiana com um
grupo do Movimento de Resistência Global, e na noite de 21 para 22 de
julho se encontrava na escola Diaz, um instituto onde muitos
manifestantes se alojavam depois das marchas dos dias anteriores.
Durante a noite a polícia irrompeu, atacou as pessoas que dormiam na
escola e deteve dezenas delas. A decisão judicial do Tribunal de
Apelação de Gênova que condenou os agentes que realizaram a operação
inclui as consequências físicas que Nogueras sofreu: traumatismo
craniano, contusões em várias partes do corpo, lesão do perônio, lesões
graves com 40 dias de baixa. "O Ministério Público disse que o que
ocorreu ali foi uma luta global", lembra.

Segundo Enara Echart, pesquisadora do Instituto Universitário para o
Desenvolvimento e a Cooperação, da Universidade Complutense de Madri, e
autora de vários livros sobre os movimentos sociais e o movimento
antiglobalização, é verdade que Gênova acabou com um ciclo. "Houve um
recuo para uma estratégia que dava maior importância à proposta que ao
protesto. Não é que este desapareça, mas recua para o âmbito local. O
movimento antiglobalização em longo prazo precisava encontrar núcleos de
mobilização mais próprios de cada lugar."

A falta de propostas concretas era uma das críticas mais frequentes que
o movimento recebeu, a mesma que em certa medida se fez agora aos
indignados. Echart acredita que na época, assim como agora, a crítica se
baseia em um erro: "quando ocorrem mobilizações tão importantes,
tenta-se pedir demais, enquanto os processos políticos são muito mais
lentos. Os movimentos sociais, no momento em que se manifestam, já estão
fazendo política… O bonito, o politicamente mais interessante do
15-M, é seu caráter transversal. Não se pode exigir deles um programa
político, temos que deixar o processo agir".

A comparação entre o movimento antiglobalização, em todas as suas
expressões, e as manifestações que nos últimos meses chamaram a atenção
da mídia deixa como resultado muitos paralelos, mas também diferenças.
Uma é precisamente a transversalidade. "Sociologicamente, o movimento
dos indignados é mais transversal, e por isso os governos atuaram com
mais prudência. Muita gente se reúne voluntariamente. Mas retomam muitas
das questões que colocávamos, e sim há conexões internacionais, mas é
verdade que não parte, como então, de um trabalho internacional",
comenta Nogueras. Ele pensa que se o 15-M é mais transversal também é
porque, diante da crise econômica mundial, "os mesmos especialistas
reconhecem que o modelo fracassou" e é "muito mais simples que qualquer
um compreenda o que se diz".

A verdade é que os indignados têm um apoio popular que o movimento
antiglobalização não alcançou. Em seu último número, a revista "The
Economist", em um artigo sobre o movimento espanhol dos indignados, cita
o estudo apresentado em junho pela Havas Media, que calcula o apoio
popular em 80% dos cidadãos e define os indignados da Espanha como "os
manifestantes mais conscientizados da Europa": não atiram pedras, mas
conseguem que suas demandas calem na sociedade, afirma o semanário,
citando as declarações do candidato socialista Alfredo Pérez Rubalcaba a
favor de uma reforma eleitoral e o debate sobre as hipotecas.

"Não houve lançamento de pedras nem de gás lacrimogêneo", escreveu "The
Economist" sobre a última manifestação de 19 de julho. Isso ocorreu em
Seattle, em Gênova, em Gotemburgo, e as imagens de ações violentas de
uma minoria conquistaram toda a atenção. Ações que até o momento foram
alheias ao movimento dos indignados.

"Mas o que acontecerá se as demandas dos novos protestos não forem
atendidas?", pergunta-se Aitor, um dos espanhóis que sofreu o ataque à
escola Diaz em 2001 e que agora participa dos protestos contra os
despejos. "É verdade que se faz questão de manter o protesto em algumas
estratégias concretas, na ação direta não violenta. Mas se gerarem
situações de tensão é mais difícil saber o que pode acontecer", diz.

Vittorio Agnoletto foi o porta-voz do Fórum Social durante as jornadas
de Gênova em 2001. Sobre o que aconteceu naqueles dias, não acredita que
por parte do movimento haja algo a censurar — "fizemos tudo de forma
transparente e fomos vítimas de uma repressão decidida
internacionalmente", afirma –, mas diz que, se houve equívocos no
movimento, foi "o erro político, estratégico, de não ter conseguido
traduzir as grandes campanhas em questões da vida cotidiana que afetam
as pessoas. Mas em Gênova foi semeado um germe cujo resultado colhemos
na Itália há algumas semanas, com o referendo que rejeitou a
privatização da água e da energia nuclear". "Tínhamos razão quando
falamos que o modelo de desenvolvimento ameaçava a biosfera, quando
dizíamos que íamos enfrentar uma crise econômica gravíssima, com graves
consequências sociais. Agora a situação é muito pior que dez anos atrás.
Nestes dias organizamos uma exposição em Gênova sob o título de
Cassandra, o movimento previu através da análise o que aconteceria, mas
não conseguiu mudar o curso da história", diz Agnoletto, que hoje estará
na cidade italiana para as comemorações do décimo aniversário daquela
mobilização.

Nogueras também estará em Gênova, junto com sua companheira, que dentro
de alguns meses o tornará pai. Para falar do que aconteceu, para que
não se perca a memória do que a Anistia Internacional definiu em 2001
como "a mais grave suspensão dos direitos democráticos em um país
ocidental depois da Segunda Guerra Mundial". Foi antes do 11 de
Setembro. O que veio depois chegou a superar os trágicos dias de Gênova.

Em 2009, no prólogo da nova edição do livro de culto do movimento, "No
Logo", sua autora, Naomi Klein, refletia dez anos depois da publicação
de seu texto sobre o destino do movimento. "Em algumas partes do mundo,
em particular na América Latina, a onda de resistência se desenvolveu e
reforçou. Em alguns países os movimentos sociais cresceram o suficiente
para se unir aos partidos políticos, ganhando eleições nacionais e
estabelecendo um novo regime regional de comércio justo. Mas em outros
lugares o movimento desapareceu com o 11 de Setembro. Como se o que
sabíamos sobre a complexidade do corporativismo global – que todas as
injustiças do mundo não podem ser atribuídas só a um partido de direita,
a um Estado, independentemente de seu poder – tivesse desaparecido."
"Mas se há um momento para lembrar o que aprendemos no início do milênio
é agora", acrescenta.

Fatos do altermundismo

– O começo em Seattle. Em 30 de novembro de 1999, um
grupo de manifestantes bloqueou a entrada dos delegados da cúpula da
Organização Mundial do Comércio na cidade americana. O protesto
continuou durante os quatro dias da cúpula.

– Dos EUA para a Europa. Em abril de 2000 em
Washington, cerca de 3 mil pessoas tentaram abortar uma cúpula do Banco
Mundial e do FMI. Em setembro, 10 mil manifestantes se mobilizaram em
Praga contra as mesmas instituições. No dia 23 se organizou um encontro
entre representantes do movimento e do Banco Mundial, graças à mediação
do presidente checo Vaclav Havel.

– A época dos fóruns sociais. Em janeiro de 2001 em
Porto Alegre foi organizada a primeira contracúpula, enquanto em Davos
se reunia o Fórum Econômico Mundial. As primeiras três edições foram na
cidade brasileira. Depois vieram Mumbai, Caracas, Nairóbi, Belém e
Dacar.

– A batalha de Gênova. Em julho de 2001, por motivo do
G8, a cidade italiana recebeu mais de 150 mil pessoas. O que seria uma
marcha pacífica terminou com a morte do jovem de 23 anos Carlo Giuliani e
centenas de feridos. A cidade foi um campo de batalha.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Artigo publicado originalmente em El Pais – Espanha
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