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‘O pai tá on’: Lula volta à cena com discurso atualizado e tira esquerda ‘das cordas’ na comunicação. Por Yuri Silva

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YURI-SILVA

O retorno do ex-presidente Lula à cena política nacional trouxe, a reboque dele, um discurso atualizado da principal liderança política petista. Em 1 hora e 30 minutos de discurso e mais uma hora de entrevista coletiva à imprensa, o ex-presidente falou para os

brasileiros de forma sensível e conectada com angústias atuais de um povo que já perdeu mais de 260 mil vidas na pandemia – o que é digno de nota, para o PT e para a esquerda.

Ao fazer isso, Lula conversou direto com o povo, algo que há muito não se via no seu campo político, que pelo menos desde 2018 andava acuado diante das táticas de guerrilha usadas pelas milícias digitais bolsonaristas.

À despeito da predominância dos adversários nas redes sociais e nos veículos de imprensa ‘fake’ criados por eles para disseminar mentiras, o ex-presidente Lula ultrapassou a mera disputa pelo meio de transmissão da mensagem (tradicionais, modernos, WhatsApp, redes sociais ou imprensa).

O ex-presidente conseguiu entrelaçar seu primeiro discurso político de expressão após muitos anos com o sofrimento real das pessoas, evocando elementos como ‘trabalho, renda e emprego’, ‘combate à fome’, ‘vacina’, ‘educação’, entre outros gargalos e fragilidades do governo Jair Bolsonaro.

Diante da barbárie, acenou ao equilíbrio (inclusive ao defender uso de máscara, álcool em gel e o distanciamento social), mas também apostou no tom emocional e de auto identificação com as dores da população.

No estilo que o transformou na liderança mais carismática brasileira, independente de preferências ideológicas, o cacique do PT comparou-se diversas vezes aos afetados pela Covid-19, por exemplo, ao dizer que sua dor não chega nem perto do que sofre o povo brasileiro atualmente, “com a pandemia, com a perda dos entes queridos e com o medo”.

Deixando as disputas em segundo plano da retórica, em prol de um discurso moderado que é capaz de mobilizar e galvanizar sobretudo os decepcionados com a classe política, começou a trocar de marcha para dar um novo rumo à carreata que se seguirá até as eleições de 2022.

Foi somente a primeira aparição pública de Lula após o cancelamento das sentenças contra ele pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e relator da Operação Lava Jato, Edson Fachin, e o julgamento da 2ª Turma do Supremo que tornou ainda mais iminente a declaração da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro no âmbito dos processos contra o ex-presidente.

Apesar, disso, Lula já mostrou que é capaz de tirar a esquerda das cordas quando o assunto é comunicação. Afora as conexões com a conjuntura social atual, o que deve repetir e incrementar daqui em diante, também fez acenos a velhos conhecidos setores da sociedade, em nova roupagem.

Principalmente, abdicou do radicalismo que ostentava desde a prisão por mais de 500 dias na Carceragem da Polícia Federal (Curitiba), e que intensificou após ter sido solto, ao sinalizar a disposição de trabalhar para reconstruir o Brasil e “não guardar ódio e rancor”.

Agora principal opositor do presidente da República Jair Bolsonaro, Lula demonstrou que está disposto a deixar para trás velhos erros de comunicação da esquerda – ensimesmada, intelectualizada, desconectada do povo pobre e com cheiro de uma certa classe média da academia.

O ex-presidente deverá também falar mais para a juventude, nas periferias, no mundo digital e nas multi-telas, como brilhantemente fez Guilherme Boulos na campanha para a Prefeitura de São Paulo em 2020 – tarefa que é central em tempos de ‘desintermediação’ da informação e das interpretações sobre os fatos que ganham notoriedade pública.

Quem sabe assim, a esquerda agora coloca-se novamente no jogo da comunicação e dá menos brechas para o inimigo político utilizar contra ela a sua incapacidade, por vezes, de alcançar o lugar de pensamento do povo.

Lula com certeza tem potencial para ajudar seu campo ideológico a ganhar terreno sobre os meios tradicionais da ‘centro-direita’, que até então eram os mais competentes em se opor e confrontar o bolsonarismo.

E poderá o ex-presidente da República, se continuar encarnando uma posição equilibrada e conectada com as atualidades, ser a alternativa mais equilibrada defronte às fábricas digitais de ‘fake news’ do Gabinete do Ódio.

Mantendo a média e o acúmulo nesse quesito, pelo menos será um cabo eleitoral, se candidato não for, com condições de falar ao pé do ouvido do eleitor. Outros, como Ciro Gomes, já provaram que não saberão fazer.

Yuri Silva é jornalista formado pelo Centro Universitário Jorge Amado. É coordenador nacional do Coletivo de Entidades Negras (CEN) e coordenador de Direitos Humanos do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE), além de membro do Conselho Editorial do Mídia 4P. Foi repórter de Cidade, Política, Economia e outras editorias no jornal A TARDE; correspondente na Bahia do jornal O Estado de S. Paulo, o Estadão; além de ter colaborado para veículos como The Intercept Brasil, Jornalistas Livres, Conversa Afiada e Revista Piauí. Especializou-se na cobertura dos poderes Executivo e Legislativo e em pautas relacionadas à questão racial na sociedade de forma geral e na política. Também atua como consultor na área de comunicação política.

Artigo publicado originalmente em  https://midia4p.cartacapital.com.br/o-pai-ta-on-lula-volta-a-cena-com-discurso-atualizado-e-tira-esquerda-das-cordas-na-comunicacao/

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