Aldeia Nagô
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O poder da mídia em uma ordem cambaleante por Washington Araújo

6 - 9 minutos de leituraModo Leitura

Estará a mídia, a grande mídia,
preparada para promover novos conceitos de cidadania mundial, de paz
internacional, de apreço e defesa dos nossos esgotáveis recursos
naturais? É vital que os meios de comunicação revejam sua missão, seus
objetivos e sua agenda.


A
cultura de massa que temos está umbilicalmente conectada com a pauta
apresentada instante a instante em algum dos veículos de comunicação em
massa. Nada lhe escapa e, por isso mesmo, enorme é sua responsabilidade
na criação da geração-consumo que temos "em nós" e também "diante de
nós". Tendo como cenário as mudanças climáticas, a degradação ambiental e
os extremos corrosivos da riqueza e da pobreza, a transformação de uma
cultura de consumismo irrestrito para uma cultura de sustentabilidade
ganhou força em grande parte graças aos esforços das organizações da
sociedade civil e agências governamentais no mundo inteiro. A par com
essas forças, e mesmo permeando-as, temos o poder de influência e
onipresença da mídia.

Existem situações-limite em que não é
lícito ser espectador de espetáculo nefasto que nós mesmos produzimos.
Alardear a desgraceira toda, desnudar os mecanismos de poder envolvidos
no debate para se criar políticas públicas de alcance mundial e, acima
de tudo, alertar que o futuro é hoje, são tarefas que os meios de
comunicação não podem e não têm a quem delegar.

O estágio de "aldeamento"
Além
das políticas de informação e tecnologias "verdes", a transformação que
precisamos realizar vai exigir um exame sério da nossa compreensão
acerca da natureza humana e dos "esquemas culturais" seguidos por
instituições do governo, por empresários da área de educação e dos meios
de comunicação ao redor do mundo. Perguntas sobre o que é natural
precisam ser reexaminadas criticamente. A questão do consumo e da
produção sustentável deverá ser considerada no contexto mais amplo de
uma ordem social cambaleante que se caracteriza pela competição,
violência, conflito e insegurança da qual ela própria é parte.

Os
meios de comunicação poderiam considerar promover tais mudanças visando
a um consumo e produção sustentáveis, algo que implicitamente nos
levará a desafiar normas e valores culturais que têm promovido o
consumismo a todo o custo. Concepções subjacentes deverão ser
examinadas. Estas questões incluem concepções da natureza humana, do
desenvolvimento (e da natureza do progresso e da prosperidade); das
causas das recentes crises econômicas, dos processos de desenvolvimento
tecnológico, dos meios e dos fins dos processos educativos. Uma tarefa
gigantesca? Sim, mas não maior que o poder de mobilização e influência
que os meios de comunicação em massa detêm, na medida em que o planeta
chegou ao estágio atual de "aldeamento", ou seja, o planeta mostrou ser
pequeno, ao alcance de uns poucos cliques na internet, ao alcance de
imagens replicadas por satélites estrategicamente localizados.

Tempo de avançar
O
alargamento das fronteiras da informação alargou também nossas visões
do mundo e vestiu velhas palavras com novos e desafiados significados. A
palavra "estrangeiro", quando utilizada nos anos 1950 – portanto, há
bem pouco tempo -, trazia consigo sentidos de reserva, suspeita, medo e
tudo porque nossos sentidos não estavam acostumados a ver nossos
semelhantes residentes em outros continentes com aquelas nossas
características humanas, plausíveis, reais. Hoje, a palavra
"estrangeiro" perdeu as garras, depôs pretensos tentáculos venenosos e
assim do nada deixou de nos causar emoções negativas. "Estrangeiro"
passa a ser apenas mais uma palavra desdentada que não mais aponta para
os demais como nossos dessemelhantes. E não ouviremos mais nos
telejornais que tal evento "aconteceu no estrangeiro". É tudo Terra, é
tudo azul, é tudo aquele pálido ponto azul perdido na imensidão do
espaço. Há décadas "no estrangeiro" deixou de compor manchete em
jornais. Isso se deu graças ao avanço dos meios de comunicação.

Estará
a mídia, a grande mídia, preparada para promover novos conceitos de
cidadania mundial, de paz internacional, de apreço e defesa dos nossos
esgotáveis recursos naturais? Estarão os profissionais da comunicação
desarmados o suficiente para municiar o inevitável debate sobre temas
que afetam a todos, como a segurança mundial, os meios para a produção
de melhores condições de vida a populações historicamente massacradas,
massas anônimas da humanidade que somente entram no futuro pela porta
dos fundos?

É vital que os meios de comunicação revejam sua
missão, seus objetivos e se pautem por cima. Que não vejam apenas os
dias que correm, mas que lancem o olhar sobre os próximos 20, 30, 50
anos. É tempo de aprendermos uns com os outros, de expressarmos
perspectivas e experiências e avançarmos coletivamente rumo à construção
de uma sociedade justa e sustentável. Isso tudo transcende esquerda e
direita. Isso tudo abomina a partidarização política dos meios de
comunicação.

Contradição paralisante
A questão da
natureza humana tem um lugar importante no discurso sobre o consumo e
produção sustentáveis, uma vez que nos leva a reexaminar, em níveis mais
profundos, quem somos e qual nosso propósito na vida. A experiência
humana é essencialmente de natureza espiritual: ela está enraizada na
realidade interna, ou o que alguns chamam de "alma", que todos nós
partilhamos em comum. A cultura do consumismo, no entanto, tende a
reduzir os seres humanos a meros concorrentes, em consumidores
insaciáveis de mercadorias e objetos freneticamente alvos de manipulação
do mercado.

É comum aceitarmos como se certa fosse a noção de
que deparamos com um conflito insolúvel entre o que as pessoas realmente
querem (ou seja, para consumir mais) e o que a humanidade precisa (ou
seja, um acesso equitativo aos recursos).

Como, então, poderemos
resolver a contradição paralisante que, por um lado, desejamos um mundo
de paz e prosperidade, enquanto, por outro lado, grande parte da teoria
econômica e psicológica retrata seres humanos como meros escravos de
seus desejos egoísticos?

"Sonhos impossíveis"
As
faculdades necessárias para construir um mundo mais justo e uma ordem
social sustentável são aquelas de sempre, estas mesmas que podem
atribuir nobreza ao caráter humano: moderação, justiça, amor, motivos
sinceros, serviço ao bem comum. Ora, tão antigas quanto elas, essas
palavras vêm sendo julgadas ao longo dos séculos como ideais ingênuos.
Sim, pensar grande, abarcar a espécie humana em um pensamento maior de
fraternidade vem sendo rotulado como perda de tempo, ingenuidade
rematada. Como se devesse merecer nossa atenção, ocupar nossos milhões
de neurônios apenas aquelas questões mais comezinhas e que falem
diretamente ao nosso bem-estar individual, à nossa "felicidade" pessoal.
E, nada mais ridículo que isso, uma visão castradora do muito de bom e
de belo e de justo que poderia ser nosso. E de todos nós.

Mas sei
que devo insistir em um ponto: justiça, moderação, serviço altruístico à
nossa espécie são algumas das qualidades necessárias para superar os
traços de egoísmo, ganância, apatia e violência que no mais das vezes
são fomentadas pelo mercado com as bênçãos de forças políticas que
asseguram a vigência dos atuais padrões insustentáveis de consumo e
produção.

A vida, não nos iludamos, é muito mais que arenga
política, que escaramuças entre PT e PSDB. É tempo de entendermos a
brisa que sopra nesta frase de Clarice Lispector: "O que alarga a vida
de uma pessoa são os sonhos impossíveis."

Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa

Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email – wlaraujo9@gmail.com

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