O Príncipe Trovador da Caatinga. Por José Coelho
Frequentando a corte de Carlos Magno, o príncipe atravessa a tradição greco-romana, dormindo com lendas da mitologia nórdica, e acordando com poesia provençal do sul da França. Na literatura cortês aprendeu cantigas de amor, de amigo, de escárnio e mal dizer.
Sátira dos trovadores! No ciclo arturiano, com os Cavaleiros da Távola Redonda, relatos de proezas militares e muitas lendas celtas e bretãs. Conjugando o verbo provençal trobar, esse demiurgo das palavras, “fazendeiro do ar”, desenvolveu um vocabulário que transita entre o rústico e o palaciano, criando e reinventando imagens de um universo medieval.
Na métrica “repinicada” da viola, cantou façanhas de cavaleiros valentes e gesta dos ciganos. Andou por terras e reinos imaginários, aprendendo a construir histórias de reis, princesas e penitentes. Guiado pela estrela canora, irmã gêmea da estrela de Belém, e sendo o príncipe mago, de uma história não contada, chega às plagas de um povo lírico medieval, rica em paisagens sertânicas.
Neste lugar, terra das “Duas Passagens” entre as serras da Suçuarana e da Prata, no mundo encantado do “Rio Gavião e da Gameleira”, finca no seio do solo, suas raízes profundas, feito um umbuzeiro de beira de rio. E fica lá! Mirando sua plantação particular de sonhos. Como um observador num reino de cristal, visiona mundos de mil luas, lindas deusas nuas, pastorando estrelas no espaço sideral.
Por ser um peleador arquiteto, seus sonhos viram projetos. Tendo a cidade como uma tenda de urgir o mal, o príncipe da caatinga, montado em seu violão e com a espada da linguagem dialetal na mão, se arma para uma luta em defesa da pátria do sertão. Concentrando em si séculos de cultura, no trânsito do sertanejo na diáspora da vida, traz à cena o homem rude, com suas agruras, e abnegação, arrancado da sua terra, em busca de paz, e de um pedaço de pão.
São os peregrinos errantes, que tem a seca como provação, e no ciclo da vida a fartura nas águas como renovação. Com suas toadas e terças plangentes em canções de cordéis irreverentes, envereda nos caminhos desolados dos sertões, contando façanhas de antigos cangaceiros ou “causos” escabrosos de espúrias paixões.
Em fúnebre ritual roçaliano, escuta o canto prolongado e firme do sapo cururu, em contraponto com vozes trabuzanas de ninfas que presidem os rios e as fontes. Inspiração para canções que povoam deuses e maldições. Tendo em sua formação fundamentos judaicos-cristão, embebe-se das doutrinas de Lutero, e pelas mãos de Elmana, mata sua sede nas fontes mitológicas e míticas que emolduram a religião.
Ainda no século do pai, com a abertura dos sete selos, e a presença dos sete candeeiros, tem a visão de quatro cavaleiros de olhares cruéis prontos para pelejar. Cavalgando em seus corcéis, olhando para o céu, os cavaleiros irão passar. Elomar, o bode velho encantado, Príncipe da caatinga, cronista de um tempo e de uma cultura, com certeza ficará.
Este texto é dedicado a Elomar Filgueira de Melo, que hoje, 21, completa 80 anos de idade. Segue minha homenagem a esse artista, que muito me inspirou na minha carreira de músico e compositor.