Aldeia Nagô
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O que é o amor? por Antonio Ozaí da Silva

5 - 7 minutos de leituraModo Leitura

“Não há você sem mim,
eu não existo sem você”
(Vinicius de Moraes / Antonio Carlos Jobim)
“As águas da torrente, jamais poderão
apagar o amor,
nem os rios afogá-lo”
(Cântico dos cânticos 8, 7)



No século XVIII,
um pequeno livro escrito por Goethe, provoca uma febre romântica que se
alastrou pela Europa. 
Os sofrimentos do jovem Werther, escrito na primeira pessoa, é
composto por várias cartas enviadas ao narrador, as quais expõem a paixão
dilacerante e tempestuosa do jovem Werther por Charlotte, noiva de Albert. A
impossibilidade do amor, diante da decisão dela em casar-se, leva o jovem
apaixonado a um desenlace trágico: o suicídio. Muitos dos leitores,
identificados intensamente com o personagem do célebre escritor alemão, fizeram
o mesmo. Uma onda de suicídio sacudiu a Europa e, diante de repercussão tão
trágica, alguns governos tentaram a circulação da obra. O livro foi um 
best-seller, é um clássico
da literatura mundial e considerado a obra inaugural do romantismo moderno.

O romantismo,
enquanto corrente literária e filosófica, é uma reação à sociedade burguesa, um
apelo ao sentimento contra a razão iluminista. Expressa o desencanto com a
modernidade. Não obstante, o amor romântico, tão tragicamente expressado pelos
sofrimentos do jovem Werther, é uma invenção anterior à publicação da obra de
Johann Wolfgang von Goethe. Qual leitor moderno não leu 
Romeu e Julieta, de Shakespeare
– ou pelo menos assistiu alguma peça, filme, etc., inspirado na obra?
Recordemos Abelardo e Heloísa, Tristão e Isolda, outros casais emblemáticos da
mitologia romântica que povoa o imaginário ocidental.

Seria preciso
analisar as obras românticas, enquanto representações literárias do amor em
determinados contextos históricos, para compreender as sociedades que elas
expressam e, ainda, a invenção e evolução do conceito e dos valores que
configuram o amor-romântico tal qual o concebemos e o sentimos na atualidade.
Então, talvez seja possível compreender o amor do ponto de vista histórico e
sociológico.

Este, porém, é um
exercício puramente teórico. Quem ama não fica a perguntar-se sobre tais
questões, a problematizar racionalmente. Ama-se simplesmente e não há teorias
explicativas que dêem conta. Como afirma a música, "sinônimo de amor é amar". É simples, ama-se e ponto!
Como afirma Fernando Pessoa: "Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra
razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o
que quero dizer-te é que te amo?"

É extremamente
complexo compreender as razões do amor. Por que entre milhares de seres humanos
a paixão direciona-se a alguém particular? O que torna esse alguém tão
especial? Como explicar que o amor brote entre duas pessoas tão díspares como
 "Eduardo e Mônica" (Renato Russo)?
Por que este sentimento se impõe a despeito das impossibilidades ditadas pela
razão? É possível encontrar o equilíbrio necessário entre a razão e a
sensibilidade, entre o pensar o amor e senti-lo? E se o amor dilacera a razão
ao ponto de submetê-la e a torná-la refém? O fim trágico ditado pela insana
paixão, não é, infelizmente, restrito à ficção.

Afinal, o que é o
amor? O que é amar? Recordo de um tempo em que a moda era figurinhas com a
frase "amar é…" e uma resposta breve. Era uma forma simples e popular de
definir o amor e o amar, não tão rebuscada como os poemas dos grandes poetas
clássicos. O amor é egoísta, suicida e até há quem admita que ele é assassino
(quem já não ouviu a absurda expressão "matar por amor"?!) O amor, porém,
também pode ser altruísta e, sobretudo, se expressar de várias formas. O amor
está presente nas relações humanas para além dos nossos estereótipos
monogâmicos e heterossexuais.

O amor é
incondicional, ele brota no ser, tem vida própria e ninguém é capaz de obrigar
o outro a amar ou deixar de amar. Daí as dores e sofrimentos dos amores não
correspondidos, como os do jovem Werther. E como dói a certeza do amar sem ser
amado, ainda que a razão deseje extirpar o mínimo vestígio da presença do amor
que se revela impossível! Felizes os que encontram o amor e se encontram no ser
amado, ainda que sob as mais difíceis circunstâncias. Sofre quem ama sem ser
amado. Mas, se o amor é incondicional, como evitar o sofrimento alheio quando
não se compartilham os mesmos sentimentos? Imagino, porém, que os mais
infelizes são os incapazes de amar.

O amor é
indecifrável, inexplicável. É da ordem do sentir, ainda que a razão tente
entender. Poetas, compositores e outros tentam defini-lo em metáforas, poemas…
E muitos têm a capacidade de fazer-nos sentir o amor apenas pelas palavras,
especialmente quando proferidas como doces melodias que encantam nossos
sentidos. O amor, contudo, permanece incógnito, inacessível à razão. No
entanto, me encanta a definição bíblica da 
Primeira Carta aos Coríntios, do apóstolo Paulo:

"O amor é paciente, é
benfazejo; não é invejoso, não é presunçoso nem se incha de orgulho; não se faz
nada de vergonhoso, não é interesseiro, não se encoleriza, não leva em conta o
mal sofrido; não se alegra com a injustiça, mas fica alegre com a verdade. Ele
desculpa tudo, crê tudo, espera tudo, suporta tudo"
 (1Cor 13, 4-7).

Eis uma definição
ideal do amor, entre outras possíveis. O amor humano é real, porém, não é tão
puro quanto estas palavras expressam. Paulo se refere ao amor caridade. O amor,
para além do ideal paulino, pode ser tudo isto, parte disto ou até mesmo o
oposto. Afinal, é do humano demasiado humano que se trata e não dos anjos e
candidatos à canonização. O amor, portanto, é imperfeito – como é próprio do
humano. Não é por acaso que a moral religiosa o condena quando ele escapa às
suas amarras. Nada, porém, pode detê-lo. A despeito do medo da condenação e do
que dita a razão e a moral convencional, o amor é incontrolável. É difícil defini-lo!

Fonte: Blog do
Ozaí | Reflexões do Cotidiano, 23/07/2011

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