Aldeia Nagô
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O VOTO DO NORDESTE: para além do preconceito por Tânia Bacelar de Araujo*

5 - 6 minutos de leituraModo Leitura

A ampla vantagem da candidata Dilma Rousseff no primeiro turno no Nordeste
reacende o preconceito de parte de nossas elites e da grande mídia face às camadas mais
pobres da sociedade brasileira e em especial face ao voto dos nordestinos.


Como se a
população mais pobre não fosse capaz de compreender a vida política e nela atuar em favor de
seus interesses e em defesa de seus direitos. Não "soubesse" votar.

Desta vez, a correlação com os programas de proteção
social, em especial o "Bolsa Família" serviu de lastro para essas análises parciais e eivadas de
preconceito. E como a maior parte da população pobre do país está no Nordeste, no Norte e nas
periferias das grandes cidades (vale lembrar que o Sudeste abriga 25% das famílias atendidas
pelo "Bolsa Família"), os "grotões"- como nos tratam tais analistas ? teriam
avermelhado. Mas os beneficiários destes Programas no Nordeste não são suficientemente numerosos
para responder pelos percentuais elevados obtidos por Dilma no primeiro turno : mais
de 2/3 dos votos no MA, PI e CE, mais de 50% nos demais estados, e cerca de 60% no total (
contra 20% dados a Serra).

A visão simplista e preconceituosa não consegue dar conta do que se passou
nesta região nos anos recentes e que explica a tendência do voto para Governadores,
parlamentares e candidatos a Presidente no Nordeste.

A marca importante do Governo Lula foi a retomada gradual de políticas
nacionais, valendo destacar que elas foram um dos principais focos do desmonte do Estado
nos anos 90. Muitas tiveram como norte o combate às desigualdades sociais e regionais do
Brasil. E
isso é bom para o Nordeste.

Por outro lado, ao invés da opção estratégica pela "inserção
competitiva" do Brasil na globalização – que concentra investimentos nas regiões já mais estruturadas e
dinâmicas e que marcou os dois governos do PSDB -, os Governos de Lula optaram pela
integração
nacional ao fundar a estratégia de crescimento na produção e consumo de massa,
o que favoreceu enormemente o Nordeste. Na inserção competitiva, o Nordeste era visto
apenas por alguns "clusters" (turismo, fruticultura irrigada, agronegócio
graneleiro…) enquanto nos anos recentes a maioria dos seus segmentos produtivos se dinamizaram,
fazendo a região ser revisitada pelos empreendedores nacionais e internacionais.

Por seu turno, a estratégia de atacar pelo lado da demanda, com políticas
sociais, política de reajuste real elevado do salário mínimo e a de ampliação significativa do
crédito, teve impacto muito positivo no Nordeste. A região liderou – junto com o Norte – as
vendas no comercio varejista do país entre 2003 e 2009. E o dinamismo do consumo atraiu investimentos para a região. Redes de supermercados, grandes magazines,
indústrias alimentares e de bebidas, entre outros, expandiram sua presença no Nordeste ao
mesmo tempo em que as pequenas e medias empresas locais ampliavam sua produção.

Além disso, mudanças nas políticas da Petrobras influíram muito na dinâmica
econômica regional como a decisão de investir em novas refinarias (uma em construção e
mais duas previstas) e em patrocinar – via suas compras – a retomada da indústria naval
brasileira, o
que levou o Nordeste a captar vários estaleiros.
Igualmente importante foi a política de ampliação dos investimentos em
infra-estrutura – foco principal do PAC – que beneficiou o Nordeste com recursos que somados tem
peso no total dos investimentos previstos superior a participação do Nordeste na
economia nacional.

No seu rastro,a construção civil "bombou" na região.

A política de ampliação das Universidades Federais e de expansão da rede de
ensino profissional também atingiu favoravelmente o Nordeste, em especial cidades
médias de seu interior. Merece destaque ainda a ampliação dos investimentos em C&T que
trouxe para
Universidades do Nordeste a liderança de Institutos Nacionais ? antes fortemente concentrados no Sudeste – dentre os quais se destaca o Instituto de Fármacos (
na UFPE) e o Instituto de Neurociências instalado na região metropolitana de Natal sob a
liderança do cientista brasileiro Miguel Nicolelis que organizará uma verdadeira ?cidade da
ciência? num dos municípios mais pobres do RN ( Macaíba).

Igualmente importante foi quebrar o mito de que a agricultura familiar era
inviável. O PRONAF mais que sextuplicou seus investimentos entre 2002 e 2010 e outros
programas e instrumentos de política foram criados ( seguro ? safra , Programa de Compra de Alimentos, estimulo a compras locais pela Merenda Escolar, entre outros) e o
recente Censo Agropecuário mostrou que a agropecuária de base familiar gera 3 em cada 4 empregos rurais do país e responde por quase 40% do valor da produção agrícola
nacional.

E o Nordeste se beneficiou muito desta política, pois abriga 43% da
população economicamente ativa do setor agrícola brasileiro.

Resultado: o Nordeste liderou o crescimento do emprego formal no país com
5,9% de crescimento ao ano entre 2003 e 2009, taxa superior a de 5,4% registrada para o
Brasil como um todo, e aos 5,2% do Sudeste, segundo dados da RAIS.

Daí a ampla aprovação do Governo Lula em todos os Estados e nas diversas
camadas da sociedade nordestina se refletir na acolhida a Dilma. Não é o voto da submissão
– como antes – da desinformação, ou da ignorância. É o voto da auto- confiança
recuperada, do
reconhecimento do correto direcionamento de políticas estratégicas e da
esperança na consolidação de avanços alcançados – alguns ainda incipientes e outros
insuficientes. É o voto na aposta de que o Nordeste não é só miséria (e, portanto, "Bolsa
Família"), mas uma
região plena de potencialidades.

*Tânia Bacelar de Araujo é especialista em desenvolvimento regional,
economista, socióloga e professora do Departamento de Economia da UFPE (Universidade
Federal de
Pernambuco).

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