Off – Line. Por Zuggi Almeida
Ele acordou decidido a acabar com tudo. Cansou daquele romance, das ausências, das esperas, dos longos períodos sem um post siquer.
– O que teria acontecido ? Ela era sempre pontual nos encontros que aconteciam rigorosamente às 10 da noite.
– Não! Basta !
Ele levantou-se e foi até a geladeira, abriu e pegou uma garrafa de água mineral, retornou ao quarto sentando na frente do notebook. Eram 10 horas e cinco minutos da noite. Nenhum sinal de alerta de mensagem. Abriu uma aba e acessou o Google. Procurou ansiosamente por um site de letras de músicas, pois precisava acabar com aquela história em alto nível.
Se possível com a raiva musicada.
A primeira composição que encontrou:
“ Esqueça que você já me pertenceu
Que já foi você meu querido amor
Aquela velha amizade nossa já morreu
Agora quem não quer você sou eu “
Eram os versos de Mestre Gato e Jamelão em “ Eu Agora Sou Feliz” e capazes de expressar toda a ira que experimentava. Então postaria na linha de tempo dela e tudo estaria resolvido. Mas, eram palavras que naquele momento não expressavam o desgosto por total. Seguiu na pesquisa.
“ Se você pensa que vai fazer de mim
O que faz com todo mundo que te ama
Acho bom saber que pra ficar comigo
Vai ter que mudar
Daqui pra frente
Tudo vai ser diferente “
– Perfeito, o mestre Roberto Carlos em “ Se Você Pensa”, uma canção de 1968 revela-se o verdadeiro expert na arte de acabar com romances amargos e sofridos. Bingo !
Leu, releu e concluiu que ainda não se sentia contemplado na sua mensagem de despedida. Foi buscar em Lupicínio Rodrigues a inspiração e deu com os versos seguintes:
“ Nunca!
Quando a gente perde a ilusão
Deve sepultar o coração
Como eu sepultei.
Saudade “
Mas, saudade ? Saudade, zorra nenhuma ! Tem que ser algo contundente, ferino, lascivo, apocalíptico.
Bebeu mais um copo d´água e continou navegando e deu de cara com a poesia de Reginaldo Rossi em Leviana, que diz:
“ Fazendo mil loucuras comigo na cama
Queria acreditar que você ainda me ama
E, apesar de tudo, eu sinto a sua falta
Leviana! “
– Não ! Não ! Não é nada disso. Porra ! Assim vai estar entregando os pontos e pedindo arrego. Foi em frente e aí esbarrou em:
“ Harpia! Aranha!
Sabedoria de rapina
E de enredar, de enredar
Perua! Piranha!
Minha energia é que
Mantém você suspensa no ar “
– Isso! Enfim encontrou a definição para o momento com palavras exatas. Mas,espere aí! Caetano Veloso, em “ Não Enche” foi exagerado quando compôs essa ode à misogenia, uma verdadeira pérola do distrato ao feminino. É necessário manter a ética. Sacudir a poeira e dar a volta por cima. Sempre mantendo a classe.
Seguiu em frente e deu de cara com a simplicidade e elegância de Chico Buarque quando compôs
“ Trocando em Miúdos”, lá nos idos de 1978.
“ Mas devo dizer que não vou lhe dar
O enorme prazer de me ver chorar
Nem vou lhe cobrar pelo seu estrago
Meu peito tão dilacerado “
– Beleza, Chico fez a maior contribuição possível a um coração partido e sentia-se gratificado pela mensagem que enviaria para ela. Decidiu teclar o enter, mas, navegou um pouco mais e descobriu a singeleza de “Perola”, de Djavan.
“ Até o sol nascer amarelinho
Queimando mansinho
Cedinho, cedinho cedinho
Corre e vá dizer
Pro meu benzinho
Um dizer assim
O amor é azulzinho “
Copiou e enviou para a linha de tempo dela seu jeito especial de djavanear.
Bebeu mais um gole d´áagua e foi dormir.
Quatro e quinze da manhã e o som de alerta de mensagem acusa um post novo no notebook. Ele dorme a sono solto.
Sete e vinte da manhã, ele corre para o notebook, dá um clique e está lá postado, o que segue:
“ Você vai ficar em casa, vai lutar, vai resistir
Mesmo que uma linda fada te convide pra sair
Você tá arrumando um jeito pra que ela, sem querer
Vá deitar com outro homem, mesmo pensando em você “
Casa Vazia / Pablo
Em tempos de amores feitos de cliques não adianta dar chiliques.
Ssa, 20.03.2018
Zuggi Almeida é publicitário