Os Bacanas derrotaram os Cafonas por Geraldo Galindo
As pessoas de minha
geração conheceram as seleções da Holanda de 1974 e a brasileira de 1982, as
duas melhores que vi jogar. Os mais antigos falam da Hungria de 1954 que teria
sido das melhores de todos os tempos.
Em comum as três, o fato de não terem sido
campeãs, fatos recorrentes no futebol, único esporte em que o melhor poder não
erguer o título. Inicio esse artigo assim para entrar numa polêmica antiga sobre
a forma de se jogar futebol no Brasil. Lembro antes que depois de 1982 nunca
mais torci pela seleção brasileira, pois desde então, em minha humilde opinião,
os sucessivos técnicos iniciaram um processo que chamo de descaracterização do
futebol brasileiro.
Com a derrota em 1982
da seleção que encheu os olhos do mundo e que é considerada por alguns como a
melhor que tivemos, alguns iluminados chegaram à triste conclusão de que aquele
tipo de futebol estaria superado pela história, que o que importava era a
"eficiência tática"; que futebol não é para espetáculo e sim para resultados
(um deles chegou a dizer, não sei se Parreira ou Zagalo, que 1 x 0 é goleada e
que empatar é o que importa"). Os defensores do futebol alegre, dos dribles, das
tabelas, ficaram ainda mais na defensiva quando o Brasil levantou a taça em
1984, com um dos times mais sofríveis da história de nossas seleções e
provavelmente a da pior copa de todos os tempos em nível técnico.
Este debate
recorrente esteve presente agora na copa da África do Sul. Para deixar bem claro
qual caminho seguiríamos a CBF escalou para técnico aquele autêntico
representante do futebol retranqueiro, das botinadas, dos carrinhos, da
deselegância (inclusive fora de campo) e da falta de criatividade. E para que
não restasse dúvida alguma da aplicação desse conceito canhestro, o homem
referência de Dunga foi um perna-de-pau violento, agressivo e covarde.
Simplificando, o melhor futebol do mundo deixou seus dois melhores jogadores em
casa (Ganso e Neymar, além de meio-campistas de qualidade como Hernanez e Elias)
para montar uma equipe com sete defensores e três atacantes. A tese esdrúxula do
"grupo já formado" e da prevalência do expiração sobre a inspiração impediu que
os artistas de nosso verdadeiro futebol se fizessem presente no maior evento
esportivo do mundo.
O ex-jogador e atual
comentarista Caio, ao final da partida contra a Holanda, disse que aquela
seleção não representava o futebol brasileiro. Resumiu bem. Eu diria que todos
esses últimos técnicos da seleção e dos times brasileiros em geral vem
estuprando o nosso verdadeiro futebol. Importaram aquele modelo burocrático de
algumas seleções européias e tentam empurrá-la goela abaixo num ambiente de
características totalmente distintas, com a tese furada de que é essa a forma de
vencer.
A primeira partida
que assisti da Espanha na copa me deixou encantado. A seleção Barcelonhola
perdeu por 1 x 0 para a Suíça. Eles ficaram com a bola em seu poder 80% da
partida e chutaram 26 vezes a gol. Tomaram um no contra-ataque. Alguns
comentaristas apressados começaram a dizer que aquele tipo de futebol não tinha
futuro. Ao término do jogo a comissão técnica e os jogadores se reuniram e
chegaram à seguinte conclusão: não vão mudar em nada a forma de jogar. Eu gostei
tanto da partida em que para quem eu torcia foi derrotado, que vi os reprises
na madrugada. Ficara eu encantado com tanta categoria, tanto toque de bola,
tantas tabelas, tanta qualidade.
O resultado, todos
acompanharam e eu acompanhei todas as outras partidas, umas menos, outras mais
difíceis, mas o futebol era o mesmo, sempre a generosidade com a bola, sempre a
arte se sobrepondo à pancadaria. Fique tão apaixonado com os espanhóis que mesmo
depois da copa continuava a assistir aos jogos que se repetiam. São dezenas,
centenas de jogadas plásticas. A bola sai do goleiro, vai de pé em pé, eles
ficam rondando a área do adversário com paciência, tranquilidade, e de repente
ela volta pro goleiro e começa tudo de novo. Assim eles vão minando a
resistência do adversário e até encontrarem o caminho do gol.
Mesmo quando a
marcação vem para o campo de defesa prevalece a calma para as jogadas fluírem,
sem nervosismo, nada de chutões, nada de passes errados, nada de Gilberto
Silva,nada de Felipe Melo.
Na partida semifinal
contra a Alemanha, outra bela seleção, muitos comentaristas disseram que os
germânicos tinham amarelado, se acovardaram. Nada disso. Eles não tinham
condições nem futebol para se impor a um adversário sabidamente superior. Quando
um boxeador é nocauteado é por conta do golpe do contendor e não pela covardia
do outro. Com a Espanha as partidas foram sempre assim. Mesmo tendo perdido para
a Suíça ela provou ter o maior futebol do mundo naquela partida e o resultado
poderia ter sido 6
a 1 para o liderados de Xavi (para mim o maior jogador da
Copa e dos melhores do mundo).
Jânio Ferreira
Soares, secretário de cultura da prefeitura de Paulo Afonso escreveu artigo no
A Tarde onde diz que numa disputa pelo Oscar devemos torcer para vencer o melhor
filme e não o filme de nosso país que concorre, sabendo ser este de qualidade
inferior. A propósito, lembro que quando o filme " A vida é bela" levou a
estatueta de melhor filme estrangeiro derrotanto o brasileiro "Central do
Brasil", muitos adeptos da "patriotata" esbravejaram. A película italiana era
realmente muito superior, mereceria, penso eu, até mesmo o prêmio de melhor
filme. Para Jânio, na copa do mundo deveria ser assim, e penso o mesmo. Não acho
que devemos torcer para o Brasil apenas por sermos brasileiros, mas torcermos
para que vença o melhor futebol, o que, convenhamos, é a materialização da
justiça.
Volto agora ao início
do texto para dizer que a Espanha nos fez lembrar as gloriosas seleções do
Brasil (82) e Holanda (74 e 78). E que ao contrário das outras, faturou o
título, comprovando que é possível sim, jogar bonito e vencer. Aliás, na maioria
das vezes, vence quem joga bonito. Me defino com daqueles rotulados de
saudosistas, que prefere ver o time jogar bonito e perder do que jogar feio e
ganhar. Exemplificando, eu amo a seleção de 82 e detesto a de 94. O futebol
bacana humilhou o futebol cafona. Viva o futebol espanhol.
(*)
Geraldo Galindo é comentarista esportivo, sexual