Aldeia Nagô
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Os chacais de guarda por Emir Sader

8 - 12 minutos de leituraModo Leitura

 

O
que seria dos interesses das elites dominantes, se não contassem com
escribas, pagos pelas empresas de mídia privada, para tentar fazer
passar esses interesses com se fossem os interesses do país? Para isso
eles contam com equipes de “cães de guarda”, que defendem, com unhas e
dentes, os interesses das elites dominantes, especialmente concentrados
na mídia.

Tentam, por exemplo, identificar a liberdade com a
liberdade do capital, condenando qualquer forma de limitação à sua
livre circulação. Tentar identificar liberdade com a existência da
grande propriedade privada, opondo-se a qualquer definição de critérios
sociais para a propriedade, especialmente a monopólica e a propriedade
não produtiva no campo, opondo-se a qualquer tipo de ação de
socialização da propriedade. Porque essas próprias empresas são
monopolistas.

O filósofo francês Paul Nizan escreveu um livro,
em 1932, a que deu o nome de “Cães de guarda” para se referir aos
intelectuais que prestam serviço de promover legitimidade e dar razões
de sobrevivência ao poder das elites dominantes. “Eles adorariam ser
Zola, mas para acusar as vítimas…”, escreve Serge Halimi, no prefácio
da edição mais recente do livro, mencionando como esses guardiães da
ordem estabelecida adoram estar de acordo com seus patrões, acusando os
pobres, os marginalizados, as vítimas do sistema, como se fossem
verdugos. “Quanto à sua obra, ela se autodestrói um quarto de segundo
depois do tiro de morteiro midiático…”, acrescenta Halimi.

Na
introdução do livro de Halimi, “Os novos cães de guarda” – publicado no
Brasil pela Jorge Zahar -, Pierre Bourdieu recorda como trabalhos de
denuncia desse tipo contribui a “arruinar um dos suportes invisíveis da
prática jornalística, a amnésia…” E se pergunta: “por que, de fato,
os jornalistas não deveriam responder por suas palavras, dado que eles
exercem um tal poder sobre o mundo social e sobre o próprio mundo do
poder?”

Mas, entrando já diretamente nos chacais de guarda daqui
– para não ofender aos cães -, se tiverem paciência, olhem alguns dos
livros que decretaram o fim do governo Lula em 2005. Uma jornalista que
insiste em fazer comentários sem voltar sobre o que disse ontem,
sustentava seu livro oportunista para ganhar dinheiro e agradar seus
patrões com a crise de 2005, apoiada por outro colunista que come nas
mesmas mãos, que reiterava essa morte do governo na contracapa do
livro. Como não tem compromisso algum com o que escrevem, que só se
justifica pelos serviços prestados a seus empregadores, fontes e outros
representantes das elites dominantes, seguem em frente como se não
tivessem dito nada ontem, como seguirão amanhã fingindo que não
disseram nada hoje. Não são mais do que ventríloquos dessas elites.

Indo
mais longe: a imprensa que convocou os militares a dar golpe militar,
apoiou a derrubada do governo legalmente constituído de Jango e
sustentou o golpe militar, inclusive reproduzindo as versões mentirosas
que escondiam os seqüestros, as torturas e os fuzilamentos dos
opositores, segue de acordo com as posições que tiveram. Um dos
jornais, que emprestou seus carros, para que os órgãos repressivos da
ditadura atuassem disfarçados de jornalistas, nem sequer tentou se
defender das gravíssimas acusações, que faz com que a empresa, os
jornais que publicam e os membros dos comitês editoriais, tenham as
mãos sujas de sangue pelos seqüestros, torturas e execuções da
ditadura. Ao não fazerem autocrítica, automaticamente aceitam ter
cometido esses crimes de lesa democracia e jornalismo minimamente
objetivo.

Essa mesma mídia vive acusando o povo de “não ter
memória”. Talvez seja essa a razão pela qual elegem e reelegem os
lideres políticos execrados diariamente pela mídia, porque hoje não
obedecem a seus desígnios.

Mas são eles os primeiros a
cultuarem a falta de memória, a amnésia, de todos, ao esquecer o que
disseram ontem. Estiveram a favor da ditadura, com que moral acusam
governos e partidos de não ser democráticos?

O que dizem os
empregados de uma empresa que praticamente nasceu durante a ditadura,
foi o órgão oficial da ditadura? Que legitimidade acreditam que podem
ter órgãos dessa empresa?

Um dos colunistas de um dos jornais da
imprensa de propriedade de uma das poucas famílias que dominam de forma
monopolista o ramo, se orgulha de nunca ter ido aos Forúns Sociais
Mundiais, por ter ido a todos os Foruns de Davos – onde manifestamente
ele se sente no seu mundo. Seria bom ele ouvir agora os arautos da
globalização – incluído seu prócer FHC – para saber o que pensam da
crise atual, provocada por suas políticas. Teria que se deslocar não a
Davos, mas algumas prisões, onde alguns deles foram encarcerados,
depois de reveladas suas trapaças – alias, nenhuma delas revelada pela
imprensa, conivente e complacente com o ricaços de Davos.

Um
outro jornalista disse, em outro momento da sua carreira, em
conferência pública, que quando um jornalista senta para escrever uma
matéria, pensa, em primeiro lugar, no dono da empresa; em segundo, nas
fontes do que vai publicar; em terceiro na enorme quantidade de
desempregados do lado de fora da empresa. A esse filtro haveria que
acrescentar as agências de publicidade e os grandes grupos econômicos
que financiam os órgãos de imprensa e acabam pagando os seus salários.

Foi
se criando uma verdadeira casta de jornalistas, empregados dos maiores
meios de imprensa no Brasil, promíscuos com o poder, que renunciam a
qualquer ataque aos interesses do poder que dominou o país durante
séculos: capital financeiro, grandes monopólios, latifundiários, as
próprias grandes empresas monopólicas da mídia, o imperialismo
norteamericano, o FMI, o Banco Mundial, a OMC, a direita política –
Tucanos, DEM, FHC, Serra, Tasso Jereissatti, Jarbas Vasconcellos.

Preferem,
para conveniência de seus empregos e dos interesses dos seus patrões,
atacar o que incomoda à direita – sindicatos, o MST, o pensamento
critico, as universidades publicas, os partidos de esquerda.

Além
dos casos mencionados, há os pobres diabos que querem adquirir certo
verniz “intelectual” – não agüentam a inveja do pensamento crítico – e
citam autores, viajam pelo mundo em eventos sem nenhuma importância,
escrevem em jornais e falam em rádios e TVs, sem nenhum prestigio,
colunas que ninguém leva a sério ou mesmo lê. Um deles foi chefe de
gabinete de um dos ditadores, depois foi demitido, fotografado na cama
para a Playboy, tentando mostrar méritos que não conseguiu na política
e que circulava nos governos anteriores com toda promiscuidade pelos
ministérios e Palácio do Planalto – de que esse tipo de gente sentem
uma falta danada.

A ideologia do “’quarto poder” se tornou
antiquada, porque o monopólio da mídia privada detém muito mais poder
do que isso, termina dando direção ideológica e política aos fracos
partidos opositores. Claro que o que realmente não são é
“contra-poder”, porque na verdade fazem parte intrínseca dos poderes
constituídos, como força conservadora.

Como a noticia se
transformou definitivamente em uma mercadoria na mão dessa casta,
perdeu toda credibilidade. Conhece-se o caso de colunistas econômicos
que fingem estar preocupados com a situação de um setor do
empresariado, ao vendem reunião e assessoria com eles, em troca de
defender mais explicitamente seus interesses. Se devem às suas fontes,
a tal ponto que a editoria econômica passou a ser a mais comprometida
com os interesses criados, de forma similar a como certa cobertura
policial se deve às fontes nas delegacias e nas policias, sem as quais
ficam sem seus “furos”.

“Quem paga, comanda”, recorda Halimi.
E a mídia, como sabemos é financiada não pelos leitores com as compras
na banca e as assinaturas, mas pelas agencias de publicidade. E vejam
quem são os grandes anunciantes, com os quais a mídia tem o rabo preso
– bancos, telefonias, fabricas de automóveis, etc. Não pelas
organizações populares, sindicatos, centros culturais, nada disso. Quem
paga, comanda. Já vieram jornais, rádiosm televisões, colunistas, fazem
campanha de denuncia – com um pouquinho da sanha que tem contra o
governo e a esquerda – contra os bancos, suas falcatruas, contra as
grandes corporações mutlinacionais, contra a lavagem de dinheiro nos
paraísos fiscais? Nâo, porque seria tiro no pé, atentado contra os que
financiam a essa mídia.

Perguntado sobre como a elite controla a
mídia, Chomsky respondeu: “Como ela controla a General Motors? A
questão nem se coloca. A elite não tem que controlar a General Motors.
Ela lhe pertence. Albert Camus disse que a mídia francesa se tornou “a
vergonha do país.” E a nossa? O Brasil e seu povo têm orgulho ou
vergonha dessa mídia que anda por ai?

A lei apresentada pelo
governo argentino para regulamentar o audiovisual – umas das razões da
brutal ofensiva da imprensa de lá contra seu governo – determina que as
empresas da mídia tem que declarar publicamente suas fontes de
financiamento – quem as financia, com que quantidades de dinheiro.
Poderiam aproveitar e declarar publicamente quanto ganham os magnatas
dessa casta midiática, enquanto a massa dos jornalistas ganha uma
miséria, é terceirizado e passível a qualquer momento de serem mandado
embora, se não cumprem à risca as orientações que os chacais lhes
impõem.

Um jornalista norteamericano citado por Halimi, disse:
“Sobre as questões econômicas (impostos, ajuda social, política
comercial, luta contra o déficit, atitude em relação aos sindicatos), a
opinião dos jornalistas de renome tornou-se muito mais conservadora à
medida que suas rendas foram aumentando”.

Quem discorda dos
consensos que tentam impor nos seus desagradabilíssimos e redundantes
programas de entrevistas ou suas colunas de merchandising , como se
sabe, é chamado de “populista”, de “demagogo”, de “aventureiro”. Que
são, como também se sabe, os governantes que fazem políticas sociais e
têm alto nível de apoio da população. Por isso chamam sempre os mesmos,
seus amigos, operadores das bolsas de valores, empresários que passam a
lhes dever favores, para dizer as mesmas baboseiras que a realidade não
se cansa de desmentir.

“Mídias cada vez mais concentradas,
jornalistas cada vez mais dóceis, uma informação cada vez mais
medíocre” –conclui Halimi. E cita um político de direita francês,
Claude Allègre, sobre as possibilidades do meio midiático se reformar:
“Eu vou lhes dar uma resposta estritamente marxista, eu que jamais fui
marxista: porque não há interesse… Por que vocês queriam que os
beneficiários dessa situação sintam necessidade de mudá-la?” E, para
concluir, conforme se aproxima a Conferencia Nacional de Comunicação,
declaração do também conservador jornalista Frances Jacques Julliard:
“Uma das reformas mais urgentes neste país, seria aquela que pudesse
dar às mídias um mínimo de seriedade e de dignidade. Sobretudo de
dignidade!”

Artigo publicado originalmente em http://www.cartamaior.com.br

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