Os danos decorrentes do “chamado processo penal do espetáculo” Por Afrânio Silva Jardim
Prévia reflexão: “Os prejuízos causados à Petrobrás, pela forma inadequada de agir da Lava Jato, superam em muito os danos que lhe foram causados pela corrupção”.
A realidade é muito instigante e nos faz refletir. Ela desperta a nossa consciência e também, em uma perspectiva mais crítica, nos faz ver melhor a verdade que se oculta por trás dos fatos e atos do nosso cotidiano.
Recentemente, foram amplamente divulgadas, pela grande imprensa, algumas notícias que, se bem compreendidas, demonstram que o nosso “sistema de justiça penal” está ideologicamente assumindo “partido”. Vale dizer: “escola sem partido” e “justiça penal com partido” …
Como tenho constantemente salientado, a estratégia punitivista de se socorrer da grande mídia para lograr punições, previamente desejadas, está dando bastante certo.
Aliás, esta estratégia perversa, encontra agora um “terreno fértil”, pois os nossos órgãos de persecução penal e do Poder Judiciário, com as costumeiras exceções, são compostos por pessoas de formação conservadora, acríticas e, por vezes, profundamente elitistas.
A falta de cultura geral torna polícias, membros do Ministério Público e do Poder Judiciário em “presas fáceis” do autoritarismo, de posturas simplistas e mais voltadas para o “senso comum”.
Na verdade, são raros os profissionais do Direito que, aprovados nos respectivos concursos públicos, continuam estudando e lendo sistematicamente. Os motivos desta “letargia” são vários e não cabe aqui elencá-los e comentá-los.
De qualquer forma, entendo que há um certo despreparo para o desempenho mais consequente destas relevantes funções, mormente quando se deflagra um ativismo judicial desmedido, quando se busca ampliar a discricionariedade no processo penal e quando somos dominados pelo poder econômico, que se utiliza da grande imprensa para padronizar comportamentos e pensamentos conservadores.
O pior é que se somam a tudo isso comportamentos insólitos de alguns magistrados e membros do Ministério Público. Estamos presenciando juízes abandonando a sua necessária posição de sujeito processual imparcial, que deve ser indiferente ao resultado do processo. Estamos presenciando Procuradores da República e Promotores de Justiça agindo como verdadeiros “advogados de acusação”.
Tudo isso fica muito claro na chamada “Lava Jato”, pautada pelo estardalhaço e exibicionismo de vários agentes que atuam em nosso sistema de justiça criminal.
O chamado “processo penal do espetáculo” criou danos irreparáveis para a nossa sociedade. Não só prejudicou fortemente a imagem de pessoas que sequer eram rés, como tornou vulnerável a diversas críticas juízes e procuradores da república.
Cabe também salientar que a forma espetaculosa que foi imprimida nesta operação, previamente articulada com alguns órgãos da grande imprensa, causou imenso dano a várias empresas nacionais e à nossa economia em geral.
Note-se que não estamos afirmando que o combate à corrupção foi danoso, mas sim que a forma usada para efetivar este combate foi a maior responsável pelos imensos prejuízos acima apontados. Um exemplo claro disso, dentre tantos outros, foi a “Operação Carne Fraca”, irresponsavelmente tornada pública por alguns delegados da polícia federal.
Enfim, os danos que o processo penal do espetáculo causou à Petrobrás são absurdamente maiores do que lhe causava a deletéria corrupção. Para comprovar o que acabamos de dizer, basta citar o pagamento de quase dez bilhões de reais que a Petrobrás acordou com seus acionistas norte-americanos.
Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente em Direito Processual pela Uerj.