OS DESAFIOS DO TRABALHO INTELECTUAL NO BRASIL por Emir Sader
Nomeado, mas ainda não empossado para dirigir
a Fundação da Casa de Rui Barbosa, eu não queria seguir alimentando mais
entrevistas, declarações, palavras enfim, depois de ter sugerido as ideias
inicias com que pretendemos nortear o trabalho na direção da Casa
No entanto, uma vez instaurado um debate
saudável – um primeiro objetivo, o de suscitar o debate sobre a função de um
espaço culturas público no momento que vive o país -, com as inevitáveis e bem
vindas reações e as negativas manipulações ou edições unilaterais de matérias,
vale a pena voltar ao assunto, pela primeira com um breve texto de
responsabilidade totalmente minha.
Antes de tudo, para reafirmar o respeito por
todo o extraordinário trabalho que a FCRB vem desenvolvendo, seja na
conservação do acervo, na pesquisa, na promoção de eventos e em tantas outras
atividades, que o consagrou como um espaço de referência nessas atividades, em
que abriga alguns dos melhores pesquisadores das distintas especialidades a que
a Casa se dedica. Isto nunca esteve em questão, trabalhadores, em estreita
colaboração com o MINC e a Ministra Ana de Hollanda, assim como com outras
instâncias do governo que já manifestaram interesse concreto em articular suas
atividades considerando a Casa como um espaço de reflexão de todas as
Secretarias do MINC, assim de outros Ministérios do governo – como o MCT, o
Ministério da Saúde, de Comunicação, da Educação, do Meio Ambiente, dos
Esportes, as Secretarias de Políticas para as Mulheres, dos Direitos Humanos,
de Igualdade Racial, dos Esportes. A Casa buscará ser, além de todas as tarefas
que já cumprem de forma efetiva, um espaço mais integrado ao MINC e ao governo
federal, instancias a pertence institucionalmente.
Essas demandas, junto à necessidade de
incentivar debates que ajudem a compreensão do Brasil contemporâneo – além
daqueles que a Casa já desenvolve – nos levam a programar atividades
específicas, dirigidas a decifrar as imensas transformações que o Brasil sofreu
nas duas ultimas décadas. É uma lacuna que já apontava conversa que tivemos com
a atual Presidenta Dilma, quanto Marco Aurélio Garcia e eu fazíamos uma
entrevista para o livro O Brasil, entre o passado e o futuro (Editoras Perseu
Abramo, organizado por Marco e eu), quando constatávamos como faz falta hoje ao
Brasil um novo impulso teórico e cultural, que sempre acompanhou os momentos de
grandes transformações politicas do país. Recordávamos como isso ocorreu nos
anos 30, concomitantemente ao primeiro governo do Getúlio, que dava origem ao
Estado nacional contemporâneo, com obras como as de Caio Prado Jr., Sergio
Buarque de Holanda, Gilberto Freire, Anísio Teixeira, entre tantos outros. Realizada
um pouco antes, mas estendendo sua influência por todas as décadas posteriores,
a Semana de Arte Moderna condensou a todas as grandes correntes artísticas
renovadoras que povoam até hoje a arte brasileira.
Na virada dos anos 50 para os 60 do século, juntos
aos acelerados processos de urbanização e de industrialização, com o
fortalecimento de classes e forças sociais fundamentais no processo de profunda
democratização por que passava o país, o desenvolvimento de obras como de Darcy
Ribeiro, Celso Furtado, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Werneck
Sodré, todo o grupo do ISEB – sem querer mencionar a todos -, enquanto a bossa
nova, o cinema novo, o boom e a renovação criativa no teatro brasileira, assim
como nas artes plásticas, agora a presença exponencial de Oscar Niemeyer, Burle
Marx, para referir-nos apenas a alguns dos arquitetos e paisagistas. A lista e
as atividades é extensa, na maior concentração de arte criativa e original que
o Brasil conseguiu produzir em um espaço relativamente curto. (Certamente, se
podem acrescentar muito mais nomes e atividades, estas estão aqui apenas a
título de exemplos.)
Não há dúvidas hoje de que o Brasil vive, ao
longo da primeira década deste século, que tudo indica que se projetará pelo
menos por esta década, um outro período de grandes transformações, que pode ser
comparado com os mencionados anteriores, com suas particularidades, tanto na
forma dessas transformações, como nos processos políticos que as leva adiante.
A consolidação de um modelo econômico intrinsecamente associado à distribuição
de renda faz com que o Brasil tenha começado a atacar o principal problema que
o país arrasta ao longo dos seus séculos de história: a desigualdade social,
que faz com que fôssemos o país mais desigual da América Latina, que por sua
vez é o continente mais desigual do mundo. Pela primeira vez na nossa história
estamos conseguindo diminuir de forma significativa a desigualdade no Brasil, e
em proporções que nos permitem dizer que a própria estrutura social a que estávamos
acostumados – uma pirâmide bem larga na base, que ia se afinando como se
ascendia na estrutura social, como um filtro que permitia que poucos pudessem
estar no meio e muito menos ainda na cúspide da pirâmide.
Além de múltiplos outros fenômenos, que projetaram
muito mais e de forma distinta o Brasil no mundo, aliado preferencialmente aos
países vizinhos da América Latina e aos do Sul do Mundo, que representamos mais
de 85% da população do mundo, mas contamos com percentual brutalmente inferior
da riqueza mundial. Por isso o lugar do Brasil como potência emergente, que
representa uma nova forma de encarar os problemas econômicos, sociais,
políticos, energéticos meio ambientais, educacionais, culturais, dos direitos
das minorias politicas, entre outros, tendo sido dirigido na primeira fase
desse processo por um líder politico de origem no movimento sindical de luta
contra a ditadura, seguido pela primeira mulher Presidenta do Brasil, que
esteve diretamente vinculada à resistência àquela mesma ditadura – passou a
viver o período de sua maior projeção regional e mundial.
Muitos outros aspectos dessas profundas e
extensas transformações – a principal das quais, ao diminuir substancialmente
as desigualdades, passou a governar para todos no maior mecanismo de inclusão
social que havíamos conhecido – podem ser mencionados, para ressaltar a
transcendência do momento histórico que passamos a viver na entrada do novo
século.
No entanto, sem subestimar a vigorosa e
extensa produção intelectual que a vida acadêmica brasileira e outras
instâncias inovadoras passaram a produzir nas últimas décadas, é necessário
constatar que as transformações que o país vem vivendo, tem se dado em ritmo
mais avançado do que o ritmo do avanço da capacidade de produção teórica de dar
conta das profundas, diversificadas e novas transformações que o Brasil passou
a viver, especialmente nas duas últimas décadas.
O próprio debate eleitoral refletiu isso. Por um lado, a grande maioria dos
meios de comunicação, com uma visão sistematicamente crítica do desempenho do
governo Lula – que acreditava que já em 2005 o governo estava morto ou ferido
de morte, para dar apenas um exemplo da incapacidade de se situar diante das
transformações já em curso naquele momento – e que, ao final desse governo, teve
que conviver com um Presidente com 87% de apoio e apenas 4% de rejeição. O que
dava conta, sinteticamente, como o ponto de vista amplamente majoritário na
mídia – em uma mídia que havia reduzido seu pluralismo a espaços residuais – se
chocava com o Brasil realmente existente, que havia entrado em um período da
maior unificação nacional, de forma consensual, em torno de um projeto
protagonizado por esse governo atacado por escrito, nas rádios e nas TVs,
sistematicamente.
Por outro lado, é preciso dizer também – como
o livro mencionado O Brasil entre passado e o futuro – que os grandes
avanços do governo Lula foram feitos muito mais de forma empírica, pragmática,
baseados na extraordinária intuição política do Lula, com ensaios e
erros, com exploração de espaços novos e mais fáceis de avançar – como a
prioridade das politicas sociais ao invés do ajuste fiscal, da integração
regional, ao invés dos Tratados de Livre Comércio com os EUA -, mas sem uma
teorização dos passos que se estavam dando, de reflexões estratégicas sobre as
direções em que se caminhava, com seu potencial, seus limites, suas
contradições.
O certo é que temos que nos orgulhar de todas
essas transformações, que estão fazendo do Brasil um país menos injusto, mas
como intelectuais, como artistas, temos que constatar que não estamos até aqui
correspondendo, com a formulação de grandes debates sobre os caminhos que o
Brasil está cruzando, seus potenciais, suas contradições, seus limites, suas
novas necessidades. Um debate obrigatoriamente crítico, contraditório, que tem
que dar lugar para todas as vozes, uma discussão pluralista, necessariamente
multidisciplinar, para abordar todas as esferas e dimensões afetadas pelas
transformações em um país tão amplo e contraditório como o nosso.
O mandato que pretendemos levar a cabo na Casa
de Rui Barbosa não se choca em nada nem com as atividades que se vem
desenvolvendo com grande empenho e rigor na Casa, assim como com os objetivos
tradicionais que a trajetória de um personagem impar na nossa história, como estadista,
homem de visão ampla, de ideológica pluralista, como Rui Barbosa, projetou
sobre a nossa história e nos deixou exemplos de formas de abordagens, para sua
época de temas contemporâneos candentes, tanto de politica interna, como de
defesa dos interesses do Brasil no mundo.
Buscaremos fomentar grandes conferências –
mensais ou mesmo quinzenais – com participação dos grandes pensadores
contemporâneos que tem, de uma ou de forma, buscado decifrar os enigmas
representados pelas novas circunstancias históricas que vivemos ou pelas
tradicionais, revestias de novas roupagens. Não há limite, nem no número, nem
nas correntes dos que serão convidados pela Casa – indo de Marilena Chaui a
José Murilo de Carvalho, de José Miguel Wisnik a Caetano Veloso, de Tania
Bacelar a Bresser Pereira, de Carlos Nelson Coutinho a Maria Rita Kehl, de José
Luis Fiori a Chico de Oliveira (e a lista é necessariamente grande e, ainda
assim redutiva). Chamaremos para reuniões periódicas todos os intelectuais e
artistas que se disponham a participar, para ouvi-los, escutar suas propostas,
promover intercâmbios de ideias sobre os rumos das atividades da Casa. Ao mesmo
tempo abriremos um espaço de consulta na página da Casa, para que sugestões de
nomes, temas e modalidades de atividade, sejam encaminhados.
Essas conferencias, assim como todas as outras
que realizemos – seminários sobre Cultura e Politicas Culturais, sobre
Propriedade Intelectual, entre outros – será todos transmitidos on line por
internet, com possibilidade de assistência e incluso de formulação de perguntas
a distância, com os DVDs restando na página da FCRB para serem vistos
posteriormente e gravados, se assim se desejar.
Está claro que pretendemos seguir cumprindo
todas as atividades atuais da Casa, reforçando-se ao buscar dispor de melhores
condições de trabalho e de espaço para os acervos, necessariamente temos que
ter, como um esforço conjunto da FCRB, junto com o MINC e outras instancias do
Governo Federal que já tem se mostrado sensíveis, o aumento de pessoal, seja
mediante novos concursos, seja mais bolsas e outras modalidades de expandir
nossa capacidade de trabalho.
Vários outros projetos já foram propostos à
Casa – como, em coordenação com a Biblioteca Nacional, desenvolver um amplo
trabalho coordenado para a participação do Brasil como país convidado da Feria
de Frankfurt de 2013, somente para dar um exemplo, um seminário em prazo curto,
junto com a Secretaria dos Direitos Humanos, sobre experiências similares à
Comissão da Verdade, em países vizinhos, entre outros – que iremos buscar
as formas de dispormos da capacidade atende-los, impossível sem o aumento
e a melhoria da capacidade de ação da Casa.
A FCRB e nenhum órgão publico produz cultura.
Ele deve fomenta-la, incentiva-la, gerar as melhores condições de sua produção
e difusão. Como disse a Presidenta Dilma na referia entrevista, nós não
acendemos foguinhos, mas vamos assoprar a favor todos os que existam ou
apareçam. Modestamente a Casa pretende se inserir nessa dinâmica, plural e
criativa, de apoiar o surgimento e o fortalecimento das distintas formas de
expressão intelectual e artística que nos tornem mais contemporâneos deste
momento extraordinário que o Brasil vive.
Em momentos anteriores, o pensamento crtico e
os movimentos artísticos de vanguarda apontavam os caminhos de futuro para o
Brasil. Hoje devemos dizer que a História avança mais rápido que nossa
capacidade de compreensão e de criação culturais correlatas a seu ritmo e a
seus novos itinerários. O Brasil tem como um dos seus melhores patrimônios seus
artistas e seus intelectuais. Trabalhemos para que a compreensão teórica do
Brasil e a criação artística do Século XXI, se fortaleçam ainda mais.